quarta-feira, 30 de março de 2011

ÂNGELO DE SOUSA (1938-2011)



Ângelo de Sousa desenvolveu uma obra marcada pelo experimentalismo em áreas tão diversas como o desenho, a pintura, a escultura, a fotografia, o cinema e o video, cuja correspondência estabelecia com naturalidade a nível teórico e concretizava nas suas obras mais “encenadas”, estruturadas no espaço com uma dinâmica por assim dizer cinematográfica, do objecto em metamorfose de fotograma em fotograma, fundindo forma e cor mesmo quando a forma parece dobrar-se sobre si própria, introvertida, ou desdobrar-se – abrir-se no espaço como asas de pássaro ou de estranhas máquinas voadoras. Um experimentalismo balizado pelas novas concepções estéticas, continuamente em busca de novos materiais e novas técnicas.

Ângelo César Cardoso de Sousa nasceu em Moçambique (Lourenço Marques, actual Maputo) a 2 de Fevereiro de 1938 e faleceu no Porto no dia 29 de Março de 2011. Estudou na Escola de Belas Artes do Porto, onde se licenciou em pintura com a nota máxima de 20 valores. O artista gostava de desvalorizar esse facto, atribuindo-o a uma rivalidade entre as Escolas de Belas Artes do Porto e de Lisboa. A nota máxima foi igualmente atribuída a Armando Alves, José Rodrigues e Jorge Pinheiro, com os quais fundou, no Porto, nos anos 60, o grupo “Os Quatro Vintes”.

No final dos anos 60, frequentou em Londres a State School of Art e a Saint Martin’s School of Art, com bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian e do British Council.

Leccionou na Escola Superior de Belas Artes do Porto de 1962 a 2000, ano em que se jubilou com a categoria de professor catedrático.

Expôs individualmente desde 1959 e foi distinguido com importantes prémios, entre os quais o Prémio Internacional da Bienal de Arte de São Paulo, Brasil (1975) e o Prémio Fundação Calouste Gulbenkian/Arte (2007).


sábado, 26 de março de 2011

Recordações da Casa Rosa

"Recordações da Casa Rosa" - Casa de Serralves, 24 Março a 12 Junho 2011


Vista parcial da exposição (antiga sala de estar da Casa)


Na Casa de Serralves, até ao dia 12 de Junho, encontra-se em exposição um conjunto de obras de António Areal, Jorge Queiroz e Paula Rego, pertencentes à colecção da Fundação de Serralves.

No folheto da apresentação da exposição, pode ler-se: "O confronto destes três universos, que em comum apresentam o recurso à figura e à narrativa - ainda que a realidade seja neles subvertida pela possibilidade da ficção - revela outros tantos imaginários que se poderão rever no espaço da Casa de Serralves, também ele fortemente ficcionado pela utopia do seu passado."
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Intitulada "Recordações da Casa Rosa", a exposição foi inaugurada no dia 24 de Março pela Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas.



Concebida e projectada principalmente (1) por Charles Siclis e José Marques da Silva, destinada a residência de Carlos Alberto Cabral (1895-1968), 2º Conde de Vizela, a Casa foi construída entre 1925 e 1944 na antiga quinta de férias da família, que lhe coubera em herança.
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O Conde habitou a Casa com a esposa, Blanche Daubin, de 1944 a 1957, ano em que vendeu a quinta de Serralves ao industrial Delfim Ferreira (1888-1960), devido a dificuldades financeiras. Uma das condições do negócio era que a casa e a propriedade nunca fossem modificadas, uma condição que a família de Delfim Ferreira honrou sempre, até 1986, ano em que foi adquirida pelo Estado, sendo Teresa Patrício Gouveia (2) a Secretária de Estado da Cultura (3).
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Exemplar único da arquitectura Arte Déco, a Casa foi classificada em 1996 como “imóvel de Interesse Público”.

(1) Na realidade, a Casa de Serralves é uma obra colectiva. Charles Siclis (Paris, 1889-Nova Iorque, 1942) e José Marques da Silva (Porto, 1869-1947) foram os principais arquitectos mas o projecto também acolheu alterações do próprio Conde, do decorador Émile Jacques Ruhlmann e do seu sobrinho, o arquitecto Alfred Porteneuve.
(2) Mais tarde, foi presidente do Conselho de Administração da Fundação Serralves (2001-2003) e é administradora da Fundação Calouste Gulbenkian desde 2004. Teresa Gouveia foi casada com o poeta e publicitário Alexandre O'Neill.
(3) Os Governos de Cavaco Silva (X, XI e XII governos constitucionais) nunca tiveram um ministro expressamente para a Cultura e o cargo foi efectivamente desempenhado por secretários de Estado.

terça-feira, 22 de março de 2011

ANTÓNIO SENA

Grande prémio Amadeo de Souza-Cardoso 2011
"ESTATIS-TIKA", 1979, 70X100 cm, carvão e grafite s/papel
(LIS'79 - Lisbon International Show)

O Grande Prémio Amadeo de Souza-Cardoso 2011 foi atribuído (11 de Março) ao pintor António Sena, conhecido pelas suas composições abstractas (abstracionismo lírico) de pendor caligráfico e com referências ao graffiti, incorporando manchas e grafismos diversos em apurada tensão cromática e ritmos que exploram a escrita como desenho e os limites do quadro e da pintura.

António Sena nasceu em Lisboa em 1941. Frequentou um curso de engenharia no Instituto Superior Técnico, que trocou pela pintura por influência de pintores como Eurico Gonçalves e Fernando Conduto. Em 1964, realizou a sua primeira exposição individual, na Galeria 111. Entre 1965 e 1967 foi bolseiro da Fundação Gulbenkian em Londres, na Saint Martin´s School of Art. Actualmente, vive e trabalha em Lisboa e Londres.

A sua obra mereceu vários prémios internacionais (Prémio G.M. 67, II Palette d'Or 1972, LIS' 79, Prémio de Desenho EDP 2002) e foi reunida numa importante exposição antológica no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, em 2003. Em 2002, realizou uma exposição individual de pintura no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão – Fundação Calouste Gulbenkian. Em 2009, Jorge da Silva Melo realizou o documentário “António Sena: a mão esquiva”, que estreou no DocLisboa a 18 de Outubro desse ano, a partir da preparação da sua exposição “Books=Cahiers” (Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, 2009).

O Grande Prémio Amadeo de Souza-Cardoso é atribuído de dois em dois anos a um artista consagrado e vai na 8ª edição. Nas edições anteriores, foram distinguidos os seguintes artistas: João Vieira (2009), Ângelo de Sousa (2007), Nikias Skapinakis’ (2005), Júlio Pomar (2003), Costa Pinheiro (2001), Fernando Azevedo (1999) e Fernando Lanhas (1997). Trata-se de um prémio não pecuniário mas que permite a aquisição de uma ou mais obras do artista consagrado para as colecções do Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, até ao valor de 25.000,00 euros.

Para além do Grande Prémio, será ainda atribuído em Setembro de 2011 o Prémio Amadeo de Souza-Cardoso, em concurso destinado a premiar uma obra de um artista nacional ou estrangeiro.

segunda-feira, 21 de março de 2011

CHOCOLATE

O cacau medicinal do senhor azedo*

O senhor de meia idade que atravessa a rua, indolente e cabisbaixo, a caminho do seu apartamento frio esquecido nas entranhas da cidade aborrecida, detesta doces, vocifera contra o mel, abomina açúcar, odeia chocolate. Todos os chocolates, sem excepção. O último amigo do senhor tristonho, preocupado com o seu bem-estar, pois nem todos os ódios descontrolados ferem apenas o bom humor, tentou inutilmente convencê-lo das virtudes e bondades do chocolate. Que até se atribui a um deus asteca o roubo das sementes do cacau do jardim do Éden, para benefício do homem, provando-se assim que certos crimes compensam pois o abuso do cacau transformava os rapazes em homens e os homens em deuses. O senhor de meia idade maneava teimosamente a cabeça, que não, que as virtudes e bondades do chocolate eram enganos pecaminosos, pode lá um homenzeco lambuzado comparar-se a um deus? Pecados enganados, corrigia pacientemente o último amigo do senhor amargo. Que antes de ser pecaminosa tentação, o cacau correu como vinho na boda de casamento de Luís XIII de França, trazido do Brasil por monges espanhóis. Pois foi, troçou o senhor azedo, e por isso o rei demorou quatro anos a deitar-se com a rainha e o reinado deu no que deu, no Richelieu, que também detestava guloseimas mas tinha grandes defeitos. Que nada, insistia delicadamente o amigo, mas acabava por desistir da questão aborrecido com a teimosia cega do senhor azedo. Seguiam depois cada qual para seu lado, o senhor de meia idade cada vez mais fortalecido de razões para continuar amargo e o último amigo cada vez menos amigo até se tornar apenas o último.

O senhor de meia idade que atravessa sozinho a rua, de queixo e ombros caídos, a caminho do seu apartamento gelado no coração obscuro da cidade embrutecida, detesta tudo o que seja doce ou lhe pareça adocicado, mesmo à distância de um breve olhar de repulsa. Já não tem amigos, que julga ter perdido por serem intolerantes e rancorosos, mas descobriu recentemente com incontido espanto que o cacau, antes de ser uma bebida doce, era mezinha tão amargosa e intragável que só os corajosos a tomavam sem ameaças e as crianças fugiam sequer de falar nela. Ao senhor azedo não apetecem os aromas e os sabores complexos do cacau, muito menos o soberbo toque aveludado e o aconchego voluptuoso do chocolate. A lembrança dos malefícios, desde as maleitas dentárias ao pesadelo da obesidade, acodem-lhe ao espírito como tsunamis. Tentando apaziguar os piores temores, afunda o corpo seco na sua poltrona nua, cruza as finas canelas diante da lareira apagada e imagina-se a mastigar estoicamente o cacau amargo medicinal. Coroou-se a si próprio com uma coroa de espinhos artificiais e conforta-se com o prazer enganado, amargo e gelado, de ter afinal muitos motivos para detestar chocolate. Todos os chocolates, sem excepção.

Sérgio Reis

*Texto publicado no jornal “Vivências”, do Agrupamento de Escolas de Seia, Nº1, Fevereiro de 2011, escrito por ocasião do encontro promovido pela Biblioteca Escolar da EB 2 3 de Tourais/Paranhos sob o lema “Cacau, Chocolate – Origens”.

sábado, 19 de março de 2011

PINTURA NA MOITA-2

Pintura mural no centro histórico da Moita

A simpática vila da Moita deve o seu nome a uma das mais antigas actividades das suas gentes, a apanha de lenhas e matos, documentada desde meados do séc. XIV. Actualmente, é sede de um concelho constituído por 6 freguesias (Alhos Vedros, Baixa da Banheira, Gaio-Rosário, Moita, Sarilhos Pequenos e Vale da Amoreira).
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A cultura local é marcada pelas tradições ligadas ao rio Tejo e à marinhagem, aos cavalos, aos touros e à tauromaquia. Nos estaleiros de Gaio ainda se constroem alguns barcos tradicionais do Tejo, decorados com elementos florais e cenas da vida quotidiana regional, havendo inclusive cursos para fomentar o gosto e a continuidade da tradição iconográfica da pintura naval - no Centro Náutico Moitense e Associação Naval Sarilhense. Apesar disso, o concelho acolhe as mais diversas manifestações de modernidade - com destaque para um festival de música metálica ("Moita Metal Fest"), integrado na "Quinzena da Juventude".

A Câmara Municipal e as diversas colectividades do concelho promovem anualmente um conjunto diversificado de inciativas, algumas delas dirigidas especificamente à pintura. A sala de exposições do Posto de Turismo acolhe geralmente duas exposições por mês, muitas vezes de pintura. De dois em dois anos, realiza-se em Alhos Vedros a Bienal de Pintura de Pequeno Formato - Prémio Joaquim Afonso Madeira, organizada conjuntamente pela Câmara Municipal da Moita, Junta de Freguesia de Alhos Vedros e o Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros (CACAV). No centro histórico da vila encontram-se com facilidade várias manifestações artísticas públicas, como pinturas murais e elementos escultóricos de cariz popular, sobretudo com intuitos decorativos.


Fachada decorada com elementos taurinos - centro hitórico da Moita.


Pintura mural - "Nesta Terra quem não cava já cavou / Quem não rema já remou".


Balcão com perfil de fragata (Café Fragata, Moita), exibindo a decoração caractarística dos barcos do Tejo. Em Março, realiza-se em Sarilhos Pequenos um Curso de Pinturas Tradicionais em Embarcações.
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Em Alhos Vedros, realiza-se vai para dez anos uma Bienal de Pintura de Pequeno Formato

PINTURA NO TURISMO DA MOITA

Pintura de Sérgio Reis
Sala de exposições do Posto de Turismo da Moita
Horário (Segunda a Sexta): 9.30 - 12.30; 14.00 - 18.00

Ver também (link): "Pintura na Moita"

quarta-feira, 16 de março de 2011

MANIFESTO DO NADA

Sem Título: ...? 3
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No dia 12 de Março, Ricardo Cardoso realizou uma performance (a terceira da série Sem Título: ...?) na Feira de Arte "O Único Sentido", que decorreu na Escola Secundária de Seia. O evento foi organizado pelos alunos da turma de Artes Visuais do 12º Ano.
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Nesta série de performances de Ricardo Cardoso, o público é confrontado com as emoções de um jovem artista diplomado que, para sobreviver, é obrigado a desempenhar outras tarefas. A criação lado a lado com a destruição, o mito do sucesso, a revolta e "morte" do artista. Ver "Manifesto do Nada". Porém, a desilusão e a revolta dos artistas sempre alimentaram as fornalhas da Arte, renovando a expressão artística em contextos muitas vezes revolucionários e contribuindo assim para redesenhar ou abrir novos caminhos e destinos culturais.

Ver esta performance no YouTube - parte 1 e parte 2


terça-feira, 15 de março de 2011

Exposição de Pintura na Moita


Se fosse necessário intitular esta exposição, escolheria um poema de Nuno Júdice, “A Vida”. O poema todo – pois transparecem nesses versos, como ecos, os principais conteúdos poéticos dos meus quadros - a vida que nos anima, cerca e enlaça, o inevitável peso da presença e da ausência, da incerteza e do acaso, dos jogos de luz e de sombra na construção da memória.

Sérgio Reis

A Vida

A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;

a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;

a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.

Nuno Júdice
(Teoria Geral do Sentimento, 1999)

Ver também:

Imagens da exposição

"Pintura na Moita"

domingo, 13 de março de 2011

As três faces da Deusa

Exposição de cerâmica e escultura de Victor Mota e Carlos Oliveira
Sala de exposições temporárias do Posto de Turismo de Seia, de 4 a 31 de Março 2011
Obras de Victor Mota

Nas Caldas da Rainha, berço e escola de grandes ceramistas, “indústria cerâmica” é praticamente sinónimo de “cerâmica artística”, na tradição dos Bordalo Pinheiro mas também com boa abertura ao arrojo técnico e estético inspirados pela contemporaniedade. Não é por acaso que o CENCAL - Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica, no âmbito das suas atribuições formativas em contexto fabril, dá particular atenção à cerâmica criativa (1), organizando workshops, colóquios e seminários com a participação de artistas, investigadores, designers e técnicos locais, nacionais e estrangeiros. A cidade das Caldas da Rainha dispõe ainda de uma Escola Superior de Artes e Design, com um curso de Design de Cerâmica e Vidro, o Museu da Cerâmica (para além do Museu José Malhoa, do Atelier-Museu António Duarte e do Museu (Salvador) Barata Feyo) e das bienais Festa da Cerâmica e Simpósio de Escultura em Pedra, à vez. Em 2011, realiza-se a III Festa da Cerâmica.

O ceramista e escultor Victor Mota, que agora expõe na sala de exposições temporárias do Posto de Turismo de Seia, bebeu das nobres tradições ceramistas caldenses (Manuel Mafra, Rafael Bordalo Pinheiro, Avelino Belo, Francisco Elias) aprendendo com Herculano Elias (2) e Euclides Rebelo, sendo igualmente reconhecível alguma influência moderna de Armando Correia (3). Porém, o que transparece nos trabalhos de Victor Mota é a predisposição a inovar, explorando com preocupações de escultor os limites estruturais da forma e a conjugação de vários níveis de figuração, bem patentes nas suas figuras “estilizadas”. Se em peças como “Mãe Sentada”, “Mulher Grávida” ou “Mulher Pousando”, se destaca a transição fluída dos volumes, cheios e pesados, para elementos dinâmicos ritmados, ou se a verticalidade cónica e fria das figuras das “Mães” é salva pela poética graciosa do seu gesto materno, o ceramista/escultor arrisca-se na série “Mulheres Estilizadas”, combinando o pormenor modelado com realismo e “estilizações” estruturais, relacionando “estilos” diversos, apontamentos estéticos distintos, recorrendo ao grafismo (4), animando com vidrados as texturas e cores oferecidas pelo grés. Em peças como “Mulher Insinuante”, destaca-se ainda um sujestivo dinamismo das formas, no caso um dinamismo insinuante, que excede a mera exigência de representação.

No texto de apresentação da exposição, pode ler-se: “O trabalho de Victor Mota define-se com base numa profunda e criteriosa pesquisa sobre a sensibilidade e a relação de formas e conteúdos, no estudo moroso e cuidado de esboços que originam e enquadram o seu processo criativo”.

A estranheza do resultado, pedaços de realismo presos a formas antropomórficas simplificadas, incompletas, fala do compromisso do artista, tentando atravessar o espelho da natureza e da tradição rumo às maravilhas do artificialismo moderno. Ou, simplesmente, das vantagens de combinarmos o antigo e o moderno, as cadeias cíclicas da evolução, para projectarmos avisadamente o futuro. Ou ainda, como sugere o título da exposição, a representação do tempo através dos degraus míticos da vida da mulher, “As três faces da Deusa: Donzela, Mãe e Anciã”.

A exposição integra ainda oito esculturas de Carlos Oliveira, em alabastro cristalino, inseridas na mesma temática mas com preocupações essencialmente ornamentais, tirando partido da particularidade translúcida desse material para iluminar as formas esculpidas. Nas suas obras, Carlos Oliveira toda a experiência reunida ao longo do seu percurso, na indústria cerâmica, do vidro e das resinas, assim como através de pesquisas e investigação na área dos materiais e técnicas de aplicação.


Victor Mota, "Mãe Sentada", Grés


Victor Mota nasceu em Peniche em 1967.

Frequentou os cursos de modelação decorativa (1987), com o mestre Herculano Elias e Euclides Rebelo, e de escultura cerâmica de figura humana (1988) no CENCAL - Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica das Caldas da Rainha.

Participou ainda em workshops de cerâmica, com o ceramista e artista plástico galego Xhoan Viqueira (trabalhos sobre Bordalo Pinheiro) e com o designer belga Francis Beths (trabalhos sobre mobiliário urbano em cerâmica).

Iniciou a actividade artística na década de 90, tendo participado em várias exposições colectivas de cerâmica e escultura nas Caldas da Rainha, Óbidos e Massamá.

Em 1993, realizou a primeira exposição individual, nas Caldas da Rainha. Em 2010, mostrou o seu trabalho artístico em quatro importantes exposições individuais de cerâmica e escultura, na Capela de São Sebastião (“50 Esculturas de Santo António” e “60 Presépios”), no Céu de Vidro - Parque D. Carlos I (“Biodiversidade no Parque”) e na Junta de Freguesia de Nossa Senhora do Pópulo (“Presépios”), todas nas Caldas da Rainha.

Carlos Oliveira - escultura em alabastro


Carlos Oliveira nasceu nas Caldas da Rainha em 1963.

Formação nas áreas de desenho e moldagem no CENCAL, onde teve como mestres Artur Lopes, Armando Correia e Herculano Elias.

Em 1989, fundou o seu atelier, onde realiza desde então todo o tipo de obras em cerâmica e escultura, bronze, fibras e resinas.

Expõe os seus trabalhos desde 2001, tendo realizado exposições individual nas Caldas da Rainha, Lisboa, Barreiro, Almada, Tui, Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço. Participou em diversas exposições colectivas de cerâmica e escultura, nacionais e internacionais. Ver currículo completo.

Participou na realização de vários monumentos, no Funchal, Alemanha, Oeiras, Sagres, Cascais e Golegã.

Encontra-se representado em colecções particulares nacionais e estrangeiras.

É referenciado nos livros “Cerâmica e Escultura”, de Carlos Bajouca, e no Anuário Internacional de 2003, de Fernando Infante do Carmo.

NOTAS:
(1) Alguns ceramistas formados no CENCAL: Ana Sobral, Carlos Enxuto, Elsa Rebelo, José Almeida, Leonel Telo, Mário Sousa, Nadine Gueniou, Rui Ribas, Vera Brás, Virgílio Peixe, Zaida Caramelo. Ana Sobral, Elsa Rebelo, Rui Ribas e Virgílio Peixe, vieram mais tarde a ser também formadores do CENCAL.

(2) Herculano Elias (n. 1932) é um ceramista caldense conhecido sobretudo pelas miniaturas cerâmicas, uma tradição familiar. As miniaturas são pequenas peças de faiança representando de modo realista figuras típicas, costumes regionais, cenas históricas ou representações religiosas tradicionais. A modelação é fundamental, destacando a destreza do artista pois dá ênfase ao pormenor à escala. Esta exigência de detalhe muito reduzido e a recusa de vidrado, impõe uma cuidada selecção de argilas e o recurso ao método da patine, para consolidar as peças e fortalecer os pormenores, o que confere às peças um brilho suave e discreto.

(3) Nos anos 80, as peças de Armando Correia (1936-2008) eram arredondadas e bojudas, evocando a escultura de Jorge Vieira, que foi seu professor na então Escola Técnica das Caldas da Rainha (actual Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro). Os volumes geometrizados e as texturas sensuais são características da obra de A.C. Nos anos 90, os projectos de correspondência com a literatura proporcionaram o desenvolvimento de uma gramática formal variada, com formas estilizadas, de que são exemplo as figuras do teatro de Gil Vicente e os mitos da Antiguidade Clássica. Na última década, as formas cónicas serviram de base a desenvolvimentos temáticos a cargo do desenho e da cor – como os presépios / reis magos, que realizou com a colaboração dos seus filhos Ivo Ximenes e Ruben Correia, que certamente darão continuidade às preocupações estéticas do artista caldense, falecido em 2008.

(4) Recorrente no figurado contemporâneo e que Armando Correia desenvolveu nas suas últimas peças.


Vista parcial da exposição


Victor Mota, "Mãe de Regaço", Grés


Victor Mota, "Mãe Adormecendo", Grés


Carlos Oliveira - "Mãe de Paz", alabastro

quinta-feira, 3 de março de 2011

Demasiado ocupado para pintar?

Dan Gurney



Afinal Bansky não ganhou o Óscar do Melhor Documentário. Se calhar, foi melhor para todos - artista e seus admiradores, Academia de Hollywood e Ministério Público. O vencedor foi o oportuno "Inside Job - A verdade da crise" (EUA, 2010), de Charles Ferguson, com narração de Matt Damon.

A personagem da foto acima não é Bansky nem outro esmerado ghost artist, mas sim o piloto americano Dan Gurney (Port Jefferson, 1931) em plena década de 60, testando uma protecção em couro para o rosto, em complemento do capacete aberto característico da época, anos antes do aparecimento do capacete integral.

Por falar em ghost artists, encontrei na web este pequeno anúncio de 1952 (Washington Post, 05 de Fevereiro de 1952):

"Demasiado ocupado para pintar? Chame
Os Artistas Fantasmas.
Nós pintamos - você assina!"

quarta-feira, 2 de março de 2011

Serafim Correia, fotógrafo de Seia

Serafim Correia (1922-2011)
“Primoroso artista da fotografia” (J. Quelhas Bigotte)


A Cultura senense ficou mais pobre com o recente desaparecimento de Serafim Correia. O mais conhecido e respeitado fotógrafo de Seia faleceu a 23 de Fevereiro de 2011, aos 88 anos de idade.
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Para J. Quelhas Bigotte (“Escritores e Artistas de Senense”, 1986), Serafim Correia era um “primoroso artista da fotografia” e, digo eu, todas as pessoas de inegável mérito são insubstituíveis, ainda mais aquelas que nos deixam uma obra preciosa, ímpar, fruto do seu trabalho incansável, muitas vezes lutando com as mais diversas contrariedades. O resultado foi "só" o registo sistemático de praticamente todos os acontecimentos senenses desde 1940, através de fotografias de grande qualidade que constituem documentos fundamentais para a compreensão das transformações da então Vila na actual cidade de Seia. Serafim Correia não deve ser esquecido e a sua obra merece urgente divulgação e reconhecimento público.

De Serafim Correia não se pode dizer simplesmente que é um fotógrafo. A sua actividade profissional é a fotografia mas, na medida em que recusa a produção de fotografias em série (utilizando máquinas que qualquer indivíduo pode operar) e porque privilegia a fotografia a preto e branco (estética e tecnicamente mais difícil), pode – e deve – ser considerado artista. Um artista que “pinta” com a luz.

Será talvez supérfluo sublinhar a importância deste espólio para uma correcta e completa história de Seia desde 1940, que não dispensa uma rede de fotobiografias cruzadas, assim como os registos fotográficos da evolução física da cidade, ou seja, da paisagem urbana, suas convulsões e desenvolvimentos. E se Serafim Correia é um excelente artista do retrato, é aqui – na classificação retórica de “paisagem” – que ele se revela um autêntico mestre, tirando partido da luz e da sombra para despertar a emoção do observador perante os volumes da serra, as texturas das pedras com história, os degraus do tempo, a segurança dos caminhos e o aconchego cúmplice dos recantos de Seia antiga e moderna.



Serafim Correia, D. Rosa, D. Elvira, Eduardo Correia, Fernando e António Correia


Serafim dos Santos Correia nasceu no Porto, na Freguesia de Santo Ildefonso, em 12 de Outubro de 1922. Com 9 anos, vem para Seia, onde fez a 4ª classe. De volta ao Porto, frequenta a Escola Industrial de Faria Guimarães. Só em 1939 regressa a Seia, para trabalhar com o pai, tendo casado com D. Rosa Augusto Monteiro Correia, que lhe deu dois filhos: Fernando Correia e António Correia, que herdaram do pai e do avô o gosto pela fotografia.

Na Escola de Belas Artes do Porto, com o pintor portuense Joaquim Lopes, Serafim Correia apurou as técnicas de retoque fotográfico, que exige muita sensibilidade e rigor, mas foi com o pai – o grande fotógrafo Eduardo Correia (1889-1973) – que aprendeu as técnicas fotográficas, podendo ter sido um fotógrafo famoso a nível nacional, não fossem os custos da interioridade e a sombra majestosa do pai, cujos sucessos incluem diversos prémios em exposições nacionais e internacionais. Chegou a trabalhar dois anos num estúdio fotográfico em Paço D’Arcos, regressando depois a Seia, onde manteve a sua loja e estúdio desde 1964.

As suas fotografias foram publicadas em jornais e revistas nacionais e locais, tendo uma delas merecido destaque na primeira página do Diário de Notícias a propósito da inauguração da estátua de Afonso Costa pelo então presidente da República, General Ramalho Eanes, em 08 de Novembro de 1981. Na verdade, Serafim Correia fotografou todos os presidentes e figuras da República que passaram por Seia desde o início dos anos 60.

Participou em algumas exposições de fotografia mas os seus melhores trabalhos não se encontram divulgados por resultarem de encomendas particulares. Entre estes últimos, destaca-se um trabalho de grande dimensão (mais de dois metros de comprimento por um metro e meio de largura) e grande envolvimento visual, pertencente à firma MRG - Manuel Rodrigues Gouveia.

Em 2004, foi homenageado pelo Rotary Clube de Seia.
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Em 1996, em colaboração com o seu filho António Correia, também fotógrafo, elaborei um texto que foi publicado na PE/Revista” nº 2, suplemento do jornal Porta da Estrela de 20/01/1996: