quarta-feira, 29 de julho de 2009

Fotografias de Herman Mertens



Devido às vastas possibilidades da fotografia digital - que permite fotografar a preto e branco (P/B) utilizando o filtro da máquina, converter fotografias a cores para P/B no computador, retocar e modificar fotos, entre outros efeitos especiais - e sem esquecer as especificidades dessa modalidade fotográfica, que se tornou uma opção artística ainda antes do surgimento da fotografia a cores, é cada vez mais importante valorizar o conteúdo da imagem enquanto produto da poética e da criatividade do fotógrafo.

Essas facilidades da fotografia digital fomentaram a multiplicação de fotógrafos amadores na modalidade da fotografia a cores. Já no P/B, reduto de fotógrafos profissionais e campo experimental de artistas das mais diversas áreas de criação e expressão, poucos se aventuram a lidar com a falta da cor e correspondente necessidade de gerir uma grande variedade de tons e de jogar habilmente com os contrastes. Um deles é o belga Herman Mertens.


Uma das suas fotos mostra a presença distraída da autoridade junto de uma parede antiga na qual alguém escreveu “pequena verdade”. Destaco esta foto pois ela parece resumir o projecto fotográfico de Mertens: reabilitar e valorizar o que está esquecido, abandonado, em vias de perder-se para sempre. A começar pelo tempo, pelo espaço, pelo silêncio – tudo matérias fotografáveis para Herman Mertens.

Nesta foto, "sente-se" o peso do tempo e "ouve-se" o silêncio

Mertens não se importa de fotografar com cor as pequenas e maiores verdades do mundo a cores, mas apanhou bem a pulsação da fotografia a preto e branco para desbravar as sombras por vezes fantasmagóricas do tempo, os caminhos e recantos mágicos dos espaços rurais e urbanos, mais claros ou difusos, socialmente enegrecidos ou artificialmente iluminados, os olhares fundos e escuros das gentes, os vestígios do trabalho e da longa espera do homem ao redor dos tempos, o homem aprisionado no seu quotidiano ou libertando-se nos ritmos da festa.


A composição é versátil - ora dominada pela verticalidade, ora pela combinação de oblíquas com horizontais, mas também simetrias e estruturas triangulares, entre esquemas de composição mais complexos, jogando com o contraste para definir e destacar linhas e manchas orientadoras da composição, mas diluindo a forma principal na sua própria aura de objecto perdido. Noutras obras, parece manter as personagens das suas fotografias presas pelo(s) olhar(es) de quem as vê – através de quem as viu (o fotógrafo) - conduzindo a outra percepção do mundo que nos rodeia, repleto de história(s) que vale a pena ver contar.

Herman Mertens nasceu na Bélgica, perto de Antuérpia, em 1950. Reside em Portugal desde 2000, actualmente em Ervedal da Beira – Oliveira do Hospital. Ver o seu blog.

Estudou publicidade e decoração de interiores, montras e exposições. Durante mais de 25 anos, trabalhou em artigos decorativos, têxtil e móveis.

Participou no curso de Fotografia Aplicada e Fotografia de Grande Formato na Escola Superior de Tecnologia de Tomar e no Estúdio Carlos Relvas, na Golegã. Trabalha actualmente na área da publicidade, que combina com a sua primeira paixão – a fotografia.

Exposições

“Arte e Fogo”

(Um incêndio florestal destruiu a casa de Herman Mertens, em Vale do Ferro, Ervedal da Beira. A tragédia inspirou uma exposição de fotografia no próprio local e depois na sede do concelho)

- Na sua casa ardida, Vale do Ferro, Maio 2007
- Casa da Cultura Dr. César de Oliveira, Oliveira do Hospital, Junho 2007
- Livraria Apolo, Oliveira do Hospital, Julho 2007
- Lagar Vale dos Amores, Ervedal da Beira, Agosto 2007

“Mo(nu)mentos da Vida”

- Lar de Ervedal da Beira, Novembro 2007
- Vale do Ferro, Julho 2008

“Cantos Encantos”

- Livraria Apolo, Oliveira do Hospital, Março 2008
- Vale do Ferro, Julho 2008
"Ligações" - ver post de 04 de Março de 2010
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Foto sem título. Nem precisa. O mundo em que vivemos é feito de pequenas verdades.

Fotos de Herman Mertens, com utilização sujeita a autorização do autor.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Cerâmica de Cargaleiro no Chiado de Coimbra


Na galeria de exposições temporárias do Museu Municipal – Edifício Chiado, decorre desde 04 de Julho uma exposição de cerâmica de Manuel Cargaleiro.

Num espaço muito interessante, com cuidada apresentação, podem apreciar-se painéis de azulejos, placas cerâmicas, jarras, pratos e um canteiro, obras criadas entre 1985 e 2008, pertencentes à Fundação Manuel Cargaleiro.
Actualmente com 82 anos, Cargaleiro reside oficialmente em Paris mas possui atelier em Monte da Caparica, Almada, e em Vietri sur Mare, Itália, onde existe um museu com o seu nome. O Museo Artistico Industriale Manuel Cargaleiro, dedicado à arte da cerâmica, foi inaugurado em 2004.

Em 1990, criou a Fundação Manuel Cargaleiro, à qual doou grande parte das suas obras e a sua colecção de arte e objectos diversos. O ano passado, a Câmara de Castelo Branco e a Fundação Cargaleiro chegaram a um acordo para a instalação das colecções da Fundação no Museu Cargaleiro, criado em 2004 e localizado na Rua dos Cavaleiros, prevendo-se que toda a obra do artista dispersa por França e Itália, assim como a que se encontra em Sobreira da Caparica, tenha como destino o museu albicastrense Manuel Cargaleiro.

Aguarda-se igualmente a construção do Museu Oficina de Artes Manuel Cargaleiro no Seixal, com projecto de Siza Vieira.








Manuel Cargaleiro nasceu a 16 de em Março de 1927, em Chão das Servas, Vila Velha de Ródão, mas foi levado no ano seguinte para a Quinta da Silveira de Baixo, Monte da Caparica.

Frequentou o curso de Geografia e Ciências Naturais na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que abandonou para se dedicar à cerâmica.

Em 1949, estreou-se nas exposições colectivas (I Salão de Cerâmica, Lisboa) e, dois anos depois, realizou a sua primeira exposição individual de cerâmica. Em 1954, já professor de cerâmica na Escola de Artes Decorativas António Arroio, conheceu Helena Vieira da Silva e Arpad Szènes e visitou Paris.

Em 1957, fixou residência em Paris, após estudar a arte da cerâmica em Faenza, Roma e Florença, com uma bolsa do governo italiano. Seis anos depois, mudou-se para um atelier na Rue des Grands-Augustins 19, Paris, onde passou a residir.

Artista multifacetado, com uma vasta obra abrangendo a pintura, gravura, desenho, tapeçaria e, naturalmente, a cerâmica, Cargaleiro adoptou uma linguagem plástica influenciada por Helena Vieira da Silva (13 de Junho 1908 - 06 de Março 1992), que desenvolveu numa perspectiva de abordagem cerâmica – algumas vezes em obras de grandes dimensões, no domínio da Arte Pública. Em 1987, dirigiu os trabalhos de passagem para azulejo de uma obra de Vieira da Silva destinada à estação de metro da Cidade Universitária, em Lisboa, enquanto realizava um painel cerâmico para a estação de metro do Colégio Militar-Luz. É também autor do painel cerâmico da estação de metro “Champs-Elysées-Clémenceau”, Paris (1995), e de um trabalho mais recente que pode ser visto na estação de serviço de Óbidos (A8), por encomenda da empresa Auto-Estradas do Atlântico.

Recebeu o “Diplôme d´Honneur de la Académie Internationale de la Céramique” no Festival de Cannes, logo em 1955, a Ordem da Cruz de Santiago da Espada, no Dia de Portugal de 1982, o grau de “Officier des Arts et des Lettres” do governo francês em 1984, e a Medalha de Ouro do Concelho de Vila Velha de Ródão.

A "Casa" segundo José Bechara

Instalada no pátio em frente ao Museu Gulbenkian, a "Casa" do artista brasileiro José Bechara (Rio de Janeiro, 1957) parece expulsar o recheio pelas aberturas, sugerindo expressões como “a casa vomita”, “a casa cospe”, “a casa expulsa”.

Bechara desenvolve este tema específico desde há largos anos, tendo apresentado o primeiro projecto num workshop de 100 artistas em residência, realizado a convite da Secretaria de Cultura do Estado do Paraná, em Maio de 2002. Então, Bechara lembrou-se de trabalhar a própria casa que lhe foi atribuída (uma casa térrea, de madeira) mostrando-a a expulsar a mobília pela porta e janelas na série fotográfica “Paisagem Doméstica” (ver “A Casa cospe”, 2002).

Com o desenvolvimento do projecto, a casa foi reduzida à sua mínima expressão construtiva e volumétrica, transformando-a numa escultura que evoca as construções elementares e precárias das favelas (pequenos volumes, geralmente cubos, com pequenas aberturas) até pelos materiais utilizados (contraplacados, lonas e papel oxidados, peles de animais). A mobília também mudou, repetindo-se as escadas/estantes e mesas. Mudou também o sentido global das obras, como em “Preta” (“casa” oxidada, expulsando mobília por aberturas que fazem lembrar uma cabeça, Rio de Janeiro, 2006), “blackblack” (duas “casas” pretas, expulsando mobília preta, obra datada de 2007), ou “Duas Cabeças com Preto” (duas “casas” oxidadas, 2007), enquanto em “Alva” (Rio de Janeiro, 2007), as formas são claras e luminosas.

A “casa” é apresentada como um corpo vivo minimal e em certa medida inteligente, fazendo o oposto do que seria de esperar de uma casa meramente funcional, que é conter, guardar, proteger. “Esta casa inverte tudo isso”, disse o artista numa entrevista à agência Lusa. A revolta da casa, que expulsa o seu conteúdo geralmente por três aberturas, aparece como metáfora das tensões interiores (individuais, familiares, sociais) para as quais é necessário encontrar frequentemente válvulas de escape, mas também dos atritos e conflitos que vão esclarecendo a origem de muitos problemas e forçando a procura de soluções. A série “preta” evoca a violência e o branco (série “Open House” – Alva) o espaço em branco onde tudo se inscreve, “pura disponibilidade” (Cesar Kiraly, crítico de arte brasileiro, em José Bechara: analítica do preto e do branco e suas cores).

A obra de Bechara tornou-se um projecto artístico de sucesso, inspirando análises e teorias diversas, tendo já sido mostrada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Madrid e Miami. Em Lisboa, encontra-se patente até 30 de Setembro, no âmbito do programa de cultura contemporânea “ Próximo Futuro”.

Visitar AQUI o site oficial de José Bechara

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Amadeo, a Gripe A e Manuel Laranjeira

Amadeo Souza-Cardoso e a gripe H1N1

Amadeo Souza-Cardoso em 1906

A segunda metade da segunda década do século XX ficou marcada por duas grandes tragédias praticamente à escala mundial, ambas com origens difusas. Como em todos os fenómenos complexos, não é possível apontar com certeza uma causa única para a I Guerra Mundial (1914-1918) nem para a pandemia de gripe que, em apenas dois anos (1918-1919) fez mais vítimas mortais que a guerra.

Então conhecida como febre ou gripe espanhola (1), gripe pneumónica, peste pneumónica ou simplesmente “pneumónica”, a pandemia causada pelo subtipo H1N1 do vírus Influenza A (o mesmo que se espalha actualmente por todo o mundo) vitimou o primeiro artista português modernista, Amadeo Souza-Cardoso, aos 30 anos de idade, e o pianista Pedro Blanco (Leon, 1883 – Porto, 1919). A gripe fez milhões de vítimas em vários continentes, não poupando sequer o eleito e proclamado Presidente do Brasil, Francisco Rodrigues Alves, que faleceu em Janeiro de 1919, sem tomar posse.

O compositor e pianista espanhol Pedro Blanco

Quando Amadeo Souza-Cardoso chegou a Paris em 1906, acompanhado pelo amigo Francisco Smith, deixava saudades também em Espinho, onde tinha casa e passava largas temporadas na companhia do seu amigo íntimo, o médico e escritor Manuel Laranjeira (1877-1912), para além de outros amigos de tertúlia.
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O "Café Chinez" e o Casino Peninsular, na Avenida Serpa Pinto*

Espinho era então o mais chique destino de férias da burguesia nortenha, trazida pelos rápidos e cómodos comboios da ligação ferroviária Lisboa-Porto (2), e as famílias mais endinheiradas mantinham ali a sua casa de Verão, que lhes servia de refúgio ao longo do ano. A Vila oferecia ainda o Casino Peninsular e alguns cafés com esplanadas, onde as elites locais se reuniam e os visitantes confraternizavam, e pelas quais também deambulava a figura do “brasileiro” – o emigrante que regressava rico do Brasil.

Nos anos em que viveu em Paris, Espinho esteve sempre presente na vida do pintor português através da correspondência com Manuel Laranjeira e de visitas ocasionais após o trágico desaparecimento do amigo, em 1912. Desesperado com a doença que o matava aos poucos, Laranjeira suicidou-se com um tiro de pistola.

Amadeo e Lucie Souza-Cardoso em 1914*
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O início da guerra, no Verão de 1914, encontrou Amadeo Souza-Cardoso em Madrid, onde se demorara após uma passagem por Barcelona para visitar Antoni Gaudí, e o artista amarantino regressou a Portugal com Lucie Pecetto – que conhecera em Paris em 1908. Ainda em 1914, casou-se no Porto com Lucie e a sua vida repartiu-se entre Espinho e Amarante. Em Manhufe, instalou o atelier na Casa do Ribeiro, pertencente ao seu tio materno Francisco Cardoso (3) e trabalhou desenfreadamente com vista a duas exposições, no Porto e em Lisboa, dois importantes acontecimentos do Modernismo em Portugal.



A primeira exposição, realizada em Novembro no Salão do Jardim Passos Manuel (4), intitulava-se “Abstraccionismo” e era composta por 84 pinturas a óleo e a cera, 19 aguarelas e 11 desenhos. Em Lisboa, contou com o apoio de José de Almada Negreiros e do Grupo da Revista Orpheu, expondo na Liga Naval (Palácio Calhariz) em Dezembro de 1916. Ambas as exposições foram mal recebidas pelo público burguês, de gostos conservadores, originando sarcasmos e até cenas de pugilato e de bengalada.

O que ficou para a História foi a quantidade e qualidade das obras produzidas por Amadeo nesses anos de guerra, adiantando-se algumas vezes às próprias vanguardas. Um período excepcional, marcado pela experimentação de novas formas e técnicas de expressão pictórica, “cujos estudos precederam muitas vezes os de Fernand Léger ou os de Robert Delaunay. Sensível a todas as correntes modernas, alguns dos seus quadros são superiores, pela intensidade cromática e pelo sopro lírico, aos dos mais conhecidos mestres daquele período” (5), desenvolvendo o cubismo analítico e o expressionismo no apogeu do movimento.

Nos seus últimos trabalhos, o arrojo experimental é evidente com a colagem de objectos diversos (vidros, espelhos, pedaços de papel, …) sobre a tela, articulando as suas formas com os espaços pintados.

Em Abril de 1918, a gripe espanhola chegou à Europa, um mês após se detectarem os primeiros casos nos EUA (Kansas e Nova Iorque), causando diversas baixas entre as tropas francesas, britânicas e americanas estacionadas nas zonas portuárias de França. Em Maio, a epidemia alastrou à Grécia, Espanha e Portugal.

As entidades sanitárias nacionais não tiveram tempo, nem meios, para alertar a população e socorrer as vítimas. Muita gente morreu por desconhecimento do perigo e falta de cuidados:

“Caso sintomático é o de uma família de Amarante, o casal Castro. Regressou de Madrid e no dia seguinte foi a tragédia. Morreu o marido, a mulher, o padre que os enterrou (os enterros não esperam 24 horas), o sacristão, os homens que levaram a urna, a cozinheira, os vizinhos, e até o cão e o gato”. (5)

Impedido de pintar devido a uma doença de pele, Amadeo foi para Espinho. A 25 de Outubro, adoeceu subitamente e faleceu, vitimado pela gripe H1N1, na sua casa em frente ao cais da gare ferroviária, Avenida Serpa Pinto (actual Avenida 8), nº 66. Completaria 31 anos no dia 14 do mês seguinte, três dias após o final da I Guerra Mundial (11 de Novembro de 1918).

Em Portugal e no estrangeiro, os amigos choraram a sua morte. Em Paris, o seu amigo Modigliani (que conhecera em 1909), “chorou como uma criança” (6). Dois anos depois, o artista italiano morreu devido a uma combinação de tuberculose, toxicodependência e alcoolismo.

A pandemia de gripe de 1918-19 fez cerca de 27 milhões (7) de vítimas mortais em todo o mundo, a maioria das quais em África, Índia em China. Só em Portugal, em 1918, as epidemias levaram 70.000 vidas (cerca de 100 mil em 1918-19) e a taxa de mortalidade subiu para o dobro (8).
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A sorte foi particularmente madrasta com Amadeo Souza-Cardoso, cerceando uma carreira artística que se adivinhava a todos os níveis marcante para as artes nacionais e internacionais. Nesse ano amargo de 1918, lamenta-se também a morte prematura de Santa-Rita Pintor (Lisboa, 1889 - Lisboa, 29/04/1918), companheiro de Amadeo em Paris e considerado o introdutor do Futurismo em Portugal. A epidemia de gripe vitimou ainda, em Portugal, o poeta João Lúcio (1880-1918) e o compositor António de Lima Fragoso (1897-1918) - para além do já referido Pedro Blanco.

Com a morte de Amadeo Souza-Cardoso, encerrou-se a primeira fase do Modernismo português.

Amadeo Souza-Cardoso e Manuel Laranjeira

Entre os visitantes regulares de Espinho na primeira década do século XX, em férias ou por obrigações profissionais, contavam-se diversos artistas, homens de letras, compositores, que se reuniam às tertúlias locais, no Café Chinês ou no Peninsular. Nessas tertúlias, sobressaía a figura do médico e escritor residente em Espinho, Manuel Laranjeira.

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A pose mais divulgada de Laranjeira
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Manuel Fernandes Laranjeira era natural da Vergada, concelho da Feira, onde nasceu em 1877. Não faltam testemunhos nem estudos que atestem a sua inteligência crítica, a ampla e diversificada cultura (que revelava conhecimento e compreensão do seu tempo), a intuição psicológica e riqueza afectiva. Bastaria recordar o que sobre ele escreveu Miguel Unamuno, seu amigo e correspondende, que ML conheceu em 1908: “Foi Laranjeira quem me ensinou a ver a alma trágica de Portugal… e não poucos recantos dos abismos tenebrosos da alma humana” (9). Na verdade, ML viveu uma existência marcada por “tempestades interiores”, que lhe provocavam sucessivos períodos de melancolia ou explosões de revolta e desespero.

A família de Amadeo Souza-Cardoso passava férias de verão em Espinho, onde o jovem estudante universitário e Manuel Laranjeira acabaram por se encontrar. A personalidade de Amadeo e os seus dotes para o desenho terão surpreendido ML, que não só lhe ofereceu a sua amizade como lhe augurou imediatamente um futuro brilhante nas artes:

Há dois anos disse-lhe eu a você que você era um artista na absoluta significação do termo. Faltava-lhe apenas lapidá-lo, faltava-lhe apenas pôr a lume as preciosas qualidades artísticas que você então revelava. Isso viria com o estudo, com o trabalho afincado, tenaz. E veio. Hoje reconheço com segurança indiscutível que não me enganei (carta de M. Laranjeira a Amadeo Souza-Cardoso, Espinho, 23/10/1907, ob. cit., pág. 265)

Ao tempo, Amadeo de Souza-Cardoso ainda não pintava. As primeiras pinturas foram realizadas já em Paris e a sua actividade artística reduzia-se então a alguns desenhos e caricaturas, existindo pelo menos três caricaturas de Laranjeira por Amadeo, todas de 1906: uma caricatura de perfil, muito apreciada por Laranjeira (que a equiparou, em conteúdo artístico, a um retrato que António Carneiro lhe pintara em 1906 e que editou em postal em Fevereiro de 1907); uma caricatura de Laranjeira, sentado de costas à mesa do café; auto-caricatura de Amadeo e caricatura de Laranjeira, pedalando uma bicicleta de dois lugares – veículo então muito popular na praia de Espinho, com dois ou mais lugares, havendo casas especializadas que as alugavam.


Amadeo fixou nesta caricatura o ar introspectivo e melancólico de Laranjeira
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Auto-caricatura de Amadeo e caricatura de Laranjeira, 1906

Manuel Laranjeira foi uma das pessoas que mais influenciou Amadeo, para além do tio materno do artista, Francisco Cardoso (3). A fortuna familiar (10) e o apoio do “tio Chico”, muitas vezes contra a vontade do pai, permitiu-lhe rumar a Paris sem uma bolsa de estudo, com o objectivo nunca concretizado de realizar estudos superiores, após uma breve passagem pelo Curso de Direito da Universidade de Coimbra e pelo Curso de Arquitectura da Sociedade Nacional de Belas Artes, em 1905.

Francisco Cardoso, o "tio Chico", retratado por António Carneiro

Foi intensa a correspondência entre Amadeo e Manuel Laranjeira, que chegou mesmo a considerar a hipótese de se reunir ao amigo em Paris (então o centro do mundo moderno ou, nas palavras de ML, “o mundo onde se vive, onde se sente, onde se pensa, onde se trabalha”) mas foi ficando em Espinho, cuja vida quotidiana considerava “cinzenta” e “um tédio”, com a desculpa de “servir de estaca à velhice” da mãe. Mais tarde, confessaria a Amadeo não ter ido para Paris por falta de dinheiro (Carta a Amadeo, Espinho, 30/11/1907, ob. cit.).

Da Capital do Mundo, Amadeo remetia ao amigo alguns desenhos, caricaturas e fotos. A 06 de Maio de 1908, comentando uma foto encenada por Amadeo e os amigos de Paris: “Vi “Los borrachos”, “d’aprés” Velasquez, que me enviou. Você é um Baco magnífico. Quantas meninas românticas têm sonhado com um Baco assim!”. No Verão, o pintor português esteve em Portugal de férias e passou pelo menos uma semana em Espinho (carta de Manuel Laranjeira a Pedro Blanco, 03/09/1908, pág. 318, ob. cit.).

No final de Dezembro de 1908, Laranjeira enviou a Amadeo palavras de motivação (o amigo preparava-se para a admissão à Academia de Belas Artes de Paris, frequentando ateliers e a Academia Vitti) que se adaptam perfeitamente (cada vez mais?) à actualidade das artes:

E a arte, amigo, não é uma profissão, é uma vocação, é uma devoção, é um instinto. Quem não for artista assim, devotadamente, por fé, por instinto, misticamente, é melhor que não o seja.
Ser artista profissional é uma coisa híbrida, abstrusa, indigna: é ainda pior e menos compreensível do que ser militar, do que ser herói profissional, a tanto por mês. São uma praga detestável os profissionais de coisas que sobretudo exigem fé, devoção, instinto, heroísmo místico. É por isso que as prostitutas, que são profissionais do amor, são desprezadas. Foram os profissionais que estragaram a religião e, é preciso dizê-lo com tristeza, são eles que estão estragando a arte. Em suma – um profissional em arte faz-me lembrar um profissional do amor…
(in carta a Amadeo, Espinho, 30/12/1908, ob. cit., pág. 346.)

Amadeo, Retrato de Alexandre Ferraz de Andrade, 1910*

Amadeo não foi admitido na Academia de Belas Artes mas, em 1911, expôs no no Salão dos Independentes de Paris e aproximou-se de artistas como Modigliani, Brancusi, Archipenko, Juan Gris e Robert Delaunay, afirmando-se progressivamente no contexto das vanguardas internacionais, como reza e explica a História.
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Em Agosto de 1911, já doente, Manuel Laranjeira é eleito Presidente da Comissão Municipal Administrativa de Espinho mas o conhecimento que tinha do seu estado, como médico, não lhe dava qualquer esperança. “Decididamente isto há-de acabar mal”, confidenciara ele ao amigo Amadeo Souza-Cardoso. Desesperado, matou-se com um tiro de pistola a 22 de Fevereiro de 1912, na casa onde residia, na Rua Bandeira Coelho (actual Rua 19), nº 275, Espinho. Tinha 34 anos. Seis anos depois, a gripe H1N1 vitimaria Amadeo de Souza Cardoso também em Espinho.
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De referir, em jeito de conclusão, a proximidade das idades com que faleceram Amadeo Souza-Cardoso (30 anos), Manuel Laranjeira (34), Pedro Blanco (36) e Santa-Rita Pintor (29) não era ao tempo incomum. Em 1920, afastada a epidemia de gripe, a esperança média de vida dos portugueses era de 35,2 anos para os homens e 35,8 para as mulheres (8).
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Notas:
(1)- Assim chamada devido às notícias alarmistas veiculadas em primeira mão pela imprensa espanhola.
(2)- Concluída em 1877 com a construção da ponte D. Maria Pia, que permitiu a ligação ferroviária entre Gaia e Porto.
(3)- Francisco José Lopes Ferreira Cardoso (1865-1947), o “Tio Chico”, teve forte influência sobre Amadeo, aconselhou-o e apoiou as suas decisões. Era um homem muito viajado, de grande cultura e sensibilidade artística e literária, que estabeleceu muitas amizades no mundo da política, das letras, das artes e até do espectáculo. Entre os seus amigos, contavam-se o rei D. Carlos, António Cândido, Teixeira de Pascoaes e D. António Barroso (bispo do Porto).
(4)-Inaugurado em 18 de Março de 1908, o Jardim Passos Manuel existiu até 1938 onde actualmente se ergue o Coliseu do Porto. Inspirado nos jardins parisienses da Belle Époque, foi local privilegiado das noites boémias portuenses, oferecendo o animatógrafo mais evoluído do seu tempo, grandes espectáculos de “music-hall”, os maiores êxitos musicais da época e outros acontecimentos culturais. Era de tal modo importante para a cidade que se cunhou uma moeda própria, aceite em transacções correntes nas lojas e cafés das redondezas - o mais próximo dos quais era o Majestic.
(5)-“Diário da História de Portugal”, José Hermano Saraiva e Maria Luísa Guerra, SRD, Maio 1998, pág. 513.
(6)-"Modigliani senza leggenda", Jeanne Modigliani, Vallecchi-Editore, Firenze, 1958.
(7)-"História do Século XX", nº 32.
(8)-"Portugal Século XX - Crónica em Imagens, 1910-1920", Joaquim Vieira, CL, pág. 207.
(9)-Citado na versão original em “Miguel de Unamuno e Manuel Laranjeira”, Júlio Garcia Morejón / Dicionário de Literatura, vol. 2, Figueirinhas, 1989.
(10)-O pai, José Emygdio de Souza Cardoso, era um abastado proprietário rural e chegou a Presidente da Câmara Municipal de Amarante.

Outras fontes:
Biografia de Amadeo Souza-Cardoso, Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso – Amarante; Manuel de Laranjeira (1877-1912) – Vivências e imagens de uma época”, Orlando da Silva, 1992.

*Fotos em Galeria da Biblioteca de Arte – Fundação Calouste Gulbenkian, no domínio público, sem restrições de direitos autorais conhecidos.

sábado, 18 de julho de 2009

"Senhor e Deus" em São Romão



Três meses após ter sido estreada fugazmente em São Romão, no encerramento das “Jornadas do Conhecimento”, a exposição de fotografia de José Santos intitulada “Senhor e Deus” regressa com mais tempo à Vila senense, encontrando-se patente na sede/Museu do Rancho Folclórico “Os Pastores de São Romão” até ao dia 26 de Julho.

Se o título da exposição retira qualquer dúvida sobre o sentido das peças fotográficas expostas, já a erudição da forma ao nível da “re-representação”, ou reinterpretação da figura do Cristo Crucificado, tomada de exemplares da arte sacra regional, atinge grande complexidade estética por via da depuração narrativa. É que, ao intensificar a carga dramática da imagem recorrendo a artifícios mecânicos da fotografia e movimentos da câmara digital, o autor restringe a descrição narrativa ao essencial da Paixão.
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No convite para a exposição, o autor ilustra o processo, colocando uma fotografia convencional ladeada por imagens de algumas das obras expostas. Trata-se, afinal, de uma outra perspectiva de abordagem deste tema, marcada pela modernidade, que tem recebido a melhor atenção e apoio das entidades eclesiásticas.

A exposição “Senhor e Deus” esteve já patente na galeria de exposições do Posto de Turismo de Seia (Abril 2009) e no Hotel Marialva, em Cantanhede (06 de Junho 2009), encontrando-se prevista a sua passagem por Gouveia e Moimenta da Beira.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

O Homem T(o tal)


Para comemorar 15 anos de existência, o Espaço T desenvolve actualmente um projecto de intervenção sociocultural denominado Homem T, cuja exposição de arte pública decorre até 31 de Agosto na Avenida dos Aliados, no centro da cidade do Porto.

Segundo Jorge Oliveira, presidente do Espaço T, o projecto “visa lutar pela inclusão de todos os seres humanos numa perspectiva Total, não havendo assim segregação positiva ou negativa”, mas acrescentando que “o Homem Total é um ser utópico” na medida em que só pode ser encontrado procurando “a fonte original que está na base da liberdade humana”.

Assim, cento e vinte e sete artistas trabalharam individualmente ou em grupo as suas concepções particulares de Homem Total, tendo por base a figura estereotipada de um manequim à escala natural, de que resultaram as 100 figuras actualmente expostas na Avenida dos Aliados.

A maioria das propostas dos artistas limita-se à pintura do manequim, com abordagens técnicas mais ou menos complexas e resultados quase sempre surpreendentes. Outras, alteraram a estrutura ou os volumes da figura, acrescentando elementos estranhos e até desconstruindo o manequim. Existe mesmo um “Homem T” invisível, denunciado pela sua sombra, pintada no chão, e outro simbolicamente representado por dois tubos metálicos fixados em forma de T.

Aderiram ao projecto Homem T artistas como Albuquerque Mendes, Beatriz Albuquerque, Carlos Carreiro, Cristina Ataíde, Dacosta, Dario Alves, Graça Martins, Henrique do Vale, Henrique Silva, Isabel de Sá, Isabel e Rodrigo Cabral, Jaime Azinheira, Jaime Baptista, Jorge Curval, Laureano Ribatua, Manuela Bronze, Margarida Leão, Paulo Ossião, Rui Anahory, Sobral Centeno ou Zulmiro de Carvalho, entre outros. Participam igualmente pessoas ligadas ao Espaço T, com obras colectivas orientadas por artistas (Sara Leguisamo, Cristina Camargo, Teresa Brito e Rui Macedo).

A iniciativa do Espaço T faz lembrar outras similares, como a “Cow Parade” de 101 vacas pintadas em Lisboa, em Maio de 2006, integrada num projecto internacional de arte pública com exposições simultâneas de vacas pintadas em Paris, Londres, Barcelona, Moscovo, Sidney ou Tóquio.

No dia 19 de Setembro, pelas 15 horas, na Avenida dos Aliados, os 100 Homens T em exposição serão leiloados com vista a angariar fundos para o auto-financiamento do Espaço T, que luta pela integração desde Setembro de 1994.


Jaime Azinheira





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VER: fotos de Teresa Lamas Serra em olhares.aeiou.pt

sábado, 11 de julho de 2009

"A Crise saiu à rua" em Coimbra


Quem percorrer Coimbra até 30 de Setembro, encontrará em nove locais da cidade diversos conjuntos de figuras recortadas em tamanho natural, reunidas sob o tema da Crise.

A quem passa, as silhuetas negras que enchem, por exemplo, o Largo da Portagem, parecem adequadas aos tempos magros da actual crise internacional, mas observando melhor, a Crise que essas figuras evocam ocorreu há 40 anos, ou seja, é uma das tais crises que já acabaram.

"A Crise saiu à rua – Um olhar sobre a Academia de Coimbra em 1969” evoca a crise académica de 1969, um marco histórico da Associação Académica de Coimbra, da cidade de Coimbra e da Democracia em Portugal. A Instalação – pois é de uma grande instalação que se trata – foi organizada pela empresa municipal Turismo de Coimbra com a colaboração da AAC e pretende recriar o ambiente vivido na cidade durante a crise, com recurso a figuras e fotografias da época à escala humana, completadas por diversos elementos visuais e sonoros.

Existem núcleos expositivos na Via Latina, Largo D. Dinis e Sala 17 de Abril, Largo da Portagem, Praça da República, antiga sede da PIDE/DGS, edifício da Associação Académica de Coimbra, Av. Sá da Bandeira e na Baixa da cidade, para além de dois núcleos centrais que permitem conhecer a crise estudantil de 1969 (Pateo das Escolas) e o seu contexto sociopolítico (Largo da Sé Velha).

Largo da Portagem

Largo da Portagem - lançamento de balões com palavras de ordem


A Crise Estudantil de 1969

O descontentamento e inquietação de um grande número de estudantes a propósito da situação do ensino e da guerra colonial, permitiu a eleição de uma lista de unidade antifascista para a direcção da Associação Académica de Coimbra e criou uma tensão acrescida para a aguardada inauguração do Edifício da Matemática.

Na manhã de 17 de Abril de 1969, a Universidade de Coimbra recebeu a comitiva liderada pelo Presidente da República, Almirante Américo Tomás, acompanhado pelos ministros da Educação (José Hermano Saraiva) e das Obras Públicas. O Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, encontrava-se ausente de metrópole.
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"A Crise saiu à rua" - Chegada do Presidente da República e ministros, com escolta militar. O Ministro da Educação, José Hermano Saraiva, é o quarto a contar da esquerda.

"A Crise saiu à rua" - manifestantes
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Durante a cerimónia, o novo presidente da AAC, Alberto Martins (actual líder parlamentar da bancada do PS na AR) pediu a palavra para falar em nome dos estudantes. Após alguma perplexidade e embaraço das autoridades, foi-lhe respondido que falaria após o discurso do Presidente da República, mas Américo Tomás abandonou a sala logo depois de discursar, ignorando o legítimo representante dos estudantes. Estes, indignados, vaiaram o Presidente da República e ministros, acentuando o pretexto para a imediata intervenção da Polícia de Intervenção e Defesa do Estado (PIDE/DGS). O ministro da Educação, José Hermano Saraiva, fez um discurso intimidatório na RTP (ainda a preto e branco, como era então o país), com palavras muito diferentes das que usaria anos depois nos seus programas televisivos, mas as ameaças veladas revelaram-se inúteis, assim como falharam todas as habituais medidas repressivas do regime. Pelo contrário, a violência da sua reacção reforçou a unidade estudantil e a simpatia da população de Coimbra pela revolta dos estudantes, mergulhando a cidade num estado generalizado de desobediência cívica.


"A Crise saiu à rua" - estudantes em protesto


A Associação Académica foi demitida e, a 02 de Junho de 1969, começou a greve aos exames, que terminou apenas em Setembro. A GNR e a PSP foram chamadas a controlar os estudantes, que foram perseguidos, cercados, agredidos, presos e interrogados pela PIDE/DGS. Às cargas de cavalaria da GNR, pelotões de choque, jipes anti-motim, os estudantes respondiam sabotando a acção policial (calçadas ensebadas e armadilhas de pregos para os pneus dos jipes), realizando grandes plenários e desconcertando as autoridades com distribuição de flores à polícia e lançamento de balões com palavras de ordem. O mais grave de tudo, na perspectiva do regime, é que não se tratava de estudantes, no abstracto, mas sim dos filhos das elites nacionais – que então acediam mais facilmente ao ensino liceal e superior. Muitos deles viriam depois a ser incorporados compulsivamente nas Forças Armadas com destino à guerra colonial.

Tentando acalmar a revolta, escolheu-se um professor catedrático da Universidade de Coimbra, José Veiga Simão (n. Guarda, 1929), para substituir José Hermano Saraiva no Ministério da Educação Nacional, e o novo ministro apressou-se a nomear um reitor menos comprometido com os ideais do regime, Gouveia Monteiro. A crise terminou finalmente a 11 de Abril de 1970, quando uma comissão de estudantes presidida pelo mesmo Alberto Martins foi a Lisboa pedir a “compreensão e benevolência” do Chefe de Estado, com o apoio do novo Reitor, que fez um discurso apaziguador, e de professores como Paulo Quintela, Teixeira Ribeiro e Sebastião Cruz. Há quem considere vexatória e patética a missão de retratação liderada por Alberto Martins, mas urgia restituir a paz à Universidade, evitando maiores danos para a secular instituição e para os estudantes, que acabaram por ser amnistiados. De resto, a coragem dos estudantes abriu caminho ao espírito de Abril e a escolha de Veiga Simão para Ministro da Educação revelou-se acertada – para resolver a crise estudantil de 1969 (pois outras houve, como a revolta estudantil de 1907, ou o Luto Académico de 1962) mas sobretudo para impulsionar o ensino público em Portugal.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

"Retrospectiva" de Júlio Vaz Saraiva


Depois de ter mostrado no Cine-Teatro uma selecção dos trabalhos que vem realizando desde os anos 40, reunidos numa Exposição Retrospectiva que integrou o programa do Dia do Município, o artista senense Júlio Vaz Saraiva (J.V.S.) reabriu essa exposição no Posto de Turismo de Seia, onde ficará patente até 31 de Julho. Ver artigo sobre Júlio Vaz Saraiva .
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Aqui ficam algumas imagens da exposição no Posto de Tursimo.

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MÉRITO MUNICIPAL 2009

No dia 03 de Julho, Dia do Município de Seia, decorreu a cerimónia de atribuição das Campânulas de Mérito Municipal a 21 individualidades e uma instituição que "com o seu esforço, dedicação e muito trabalho, conseguem atingir os seus objectivos, e por essa via, dão um contributo relevante para a afirmação da comunidade onde vivem ou trabalham", segundo o Presidente da Câmara, Eduardo Brito.

Foram distinguidos dois artistas senenses nascidos nos anos 20 do século XX, com quatro anos de diferença, mas com percursos de vida diversos: Maria Helena Pais de Abreu (Santa Eulália, Seia, 1924) e António Júlio Vaz Saraiva (Seia, 1928).



Júlio Vaz Saraiva

O realizador e professor de cinema, Lauro António, e o actor Camacho Costa (a título póstumo), foram também distinguidos pelo seu trabalho no CineEco - Festival Internacional de Cinema e Video do Ambiente da Serra da Estrela, que se realiza em Seia desde 1995 e que serviu de modelo à criação de outros festivais de cinema do ambiente.

O realizador Lauro António

Na área da Cultura, foram ainda distinguidos Sérgio Pinto Miranda (Rancho Folclórico de Seia), Gracinda Silva Rodrigues (Conservatório de Música de Seia), Alexandre da Mota Veiga Dolgner (LICRASE - Liga dos Criadores e Amigos do Cão da Serra da Estrela) e o Centro Cultural "Os Serranos" - Newark, EUA.

Na área social (Mérito e Dedicação), destacaram-se: Carlos João Teodoro Tomás, José Pinto Mendes, Manuel Teixeira Plácido, Padre Francisco Borges de Assunção (a título póstumo), Padre Joaquim Teixeira. São tão importantes, embora diversos, os contributos que estas individualidades têm dado para o desenvolvimento social de Seia que quaiquer comentários ficarão sempre aquém dos elogios que merecem.

As restantes individualidades distinguidas (Mérito Empresarial), foram: Alberto Trindade Martinho (Casas do Cruzeiro, Conjunto Turístico da Quinta do Crestelo), Ana Filipa Osório Mayer de Carvalho Sacadura Botte (Quinta da Bica), António Cardoso Simão (produtor de queijo artesanal), Cândido Abrantes da Silva (MAGUIR), Jorge Manuel Saraiva Camelo (Hotel Camelo), Luís Filipe Mendes Coelho (Colégio de Línguas e Artes), Paulo Alexandre Santos (RISCUS), Vítor Manuel Costa Caetano (construção civil); e Paulo Jorge da Silva Abrantes Fontes (Mérito Desportivo, a título póstumo).

Foi a última escolha do presidente Eduardo Brito, a mais numerosa desde 2007, primeiro ano da atribuição das Campânulas de Mérito: nove em 2007, doze em 2008 e vinte e duas em 2009.















As Campânulas de Mérito atribuídas a título póstumo, ao actor Camacho Costa, Padre Francisco Assunção e ao desportista Paulo Fontes, foram entregues a familiares.

FONTES: "Mérito Municipal - 03 Julho 2009", edição da CMS; imprensa local e regional.

sábado, 4 de julho de 2009

Henri Fantin-Latour (1836-1904)

Auto-retrato de Fantin-Latour *

Retratos de grupo - testemunhos de cumplicidades

A grande exposição de Verão do Museu da Fundação Calouste Gulbenkian mostra pela primeira vez na Península Ibérica um conjunto significativo de obras do pintor e litógrafo francês do século XIX, Henri Fantin-Latour (1836-1904).

Apesar da sua convivência com artistas e escritores progressistas, e de ter vivido numa época em que Paris era a Capital Cultural do mundo ocidental (1), Fantin-Latour era um pintor conservador, caracterizado por um estilo muito detalhado e intimista. Os seus detractores referem que nunca pintou a nova realidade das cidades nem a revolução industrial, construindo uma obra desfasada do seu tempo, mas os seus defensores alegam que pintou de modo único “a intimidade da família moderna da sua época”(2).

Já no seu tempo, Émile Zola procurara conciliar ambas as perspectivas, escrevendo que as pinturas do amigo “não saltam aos olhos, não nos fazem virar a cabeça ao passar” mas “a sua consciência, a sua verdade simples, tomam conta de nós e prendem-nos”.

A verdade é que Fantin-Latour ficou célebre pelas suas naturezas-mortas (entre as quais há a destacar os exuberantes arranjos florais) mas sobretudo por ter pintado os retratos de amigos como Claude Monet, Arthur Rimbaud, Paul Verlaine, Émile Zola, Charles Baudelaire, Gustave Courbet ou Pierre-Auguste Renoir. Mais do que testemunhos do relacionamento do artista com personalidades da cultura da época, os retratos de Fantin-Latour são documentos históricos.

"Hommage a Delacroix" (1864)*

No quadro “Homenagem a Delacroix” (Paris, 1864) vê-se o próprio Fantin-Latour com Baudelaire, Édouard Manet, James Whistler (3), Champfleury e outros, à volta de um quadro de Delacroix.

"An studio in Batignolles" (1870)*

Outra obra famosa, “Um Estúdio em Batignolles”, também conhecida como “Homenagem a Manet” (Paris, 1870), retrata Monet, Renoir e outros, no estúdio de Manet.

"Un coin de table" (1872)*

“Ao canto da mesa” (1872) retrata o grupo de poetas amantes da arte que fundou a revista “La Renaissance Littéraire et Artistique”. Da esquerda para a direita, sentados: Verlaine, Rimbaud, Valade, Hervilly, Pelletant. De pé, atrás, Bonnier, Blémont, Aicard.


"Autour du piano" (1885)*

Na fase final da sua carreira artística, dedicou-se também à litografia. Era um admirador de Richard Wagner, cuja obra musical promoveu em França e ilustrou com litografias imaginativas. Retratou, inclusive, outros admiradores da obra de Wagner, como no quadro “À Volta do Piano” (1885). Da esquerda para a direita, à volta do piano, Emmanuel Chabrier, Edmond Maître, Amédée Pigeon. De pé, Adolphe Julien, Arthur Boisseau, Camille Benoit, Antoine Lascoux e Vinvent d’Indy.

A exposição retrospectiva da obra de Fantin-Latour, comissariada por Vincent Pomarède (curador do Departamento de Pintura do Louvre, ex-Director do Museu de Belas Artes de Lyon), é composta por 60 pinturas e 20 desenhos e gravuras distribuídas por 10 núcleos. Decorre até 6 de Setembro, das 10:00 às 18:00 horas, na Galeria de Exposições da Sede da Fundação (45-A da Av. De Berna, Lisboa).

(1)-“A capital do século XIX”, segundo Walter Benjamin. A família Fantin-Latour mudou-se de Grenoble para Paris quando Henri Jean Théodore tinha seis anos de idade.
(2)-Vincente Pomarède, em entrevista ao Diário de Notícias, 26 de Junho 2009.
(3)-James Mac Neil Whistler (1834-1903) mudou o rumo da tradição realista anglo-saxónica com o quadro “Retrato da Mãe do Artista” (ou “Harmonia em cinzento e preto nº 1”, título original, de 1872), que se tornou mundialmente conhecido ao ser parodiado por Rowan Atkinson no filme de Mel Smith “Bean” (1997).
*Utilização de reprodução de obra de arte bidimensional em domínio público, segundo a lei em vigor na União Europeia.