sábado, 14 de dezembro de 2013

Nos 105 anos de Manoel de Oliveira

Manoel de Oliveira cruzou a meta dos 105 anos. Não escrevi propositadamente “o realizador” pois Manoel de Oliveira é muito mais do que isso: uma grande figura da Cultura europeia do século XX e XXI, uma referência para sucessivas gerações em Portugal e no estrangeiro, um exemplo de vitalidade e de resistência – física, moral e cultural. Sobretudo, um artista do cinema, que  impôs internacionalmente uma estética cinematográfica muito própria, resistindo a todas as malfeitorias críticas, antes e depois de 1974, e aos “consensos culturais” que visam controlar a  política de subsídios para as artes nacionais. 

Há poucos dias, ficou a saber-se que Manoel de Oliveira chegou a acordo com a Fundação de Serralves para a instalação da Casa do Cinema Manoel de Oliveira no Parque, utilizando as antigas garagens da Casa de Serralves, com projeto de Siza Vieira. A Casa terá uma exposição permanente sobre a figura e obra de M. O. constituindo (mais) uma excelente aposta da Fundação e uma mais valia cultural para a cidade do Porto. A assinatura deste protocolo provocou uma declaração da CMP sobre o destino a dar ao edifício construído há anos na Foz para acolher a Casa do Cinema Manoel de Oliveira. Como é sabido, as divergências entre M. O. e o  executivo liderado por Rui Rio inviabilizaram a oportuna ocupação do edifício projetado por Souto Moura. Segundo o novo responsável pela Cultura do Porto, Paulo Cunha e Silva, o aproveitamento desse espaço será incluído na estratégia municipal para o cinema.

Uma faceta pouco divulgada de Manoel de Oliveira, cuja longevidade terá muito a ver com o seu gosto pela prática desportiva, é a de corredor de automóveis. Com o seu irmão Casimiro de Oliveira, participou em grandes provas de automobilismo, tendo alcançado excelentes resultados. Ao volante do Edfor (um Ford Especial, obra do engenheiro nortenho Eduardo Ferreirinha) venceu em 1938 a Rampa do Gradil e o terceiro prémio do Circuito da Gávea, no Rio de Janeiro (1). Nesse ano, realizou o documentário “Já se fabricam automóveis em Portugal”, destacando o esforço pioneiro dos irmãos Ferreirinha. Em Portugal, construíram-se carros de  marcas lusas como Edfor, Alba,  Marlei, FAP, Olda. O projeto de um Fórmula 1 (Bravo Marinho) não passou do papel em 1976.

Capa do livro de José Barros Rodrigues, vendo-se Manoel de Oliveira, então com 30 anos, junto do Edfor, desportivo de produção nacional e motor Ford V8. 


(1)-VI Grande Prémio da Cidade de Rio de Janeiro, 12 de junho  de 1938. O antigo circuito da Gávea, com 11 km de extensão, era muito rápido e perigoso, conhecido como “Trampolim do Diabo”. Algumas secções do circuito, ainda hoje sem bermas, assemelham-se à Circunvalação do Porto e à estrada marginal do Douro. As condições do piso, empedrado e cruzado pelos carris dos elétricos, também eram comuns no Porto. Manoel terminou a prova em 3º. Casimiro, em Bugatti 51, foi 5º.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

NADIR AFONSO (Chaves, dezembro de 1920-dezembro de 2013)


Formou-se em Arquitetura mas sempre quis ser Pintor. O Pintor, talvez para se vingar, ajudou pouco o arquiteto mas o inverso serviu-lhe para explorar as ligações entre a pintura e a geometria – tal como Almada já tinha feito em Portugal na década de 1960 e é bem típico dos arquitetos portugueses que se dedicaram – e dedicam – à pintura.
Trabalhou com Óscar Niemeyer e Le Corbusier. Gabava-se de ter furtado uma peúga de Picasso do estendal da sua casa em Paris. Era uma pessoa interessantíssima e um artista extraordinário.

Para além da sua herança artística, sem fronteiras, deixa uma importante marca cultural no interior do país, cada vez mais ostracizado e esquecido – apesar de uma boa parte dos políticos influentes serem naturais deste mesmo interior. Sentiremos (todos?) a falta de Nadir Afonso.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A curiosa arte funerária do Gana


Desde a década de1940,os carpinteiros de Acra, capital do Gana, dedicam-se à confeção de caixões  artísticos personalizados. Essa arte funerária tornou-se a principal característica distintiva da arte popular na região do povo Ga e chegou  recentemente a todo o mundo através de um anúncio da Coca-Cola e da Internet. Agora é possível encomendar à distância um caixão personalizado, em forma de garrafa de Coca-Cola ou de automóveis de todas as marcas e modelos, aviões, telemóveis e objetos diversos, animais, frutos ou legumes.

A arte funerária teve expressão relevante ao longo da história da Humanidade, atingindo alto nível de sofisticação em determinadas civilizações, épocas e momentos históricos. Basta lembrar a arte funerária no antigo Egipto, a escultura tumular gótica, os aparatos funerários do Barroco ou a estatuária fúnebre do Romantismo e Simbolismo no século XIX.
No contexto da arte funerária, que inclui os mais diversos objetos e representações, destaca-se a arte tumular – ligada a rituais de sagração e conservação do corpo, condição fundamental no antigo Egipto (Livro dos Mortos) como no Cristianismo (ressuscitação de Lázaro – Evangelho segundo São João, ressurreição dos mortos - Apocalipse), mas támbém ligada a sistemas culturais de ostentação de poder e riqueza. As culturas nómadas ou que praticaram  a cremação, por razões práticas ou por motivos religiosos, quase não têm arte funerária.
No início do século XX, a nobreza nativa do Gana ainda viajava comodamente instalada em palanquins com formas e cores distintivas, inspiradas em formas naturais  ou na mitologia local. Em meados da década de 1940, um carpinteiro do Acra, Ataa Oko, decidiu homenagear a esposa falecida construindo-lhe um caixão inspirado nesses palanquins, a que acrescentou uma tampa.
A ideia foi bem acolhida na comunidade e seguida por outros carpinteiros de Acra, que a desenvolveram desde os primitivos caixões de tábuas toscas às estruturas atuais, mais elaboradas e incorporando materiais modernos. O objetivo desta curiosa arte tumular é que o caixão se identifique com o seu ocupante e, para tal, nada melhor que cada qual encomende a forma  do seu caixão – como acontecia nos antigos sarcófagos e nos túmulos medievais. Tal como outrora, os caixões do Gana veiculam o imaginário moderno do gosto popular, de formas naïves ou sofisticadas, de grande eficácia comunicativa e surpreendente realismo de formas e cores. Da simples galinha aos automóveis de luxo , passando pelos mais diversos objetos comuns, os carpinteiros de Acra praticamente não conhecem o impossível e há inclusive empresas que gerem as encomendas através das redes sociais e garantem a entrega da obra praticamente em todo o mundo – a tempo do funeral ou para figurar em coleções de arte.

 Apresentada pela primeira vez na Europa em  1989, no Museu Nacional de Arte Moderna em Paris, a curiosa arte  funerária do Gana merece crescente atenção das galerias e museus de arte internacionais, dando a conhecer a obra de artistas como Ataa Oko, Kane Kwei, Paa Joe, Kudjoe Affutu, Ata Owoo, Eric Kpakpo, Eric Adjetey. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Bienal internacional do design em Lisboa – EXD’13


Entre 7 de novembro e 22 de dezembro, Lisboa vai receber a EXD’13, a bienal internacional dedicada ao design, arquitectura e criatividade. O tema da bienal, “No Borders”, estabelece uma ponte com o Brasil, reforçada com o anúncio de uma bienal em São Paulo, a EXD’14, agendada para agosto de 2014.

O vínculo com a cidade de Lisboa é uma característica importante da bienal, centrada em duas zonas, Belém e Chiado. Belém “simboliza a relação de Portugal com o mundo”. O Chiado acolhe a experimentadesign há 15 anos e “afirma-se cada vez mais como uma das áreas mais ligadas à cultura e ao design”. Além disso, a exposição “Metamorphosis” e as intervenções urbanas “Pelo Tejo vai-se para o mundo…” visam o desenvolvimento de projetos para a indústria ou na cidade.

“Privilegiando ideias e indivíduos, o programa da Bienal tem por objectivo transmitir conteúdo e incentivo tanto a uma audiência especializada como ao público em geral”, a bienal desenrola-se em diversos espaços: Convento da Trindade (Lounging Space e a exposição “Identity - Identidade e Estratégia”); Auditório do novo Museu dos Coches (debates e conferências em parceria com o London Design Festival (LDF); Auditório do MUDE (debates); Praça do Império (intervenção urbana em colaboração com a CML); Palácio dos Condes da Calheta (exposição “(Un)Mapping the World” – em parceria com o Instituto de Investigação Científica Tropical).

Este não é claramente o mundo da Arte – II

Christopher Wool, “Blue Fool” - 5 milhões de dólares

A obra de Arte original, única, insubstituível, não tem preço. Seja antiga ou moderna, académica ou vanguardista, realista ou abstracta. Infelizmente, aceita-se (quando não se incentiva) que a sua importância artística e cultural, muitas vezes relativa e subjetiva, seja associada a um valor, um preço, sensível às leis do mercado, que visam quase sempre a especulação e o negócio lucrativo.

Para moldar valores e fixar preços que chegam a ser incompreensíveis, os agentes económicos estabelecem critérios de valorização e apreciação/avaliação, aceites por pequenos grupos de investidores multimilionários que disputam a posse dessas obras, quase sempre avançando elevadas quantias, autênticas fortunas. Os valores mobilizados pelos negócios da arte, que nada têm a ver com o âmbito puramente artístico, atingem quantias que estarrecem o cidadão comum e alimentam o universo das galerias e das leiloeiras.

Os valores não param de subir a cada troca de proprietário. Na verdade, quanto mais se anuncia o novo valor de uma obra, mais o mercado é tentado a estabelecer novos recordes. No entanto, não devemos encarar  todos estes negócios milionários pelo mesmo ângulo nem medi-los pela mesma bitola. Como em tudo na vida, há exceções. No mesmo patamar, coexistem realidades bem diferentes. 

Devemos no entanto intrigar-nos e refletir acerca dos valores atingidos por determinadas obras (1). Essa reflexão torna-se muito útil pois destaca a natureza e função da obra artística na sociedade actual. Que pedimos nós à arte no nosso tempo? Que arte é a do nosso tempo? Não será esta sobrevalorização do objecto artístico um sinal de revivalismo, uma tentativa de regresso desesperado à(s) virtude(s) perdida(s), numa época em que a arte concetual contesta o sentido tradicional de obra de arte e as vanguardas artísticas procuram afirmar-se como reserva moral e ética em plena crise de valores – afinal a autêntica raiz da crise financeira em que o ocidente mergulhou e o mais claro sinal de irreversível declínio.

(1)-Veja-se, por exemplo, a peça de Yasmina Reza, "Arte", protagonizada em Portugal por António Feio, José Pedro Gomes e Miguel Guilherme.

Gerhard Richter, “Blood red mirror” - 1,1 milhões de dólares

Ellsworth Kelly, “Green White” - 1,6 milhões de dólares

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Joana Ricou

Joana Ricou, “Nº14”, painel de madeira, 2012

Joana Ricou é uma artista portuguesa que vive e trabalha em Nova Iorque. O maior reconhecimento das pós-graduações, a maior e melhor oferta de oportunidades de desenvolvimento de projetos artísticos, o chamamento cultural das grandes metrópoles, experiências profissionais e emprego mais compensadores, afastam cada vez mais os jovens artistas nacionais do nosso país.

Nas suas obras com preocupações realistas, Joana Ricou explora a multiplicidade do ser, as tensões transformativas e seus reflexos na consciência da individualidade e identidade. A memória e as recordações de momentos passados são trabalhadas através de sequências de imagens inspiradas nos registos fotográficos de Edward Muybridge. As sequências fotográficas de Muybridge juntavam memórias de diversos momentos para criar a ilusão do movimento – o princípio do cinema.

No início de 2013, Joana Ricou mostrou o seu trabalho no Edge Arts em Lisboa, numa exposição que foi buscar o título a uma novela de Luigi Pirandello (“uno, nessuno e centomila”, 1926) – “um, nenhum e cem mil". 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Museu do Prado em Lisboa

Hendrick Jacobsz Dubbels, “O Porto de Amsterdão no Inverno”, 1656-60, óleo s/tela. Museo Nacional del Prado

Foi anunciada para final de novembro a inauguração no Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, da exposição “A Paisagem do Norte no Museu do Prado”, que reúne 36 pinturas de importantes artistas das escolas do norte pertencentes ao museu espanhol, com destaque para Rubens, Brueghel e Lorrain.

Os italianos chamavam “nórdicos” aos pintores dos países baixos e os pintores paisagistas nórdicos introduziram um novo género artístico, a paisagem, quando se afastaram dos temas heroicos tradicionais da pintura europeia para se dedicarem a temas do quotidiano.

Entre os artistas representados, encontram-se Tobias Verhaecht, mestre de Rubens, Jan Brueghel o Velho, Hendrick van Balen, Joos de Momper o Novo, David Teniers, Hendrick Jacobsz Dubbels, Adam Willaerts e Peeter Snayers.

Organizada pelo Museu do Prado com o apoio da Obra Social “la Caixa” e da Consejería de Cultura y Deporte de la Junta de Andalucía, a exposição passou por Valência, Saragoça e Sevilha e virá a Lisboa ao abrigo de um acordo recentemente estabelecido entre o Museu Nacional de Arte Antiga e o Museu do Prado. O acordo celebrado com a presença do secretário de estado da cultura do governo português possibilita o intercâmbio de obras e de exposições de ambos os museus. O acordo prevê o empréstimo do tríptico de Hieronymus Bosch, “Tentações de Santo Antão”, pertencente ao MNAA, para a grande exposição com que o Museu do Prado pretende assinalar os 500 anos da morte do pintor holandês, em 2016. Em troca, o MNAA receberá o famoso autorretrato de Albrecht Dürer, pintado em 1498.

Hieronymus Bosch “Tentações de Santo Antão “, 1495 e 1500, tríptico, óleo sobre madeira de carvalho. Museu Nacional de Arte Antiga. Wikimedia Commons.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Obras de Manuel Seita na A2

“Onde o tempo passa”, 2006, esculturas em bronze

O ceramista e escultor Manuel Seita nasceu a 10 de Junho de 1970 em Vila Verde de Ficalho. Licenciou-se em Escultura na ESAD – Caldas da Rainha em 2005. Dedica-se também à pintura e performance.

“Onde o tempo passa 1 e 2”, 2006, oito esculturas em bronze, área de serviço de Almodôvar da A2 - CEPSA Portuguesa S.A.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

CAM assinala trigésimo aniversário com uma grande exposição comemorativa

Arranca hoje, com Alberto Pimenta, o Ciclo de Performance


Assinalando o 30º aniversário do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste  Gulbenkian, em Lisboa, decorre até janeiro de 2013 um conjunto de iniciativas marcantes, entre as quais se destacam a exposição comemorativa, intitulada "Sob o Signo de Amadeo. Um Século  de Arte", e o Ciclo de Performance.

Centrada na exposição de 170 obras de Amadeo de Souza-Cardoso, quase todas as obras do pintor amarantino existentes no CAM, a exposição comemorativa percorre um século de arte, desde 1910 até ao presente, e pode ser visitada até 19 de Janeiro de 2014. Trata-se de uma grande exposição, com curadoria de Isabel Carlos, Ana Vasconcelos, Leonor Nazaré, Patrícia Rosas e Rita Fabiana, mobilizando um conjunto significativo de obras (350) da vasta coleção do Centro de Arte Moderna (cerca de 10 mil obras). Sob o signo de Amadeo, a exposição apresenta obras representativas do modernismo português e da arte internacional do século XX, em diálogo (átrio - obras de  arte pop britânicas), com interesse retrospetivo (Galeria 1 – obras-primas da arte moderna e contemporânea) abrangendo a pintura, desenho, escultura, fotografia e vídeo (Sala Polivalente – colecção de filme e de vídeo). A ideia do palco e da teatralidade é o fio condutor do conjunto diversificado de obras patentes na Sala de Exposições Temporárias. A exposição comemorativa abrange praticamente todos os espaços do CAM, inclusive os quartos de banho.

Em outubro e novembro, tem lugar o Ciclo de Performance, com a apresentação semanal (quintas-feiras, às 13h00 e às 17h00) de uma obra/artista. Alberto Pimenta, um dos percursores da performance em Portugal, será o primeiro (hoje, 17 de outubro), seguindo-se Pedro Tudela (24 de outubro) e Ramiro Guerreiro (31 de outubro). Em novembro, será a vez de Joana Bastos (dia 7), Musa paradisíaca (14), Martinha Maia (24) e Isabel Carvalho (28). As performances terão uma ligação ao espaço, coleção e história do museu.

Alberto Pimenta inaugura o Ciclo de Performances. Em 1977, Alberto Pimenta realizou no Zoo de Lisboa o happening “Homo Sapiens”. Fechou-se numa jaula com uma tabuleta onde se lia “Homo Sapiens”.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Liberdade às Imagens e Palavras – pintura de Luiz Morgadinho na Casa da Cultura de Seia

Luiz Morgadinho, “Reformados de Portugal”, 2011, acrílico s/tela. ©LM

Decorre até final de outubro, nas galerias da Casa da Cultura, a primeira exposição individual de Luiz Morgadinho em Seia. Intitulada “Liberdade às Imagens e Palavras”, a exposição reune 41 obras realizadas nos últimos anos, entre as quais duas séries de 7 pequenos quadros,“Tudo vê” e “Aldeia”, de 2013. Para além de uma linguagem plástica própria, deliberadamente fixada na área do “naïf”, o traço comum destas obras é o seu poder narrativo visual, irreverente e trocista, aliando uma estrutura comunicativa muito próxima do "cartoon" ao delírio imagético e culto do bizarro - hoje entendido como “surrealismo”.

Fundado há cerca de 90 anos em França por André Breton, o Surrealismo apresentava-se então como “Automatismo psíquico puro, pelo qual se pretende exprimir, quer verbalmente, quer pela escrita, ou por qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento (…) na  ausência do controle  exercido pela razão, sem qualquer preocupação  estética ou moral”. As novas propostas de apreensão da realidade (1), a irreverência e liberdade criativa defendidas pelo movimento, em parte herdadas da revolução dadaísta, agrada sobretudo aos jovens artistas, o que ajudou à difusão internacional do movimento. No entanto, as obras estranhas dos surrealistas e a personalidade complexa dos principais ideólogos e artistas do movimento, transformaram o termo “surrealismo” em sinónimo de estranho, bizarro, absurdo. Em muitos países, os ideais ortodoxos do Surrealismo adaptaram-se às realidades locais e Portugal não foi exceção. Alguns artistas sobreviventes do Grupo  Surrealista de Lisboa, de Os Surrealistas e dos grupos do Café Gelo e do Café Royal, mantiveram aceso o culto do surrealismo original mas o surrealismo tem recebido, na última  década, um forte impulso renovador de artistas naturais e residentes na região centro. Com boas  relações com outros grupos surrealistas, sobretudo americanos e europeus, alguns destes artistas agruparam-se e viajam atualmente nas carruagens da frente do surrealismo internacional, expondo em diversos países da Europa e Américas ao lado dos seus congéneres locais.

Luiz Morgadinho é um desses artistas, um pintor de inspiração surrealista, ou, como ele próprio prefere dizer, um "operário plástico do naife e do bizarro". Em 2012, participou na exposição coletiva internacional “Surrealism in 2012”, realizada em Reading, EUA, com trabalhos individuais e obras coletivas executadas em parceria com elementos da Secção  surrealista do Mondego. Em 2013, participou na exposição coletiva itinerante “Somos todos criados pelo amor”, que levou obras surrealistas a  várias cidades da República Checa.

Natural de Coimbra (1964), Morgadinho reside em Santa Comba de Seia e dirige a Associação de Arte e Imagem de Seia. Em 2009, foi homenageado na ARTIS VIII - Festa das Artes e Ideias de Seia e recebeu em 2010 o Prémio Município de Oliveira do Hospital no âmbito do AGIRARTE 13, pela obra "No País dos Lambe Botas”. Este  título ilustra adequadamente o posicionamento crítico do artista relativamente ao seu tempo, como salienta Miguel de Carvalho: “Morgadinho é um desses arcanjos, um poeta da imagem que se aproxima subtilmente da crítica social e política, questionando a pertinência e a capacidade simbólica da vida tradicional, desfigurando profundamente os seus clichés e as suas convenções” (2).

Depois da exposição individual de pintura em Oliveira do Hospital, “Ontogénese do Quotidiano” e da exposição individual itinerante “Ad Instar… à semelhança de…”, que esteve patente em Trancoso e na Guarda, Luiz Morgadinho realiza finalmente uma grande exposição individual em Seia.


Notas:
(1)-Mais do que um movimento artístico, o surrealismo é uma maneira de ver, sentir e pensar o mundo. A experiência surrealista privilegia a imaginação, tentando por diversos meios superar a contradição entre objetividade e subjetividade, conciliar sonho e realidade numa sobre-realidade, a “surrealidade” (“surrealité”). Ou, nas palavras de Mário Cesariny, evocando o Primeiro Manifesto: "E para a idéia da Totalidade duma Vida Única nós acreditamos na conjugação futura desses dois estados, na aparência tão contraditórios, que são o Sonho e a Realidade. Acreditamos numa Realidade Absoluta, numa SURREALIDADE, se é lícito dizer-se assim." (“A Afixação Proibida”, Mario Cesariny de Vasconcelos)
(2)-Miguel de Carvalho, texto de apresentação da exposição.

Luiz Morgadinho, “Tudo vê – I”, 2013, acrílico s/cartão telado. ©LM

Luiz Morgadinho, “Civilização”, 2012, acrílico s/tela. ©LM

Luiz Morgadinho, “Olhando o futuro”, 2012, acrílico s/tela. ©LM

domingo, 29 de setembro de 2013

Este não é claramente o mundo da Arte

Pablo Picasso "Desnudo, hojas verdes y busto", 1932

Foi recentemente divulgada a descoberta no Uruguai de uma obra de Ticiano (c. 1473/1490 — 1576), o principal pintor veneziano do Renascimento. Este tipo de descobertas (verdadeiros "achamentos") não são cada vez mais raras e dão que pensar. Outro quadro de Ticiano foi encontrado em finais de 2012 na National Gallery, em Londres. As notícias sublinham o valor certamente exorbitante destas pinturas, sabendo-se que duas outras obras de Ticiano, realizadas décadas depois, foram vendidas em 2012 por 54 milhões de euros (“Diana e Calisto”) e 50 milhões de euros (“Diana e Actaeon”).

O valor exorbitante que certas obras artísticas atingem nos mercados nada tem a ver com Arte, apesar de chamarem a atenção – e ao conhecimento geral – determinadas obras de artistas universais. Terá mais a ver com os negócios especulativos com objetos únicos produzidos ou usados pelas personagens míticas vulgarmente conhecidos por “famosos”, na linha das cuecas sujas de Elvis Presley (2012, não licitada) e do vestido branco que Marilyn Monroe usou no filme “O Pecado Mora ao Lado” (vendido em 2011, na Califórnia, por 4,6 milhões de dólares).

Autores como Christopher Mason (1), consideram o negócio dos leilões como um dos mais nublosos e obscuros capítulos da Economia da Arte (outro, será o negócio das falsificações), tendo sido tema de vários estudos e inúmeros debates, motivando o surgimento de atitudes e movimentos artísticos que promovem a produção desinteressada de obras de arte, a arte pela arte, e a troca de bens artísticos.

Atualmente, qualquer rabisco ocasional de Pablo Picasso, por exemplo, vale milhões. Nem admira que muitos artistas contemporâneos conhecidos comercializem a própria assinatura, a autoria de algo independentemente das qualidades da obra produzida. O quadro de Picasso "Desnudo, hojas verdes y busto"  (Nu, folhas verdes e busto), de 1932, detém o recorde mundial na pintura, ao ser vendido em 2010 por 81 milhões de euros (106,4 milhões de dólares). A obra de Egon Schiele “Selbstdarstellung mit Wally” (Autoretrato com Wally), guache de 1914, foi vendido em 2013 por 9 milhões de euros, detendo o recorde para uma obra em papel.

(1)-Christopher Mason, “The art of the steal: inside the Sotheby’s-Christie’s Auction House scandal” (A arte de roubar: por dentro do escândalo das casas de leilão Sotheby’s e Christie’s).

Egon Schiele “Autoretrato com Wally", 1914, guache e lápis s/papel

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Entre as Margens* – As pontes são miragens

Vista parcial da exposição

*“Entre as Margens - Representações da Engenharia na Arte Portuguesa”,
Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto
22 de junho a 25 de agosto – prolongada até 22 de setembro de 2013

O 50º aniversário da Ponte da Arrábida foi o pretexto para uma retrospetiva da representação de pontes na arte portuguesa, apresentando grandes nomes da pintura do século XIX e XX. Uma exposição coorganizada pela Faculdade de Engenharia da UP, Faculdade de Belas Artes da UP e Museu Nacional de Soares dos Reis, reunindo obras de 64 dos principais artistas portugueses dos séculos XIX,XX e XXI,  selecionadas por Manuel Matos Fernandes e Bernardo Pinto de Almeida.

As margens começam por ser as do rio Douro, do lado do Porto e de Gaia. E nesse aspeto, sublinhe-se bem sublinhado, a exposição revela um grande trabalho prospetivo, de artistas portuenses que de algum modo representaram nas suas obras as pontes do rio Douro, a começar por Silva Porto – e na pintura, pois também na gravura haveria muito a evocar, para os entendidos, e muito para mostrar/revelar ao público em geral. E ainda outras margens – de outros rios que impressionam e inspiram. Rios e pontes que despertam memórias individuais e coletivas, com história. Património. Cultura.

O subtítulo da exposição, “Representações da Engenharia na Arte Portuguesa”, deixa contudo a exposição aquém das expetativas. Na verdade, as engenharias das pontes na arte portuguesa são presenças ocasionais, sombras omnipresentes, referências espaciais cenográficas. Poucos artistas se dedicaram ao tema, reduzindo frequentemente as pontes a silhuetas - das estruturas em ferro que se elevavam graciosamente no ar transmitindo simultaneamente uma sensação de leveza e de segurança, fenómenos funcionais, ou da robustez aventureira do betão, vencendo finalmente vãos até então invencíveis. Mais do que “uma passagem/miragem”, como os Jafumega referiam nos anos 80.

Qual será a resposta lisboeta nos 50 anos da Ponte 25 de Abril (6 de agosto de 1966) ou nos 20 anos da Ponte Vasco da Gama (29 de março de 1998)?

Amadeo de Souza-Cardoso, sem título (Ponte),1914,óleo s/tela – Museu Coleção Berardo

Vieira da Silva, “Le Pont”, 1954/60, óleo s/tela

Júlio Pomar, “Cais da Ribeira”, 1958, óleo s/tela

Manuel Gantes, “Gulliver”, 2006-2007, óleo s/tela

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O Território do Desenho de Ventura Porfírio

Ventura Porfírio - foto do catálogo/divulgação da exposição

Entre 7 de junho e 22 de Setembro, o Museu Soares dos Reis apresentou uma pequena mostra de desenhos de Ventura Porfírio, realizados entre 1958 e 1967 com meios riscadores ainda muito pouco utilizados por artistas, nessa época – como as canetas de feltro.

Ventura Porfírio nasceu a 26 de Agosto de 1908 em Castelo de Vide em 1908. Faleceu em 1998 em Portalegre. A sua formação passou pela Escola Superior de Belas Artes do Porto e pelo atelier de Vasquez Dias em Madrid, entregando-se depois a diversas atividades e desempenhando vários cargos. Era conservador do Palácio Nacional de Queluz à data da aposentação, por motivo de doença. Regressou a Castelo de Vide em 1973, envolvendo-se ativamente  nas dinâmicas locais. Projetou e orientou as obras de decoração do do Salão Nobre dos Paços do Concelho de Castelo de Vide, da Fonte da Senhora da Penha e do túmulo do capitão Salgueiro Maia, em Castelo de Vide.

Desenho, caneta de feltro s/papel, 1965


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Bombarda novamente em (grande) festa

“Suite Alentejana” de Rui Sanches na Galeria Fernando Santos

No dia 21 de setembro, o quarteirão da rua de Miguel Bombarda voltou a animar-se para nova inauguração simultânea. As ruas, galerias e lojas, encheram-se de gente, para ver arte, conversar com os artistas, rever amigos ou simplesmente para aderir à festa. A festa na Miguel Bombarda prolongava-se por uma grande feira  de vinhos, antiguidades e artigos de colecionismo que se estendia pela rua de Cedofeita.

As exposições prolongam-se até final de outubro, momento para nova “Bombarda” (2 de novembro, sábado – a partir das 16:00 horas).

“Linhagens descomprometidas”, pintura de Benvindo de Carvalho na Galeria S. Mamede - até 31 Out 2013

 
“Lugar-Comum”, instalação de Manuela Bronze na Serpente – até  26 Out 2013

“Somewhere…” de Otília Santos na Galeria Por Amor à Arte – até  28 Out 2013

“Persona”, pintura de Alexandre Cabrita na Galeria Ap’Arte – até  26 Out 2013

“Sofrer em Ti”, pintura de Ricardo de Campos no Espaço Q – até  26 Out 2013

“Suite Alentejana” de Rui Sanches na Galeria Fernando Santos – até  26 Out 2013

“Rupturas” – exposição coletiva na Galeria Solar de Santo António (rua do Rosário) em parceria com a empresa Terra de Amoras. Obras de Cristina Troufa, João Figueiredo, José Rosinhas, Maria Leal da Costa, Paulo Moura, Rui Sousa e Teresa Gil. Na foto, obras de Cristina Troufa.

o
Os cartazes da “Bombarda” 2013 são da autoria de Pedro Guerreiro. No final do ano haverá novo concurso para os cartazes de 2014.

Fotos: Sérgio Reis

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

António Ramos Rosa (1924-2013)


António Ramos Rosa partiu hoje (23 de setembro). Serão sempre nebulosas e oblíquas as tentativas poéticas de libertação do real mas Ramos Rosa deixa-nos preciosas reflexões claras sobre a importância da poesia, “liberdade livre”, e poemas inesquecíveis como “Estou vivo e escrevo Sol” (1960) ou “Não posso adiar o coração” (1975). 

eis que o silêncio
assume
a forma do silêncio

eis que a palavra encontra
o seu lugar no muro

oiço o diálogo da terra
com a terra

vejo um frágil arbusto
com o seu nome aceso
no silêncio da terra

António Ramos Rosa, Pulsações da Terra (1979)

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Artes Vivas referenciado em site brasileiro de pesquisa


Artes Vivas é um dos 3 melhores sites entre 52 listados pelo site brasileiro de pesquisas de sites por temas relacionados, YourWebSite, no tema “As 4 Estações”.

Desenhos de Ivo MotaVeiga na Casa da Cultura de Seia *

 
Vista parcial da exposição. Foto IMV.

O artista senense Ivo Mota Veiga mostra até 29 de setembro, no foyer do Cineteatro da Casa da Cultura, uma curiosa exposição subordinada ao tema do automóvel, com dois grupos de obras: desenho automóvel ( que dá o título à exposição), composto por desenhos de automóveis de diversos tipos, e os “carros reciclados”, interessante conjunto de brinquedos construídos com embalagens de vários produtos de uso corrente.

Sem formação específica na área do desenho de projeto automóvel, Ivo Mota Veiga mobilizou as suas reconhecidas competências na área do desenho, conhecimentos do projeto industrial, instinto de estilista e preocupações ecológicas, para oferecer aos frequentadores do cineteatro e visitantes da Casa da Cultura um interessante conjunto de desenhos de automóveis familiares, utilitários e desportivos, assim como alguns trabalhos de reaproveitamento de materiais. Os carros reciclados aliam o sentido e gosto estético do artista à exigência e qualidade do projeto do designer.

Ivo Mota Veiga nasceu em Luanda em 1975 e reside em Seia. Como habilitações académicas e profissionais possui o Curso de Técnico de Design  Industrial da Escola Profissional da Serra da Estrela. Participou em  diversas exposições colectivas: Exposição Internacional de Arte Postal (Amadora, 1995); Exposição Internacional de Arte Postal, República Checa (1996); 1ª Exposição Internacional de Arte Postal do Cine’Eco (Seia, 1999); Exposição Nacional de Desenho Prémio Tavares Correia (Seia, 1996); I e II Exposição de Artistas Senenses (1998, 1999); Exposição Arte Jovem, S. Romão (2000); Góis Arte’99 (Góis, 1999); Exposição colectiva de Pintura  “Jovens Artistas” (Seia, 1998) e ARTIS (Seia, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2013). Expôe individualmente desde 1999: Pintura no “Cheer’s Bar” (Seia, 1999); Pintura no Espaço Internet da Casa Municipal da Cultura de Seia (2005); Pintura no Museu Municipal Dr. Simões Saraiva (Bobadela, Oliveira do Hospital, 2006); “Simbologias” – pintura no “Foyer” do Cine-Teatro da Casa Municipal da Cultura (Seia, 2007);  Pintura na Casa Municipal da Cultura da Meda (2010).

A sua criatividade e qualidade dos trabalhos foram apreciadas e distinguidas em algumas situações, destacando-se o 1º prémio no concurso de Banda Desenhada da E.P.S.E. e o 3º prémio no concurso de Brasões para a Freguesia de Seia, em 1995.

Em suma, a exposição merece uma  visita, no mínimo, podendo os interessados recolher informação adicional na página de Ivo  Mota Veiga no facebook.

Como curiosidade, reproduz-se abaixo alguns trabalhos realizados pelo Ivo como aluno da EPSE, na década de 1990: um desenho com o qual participou na Exposição Nacional de Desenho Prémio Tavares Correia (EPSE e Biblioteca Municipal de Seia, Casa da Cultura Dr. César de Oliveira – Oliveira do Hospital, Espaço João Abel Manta – Gouveia), um cartoon publicado no jornal Porta da Estrela e o trabalho que serviu de base ao cartaz da Semana Cultural da EPSE em 1995.

“Capela de S. Pedro e Misericórdia de Seia”, desenho a tinta da China, 1996

Cartoon, 1995

Pintura com lápis de cera, maio de 1995

BD, 1995

*Publicado no Jornal Porta  da Estrela, nº 973, 13/09/2013

domingo, 8 de setembro de 2013

Fotografia de Miss Aniela

Miss Aniela, “A Filha do Pescador”, fotografia

Encontra-se em nítida expansão a área da fotografia que privilegia a efabulação, um novo olhar sobre o mundo combatendo ideias preconcebidas, utilizando frequentemente narrativas visuais fantásticas recorrendo a técnicas surrealistas, perspetivas distorcidas e manipulação da cor. À tradicional preocupação dos fotógrafos com a realidade social, que procuram captar criticamente, fotógrafos como Miss Aniela juntam a recriação de ambientes e personagens em composições visuais  carregadas de simbologias e evocações culturais, cujo interesse excede largamente a simples verificação de uma ocorrência real.

Miss Aniela nasceu em 1986. Formada pela Universidade de Sussex, iniciou a sua carreira artística ainda na universidade e expõe atualmente na Europa e nos EUA (Los Angeles, S Diego). As suas obras têm sido reproduzidas e mostradas nos media internacionais, como a Vogue, BBC ou a American Photo, e é autora dos livros “Self-Portrait Photography” e “Creative Portrait Photography”.


Peças Mais ou Menos Recentes de Patrícia Garrido no Porto

Algumas obras de Patrícia Garrido expostas no Museu Soares dos Reis. Foto: Sérgio Reis.

Depois de mostrar em Lisboa as “Peças Mais ou Menos Recentes” de Patrícia Garrido (n. 1963, Lisboa), a Fundação EDP mostra-as no Porto até 6 de Outubro, distribuídas pela Galeria de Fundação EDP (junto à Casa da Música), Museu Nacional Soares dos Reis e Galeria Fernando Santos (Rua Miguel Bombarda).

Trata-se da mostra mais completa da artista até à data e uma excelente oportunidade para redescobrir a sua obra. Patrícia Garrido venceu o Prémio União Latina em 1998 e mostrou algumas das suas obras no Porto em 1998 (Fundação de Serralves, Teatro de S. João) e 2002 (Galeria Presença).

Os exercícios de aglomeração, repetição ou subtração que caraterizam a obra de Patrícia Garrido, para além do recurso a materiais do quotidiano, tentam “definir ou apenas fixar o território da nossa efémera existência” recorrendo a materiais banais do quotidiano “que se tornaram invisíveis ao nosso olhar, habitando apenas na mecânica inconsciente das nossas rotinas” (1).

Uma das peças expostas no Museu Soares dos Reis, interagindo com os espaços e peças do museu. Foto: Sérgio Reis.


(1)-Filipa Oliveira, desdobrável da exposição.

sábado, 17 de agosto de 2013

Monumento aos Pescadores de Matosinhos inspirado numa pintura de Augusto Gomes

José João Brito, Grupo escultórico de Homenagem aos Pescadores de Matosinhos, 2005, bronze. Foto: Sérgio Reis

À entrada da praia do Titã, no vasto areal de Matosinhos, cinco grandes figuras de bronze com cerca de três metros de altura evocam a tragédia de 2 de dezembro de 1947, os pescadores que não regressaram da faina e todos os sobreviventes que continuaram diariamente a ir ao mar, enfrentando com destemor as suas fúrias e a saudade dos familiares e amigos então desaparecidos.

O monumento é da autoria do escultor José João Brito (n. Coimbra, 1941), que se baseou numa pintura de Augusto Gomes (n. Matosinhos, 1910-1976). Pela expressão e pose das figuras de José João Brito perpassa o mesmo arrepio de aflição, dor e perda que o pintor matosinhense fixou na tela. Um trabalho largamente conseguido pois a tensão dramática da cena mantém-se vista de qualquer perspetiva – e mesmo do seu interior. Acessível no próprio areal, o monumento permite a circulação entre as figuras, representando as mães, esposas e órfãos dos pescadores levados pelo mar.

José João Brito é formado em escultura pela ESBAP (atual FBAUP). Em 1967, foi-lhe atribuído o Prémio de Escultura “Teixeira Lopes”. Dedicou-se também à cerâmica, pintura, desenho, gravura e medalhística – tendo sido distinguido em 1995 com o prémio da melhor medalha sobre o tema “Descobrimentos Portugueses”, instituído pela Imprensa Nacional Casa da Moeda. As suas obras podem ser vistas na estação do metropolitano de Martim Moniz em Lisboa ou na Murtosa, onde seu pai exerceu medicina.

O naufrágio coletivo de 1947 foi o maior desastre marítimo ocorrido na costa portuguesa. Na madrugada de 2 de dezembro, uma súbita alteração das condições do mar apanhou os pescadores desprevenidos em plena faina. A maior parte deles conseguiu chegar a terra mas quatro traineiras naufragaram. Morreram 152 pescadores, que deixaram 71 viúvas e mais de 100 órfãos. Muitos matosinhenses descendem desses pescadores tragicamente desaparecidos.

O monumento foi inaugurado em 4 de junho de 2005, pelo então presidente da Câmara, Narciso Miranda, com a presença de um sobrevivente do naufrágio e da viúva de um dos pescadores que pereceram no desastre. À data do naufrágio, a economia de Matosinhos baseava-se na pesca, para abastecimento das localidades que fazem hoje parte do Grande Porto e para a indústria conserveira local. 

Augusto Gomes, “Tragédia do Mar”, óleo s/ tela, 124X164cm 

"Tragédia do Mar" / Homenagem aos Pescadores de Matosinhos (pormenores)



José João Brito, Homenagem aos Pescadores de Matosinhos, 2005, bronze. Fotos: Sérgio Reis