sexta-feira, 22 de maio de 2009

Centenário da Electricidade em Seia

Antiga sede da EHSE, no Largo Marques da Silva

Em Dezembro de 2009 passam 100 anos sobre a criação da Empresa Hidroeléctrica da Serra da Estrela e da electricidade em Seia, dois acontecimentos de grande relevo para o concelho que se encontram interligados.
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No Natal de 1909, a iluminação pública na então Vila de Ceia deixou de se fazer a petróleo e a noite tornou-se “brilhante como o dia” graças às lâmpadas de incandescência com poder iluminante de 16 velas e às lâmpadas de arco voltaico de 600 velas. Apesar do crescente progresso de Seia ao longo do século XX, essa novidade demorou a chegar a todo o concelho: a última localidade a receber a luz eléctrica foi Relvas, Póvoa Nova, em 23 de Janeiro de …1997 (1).

A facilidade actual de acesso ao usufruto da electricidade e a sua abundância induz-nos a tomar a energia eléctrica por um bem trivial, só a valorizando plenamente quando falta e desperdiçando-a muitas vezes sem hesitação nem remorso. No início do século XX, porém, a electricidade para todos não passava ainda de uma promessa, tal como escreveu Emile Zola em 1901: “Irá chegar o dia em que a electricidade será para todos, como a água dos rios e o vento dos céus. Não deve ser apenas fornecida, mas sim em abundância, para que as pessoas a usem segundo a sua vontade, como o ar que respiram.”

As experiências eléctricas, embora marcadas pela fraca intensidade da corrente e insuficiência dos meios, com geradores sujeitos a constantes avarias e material de iluminação muito limitado, anunciavam já no final do século XIX uma completa revolução em todos os domínios da vida humana rumo a um verdadeiro progresso. A electricidade passou então a ser uma justa aspiração de todos, que avidamente lutaram pela chegada da electricidade às suas terras, assim como motivo para autênticas guerras empresariais e comerciais, desde a localização das centrais hidroeléctricas até às batalhas quase campais pelas concessões, passando pelas querelas entre os adeptos da Corrente Contínua e os defensores da Corrente Alternada.

Em Seia, a disputa pela concessão foi muito breve e teve apenas dois intervenientes, António Marques da Silva e António Rodrigues Nogueira, com quem a Câmara Municipal desse tempo (presidida pelo Dr. António Augusto da Fonseca Saraiva) celebrou contratos distintos, talvez encantada com as vantagens oferecidas pela proposta do engenheiro Rodrigues Nogueira e para tirar partido da concorrência entre concessionários, ou ainda para acalmar fervores e rivalidades locais, como refere J. Quelhas Bigotte na sua Monografia de Seia.

A rivalidade entre Seia e Gouveia era então uma questão de honra e “coincidência ou não”, como escreve Lúcia Moura (obra cit, pág. 36), a Câmara Municipal de Seia decidiu abrir um concurso para instalar a energia eléctrica na sede do concelho no mesmo mês em que Gouveia inaugurou a iluminação pública eléctrica: Janeiro de 1903.

Apesar de todos os esforços, não apareceu qualquer concorrente nos dois primeiros concursos e a Câmara senense só voltou a abrir concurso para a iluminação eléctrica em Outubro de 1906, tendo então aparecido António Marques da Silva, industrial de Gouveia, onde nascera a 26 de Julho de 1868.

Segundo J. Quelhas Bigotte, a pág.s 214 da obra citada, o contrato celebrado com António Marques da Silva a 5 de Dezembro de 1906, aprovado por Decreto em 07 de Fevereiro de 1907, cedia ao concessionário o direito e posse de todas as águas do Rio Alva e da Ribeira da Caniça que quisesse utilizar, assim como os terrenos industriais atravessados pela captação e entre os leitos das ribeiras. Em contrapartida, Marques da Silva obrigava-se a fornecer energia eléctrica para a iluminação pública e particular e para as indústrias de Seia e do concelho durante 35 anos. A iluminação pública em Seia limitava-se a um raio de mil metros com centro na Câmara Municipal – então situada na actual Praça da República (2) - mas que abrangia então toda a Vila. De início, a iluminação pública custaria anualmente ao município 6500 réis por cada lâmpada de 16 velas, num total de 100 lâmpadas, com oferta da iluminação de duas lâmpadas de arco voltaico a instalar no então largo da Câmara, ou seja, a entrada da actual Praça da República (3). De referir que, na época, um jornal diário custava em média 10 réis e um litro de azeite, 320. O contrato de concessão limitava ainda o custo do quilowatt para particulares e usos industriais e não impedia a electrificação de outras localidades do concelho.

Colégio de Música no antigo edifício da Câmara Municipal de Seia

Em Outubro de 1907, quando já decorria a construção de açudes e levadas no rio Alva, a Câmara Municipal recebeu uma proposta de António Rodrigues Nogueira, capitão do estado-maior de engenharia, residente em Lisboa, que pretendia a concessão da exploração das águas da bacia hidrográfica da Lagoa Comprida e a cedência de terrenos para as obras que julgasse necessárias. O proponente pagaria à Câmara cinco contos de réis, para além de uma renda anual de 400 mil réis até ao final do contrato de Marques da Silva, em 1942, após o qual forneceria gratuitamente 100 lâmpadas de 16 velas e duas lâmpadas de arco voltaico de 600 velas cada.


Exemplo de lâmpada de arco voltaico (Foto FPHESP*)

As negociações entre a Câmara e Rodrigues Nogueira arrastaram-se durante meses. Segundo J. Quelhas Bigotte, os termos do contrato de concessão só foram aprovados em 16 de Agosto de 1908. Entretanto, constou que haveria interesses estrangeiros em jogo e o jornal Correio de Ceia chegou a noticiar, em Setembro desse ano, não só o nome da empresa, “Societé Hydro-électrique Estrella”, como o seu capital garantido: seis milhões de francos.

Esta empresa nunca chegou a constituir-se mas, a 07 de Julho de 2009, os dois concessionários uniram meios e esforços numa nova sociedade, a "Empresa Hidro-Eléctrica da Serra da Estrela". A escritura foi celebrada em Gouveia e, segundo J. Quelhas Bigotte (citando o Dr. José Nunes Pereira, que foi advogado da E.H.E.S.E.), a Câmara só teve conhecimento oficial desse facto a 09 de Dezembro. Nessa sociedade inicial, participavam António Marques da Silva, António Rodrigues Frade, Guilherme Cardoso Pessoa e António Rodrigues Nogueira.


Central da Senhora do Desterro, São Romão - Seia

Em 23 de Dezembro de 1909, e electricidade fornecida pela central da Senhora do Desterro (entretanto construída) chegava finalmente a Seia, uma das primeiras localidades do país a ter luz eléctrica a partir do aproveitamento hidroeléctrico – 18 anos depois da entrada em funcionamento da primeira central hidroeléctrica (Godalming, Inglaterra) e 6 anos depois da chegada do primeiro automóvel a Seia, adquirido pelo Dr. Elisário Mota Veiga (4).

Como acontecia em todas as vilas que iam aderindo ao “grande melhoramento” da luz eléctrica, houve festa em Seia: “na Câmara uma sessão solene em que foi homenageado M. da Silva; na igreja matriz um Te-Deum de acção de graças e à tarde a inauguração da luz, com grandes manifestações de alegria popular.” (J. Quelhas Bigotte, ob. cit. Pág. 215).

Esse melhoramento estendeu-se logo depois a São Romão (07 de Julho de 1910) e chegou a Loriga em 17 de Novembro de 1912, graças aos esforços de uma “Comissão da Luz”, no ano em António Rodrigues Nogueira iniciou a construção da barragem da Lagoa Comprida.

Em 1910 e 1911, com os ventos da República a aquecerem os ânimos da população, que receava ficar prejudicada com o transporte de energia para as indústrias de Gouveia, quase houve um levantamento popular e a Câmara colocou a empresa em tribunal após alguns cortes de energia terem deixado a vila sem iluminação pública. Este problema só foi resolvido em 1915 com a intervenção do Ministério do Interior, que conciliou as partes sem dar razão a nenhuma delas: Marques da Silva podia levar energia para fora do concelho desde que o fornecimento de electricidade à vila não saísse prejudicado.
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Casa da família Marques da Silva, à entrada da cidade de Seia

Procurando melhorar a sua imagem junto dos senenses, Marques da Silva mudou-se para Seia e envolveu-se intensamente na dinâmica local, contribuindo com inúmeros apoios para o progresso e enriquecimento de Seia. A sua única filha casou com o Dr. António Simões Pereira, que viria a tornar-se exemplo nacional da dedicação à medicina (5).

O Comendador Marques da Silva (6) faleceu em Seia em 1953, aos 85 anos de idade, mas continua a faltar ainda hoje a justa homenagem. O largo em frente ao edifício que foi sede da sua empresa, pertencente à EDP após a nacionalização da E.H.E.S.E. em 1975, recebeu o seu nome mas encontra-se lá colocada, desde 1981, a estátua de Afonso Costa.


Seia à noite (vista parcial)

Em Março de 1999, a Câmara Municipal aprovou uma proposta de homenagem da cidade de Seia a Marques da Silva nos 90 anos da fundação da Empresa Hidroeléctrica da Serra da Estrela. A proposta de homenagem incluía a mudança da estátua de Afonso Costa para a rotunda da Central de Camionagem (onde viria depois a ser construída uma fonte luminosa, que lá continua, sem graça), para dar lugar ao busto de Marques da Silva. Na altura, o jornal Notícias da Serra (7) acrescentou, oportuno, que assim até se mudavam as estátuas para os lugares certos, uma vez que "a estátua de Afonso Costa está no Largo Marques da Silva e o busto de Marques da Silva está na Avenida Afonso Costa".

Não será esta a oportunidade (100 anos da criação da E.H.E.S.E. e da inauguração da electricidade em Seia) para, pelo menos, se corrigir de vez este inusitado – mas teimoso – desacerto?

Sérgio Reis

(1) - Jornal Porta da Estrela Nº 455 - Janeiro de 1997.

(2) – Onde hoje se encontra instalado o Colégio de Música de Seia e funcionava o Pólo de Seia do IPG. Só em Março de 1919 os Paços do Concelho passaram para o Palácio das Obras, adquirido a 01 de Setembro de 1918 por decisão da Câmara então presidida pelo Dr. Borges Pires.

(3) - Até 1916, o largo da Câmara, depois Praça da República era apenas um pequeno espaço em frente ao edifício, ligado ao actual Largo da Misericórdia por duas ruas, a Rua Direita - do lado da actual sede do PNSE - e a Rua Esquerda - do lado oposto. Júlio Vaz Saraiva fez uma reconstituição da planta dessa zona "à data do incêndio que devastou o quarteirão de casa entre as Ruas Direita e Esquerda, em 27 de Outubro de 1916", editado pelo Museu do Brinquedo de Seia em formato postal no âmbito de uma exposição temporária de homenagem aos Bombeiros, em 2004.

(4) - "O Fidalgo da Família Correia (Casa da Sobreira), José Tavares Correia de Carvalho, ed. autor, 1982, pág. 25.

(5) – Vitimado pelo Tifo em Maio de 1927, após tratar alguns doentes em Loriga, onde grassava uma epidemia.

(6) – Comendador da Ordem de Mérito Agrícola e Industrial (Classe de Mérito Industrial) em 1943.

(7) - Nº 01, Série II, 12 de Março de 1999, mas também o Jornal de Santa Marinha Nº 142, de 01 de Março de 1999.

Fontes: "O Concelho de Seia em Tempo de Mudança", Maria Lúcia de Brito Moura; "Monografia da Cidade e Concelho de Seia", J. Quelhas Bigotte (Seia, 1986); "Histórias de Senaserra, Marques da Silva - o genial criador da Hidroeléctrica da Serra da Estrela", de Hermano M. Santos, Jornal de Santa Marinha Nº 140, 01 de Fevereiro de 1999; "História dos Grandes Inventos", SRD; "Portugal Século XX", de Joaquim Vieira, vol. I, Círculo de Leitores. * Foto de uma das lâmpadas de arco voltaico que iluminaram São Paulo entre 1888 e 1920 - Fundação Património Histórico da Energia de São Paulo, Brasil.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Serralves em Festa!


A 6ª edição do Serralves em Festa vai decorrer durante o fim-de-semana de 30 e 31 de Maio de 2009, com 40 horas non-stop de actividades nas áreas da música, dança, performance, fotografia, vídeo, cinema, teatro e circo.

Este ano, o festival coincide com a comemoração dos 20 anos da Fundação de Serralves e o 10º aniversário do Museu de Arte Contemporânea de Serralves. No Museu, poderá ser visitada a exposição comemorativa "Serralves 2009 - a Colecção", composta por peças da Colecção de Serralves.

A Festa começa logo no dia 29, na baixa do Porto. Ver programa desse dia.

Serralves em Festa tem entrada livre, das 08.00 horas de Sábado às 24.00 horas de Domingo.


Serralves em Festa 2007 - uma das exposições no MAC (foto GRL)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

GÓISARTE 2009

De 10 a 19 de Julho, irá decorrer o GóisArte 2009, na Vila de Góis.

Cada artista pode participar com o máximo de 1 obra por modalidade, que devem ser entregues num dos diversos postos de recepção até ao dia 20 de Junho.

De referir que qualquer esclarecimento sobre o GóisArte deve ser solicitado à Câmara Municipal de Góis / Biblioteca Municipal de Góis, conforme o estipulado no Artigo 9º - Informações.








ARTES EM SEIA - índice

Índice de obras de arte públicas existentes em Seia abordadas ou referidas neste blogue
(seguir os links respectivos)

Título / Localização / Autor
Busto do Comendador Evaristo Nogueira / São Romão / João R. Duarte

Busto do Dr. António Mello Mota Veiga / Seia / Soares Branco

Busto do Dr. António Vieira, visconde de Molelos / Folhadosa / Aureliano Lima

Busto do Dr. Carlos Alves Rodrigues / Pinhanços / Aureliano Lima
Busto do Dr. Joaquim Guilherme C. Carvalho / Seia / Soares Branco

Busto do Dr. Manuel Sousa / São Romão / Henadzi Lazakovich

Busto do Padre João Abranches Martins / Paranhos / Aureliano Lima
Estátua de Afonso Costa / Seia / Dorita de Castel-Branco

Estátua no túmulo de Afonso Costa / Seia / João da Silva
Fresco "Torneio dos Doze de Inglaterra" / Seia / Martins Barata

Monumento à Criança / Torroselo / Reis Duarte

Monumento à Liberdade / Seia / António Ménagé

Monumento ao Bombeiro / Seia / Soares Branco

Monumento ao Pastor / São Romão / Soares Branco

Monumento aos Combatentes do Ultramar / Seia / Ângelo Ribeiro

Monumentos aos Trabalhadores Têxteis / Seia / Ângelo Ribeiro

Painel de azulejos do Posto de Turismo / Seia / Ernâni Oliveira

Painel de azulejos Casa Maria Adelaide / São Romão

Troféu "Campânula de Mérito Municipal" / Ângelo Ribeiro

domingo, 10 de maio de 2009

ANTÓNIO CORREIA - Fotógrafo da Estrela


António Correia nasceu em Seia em 15 de Setembro de 1948.

Filho e neto de dois grandes fotógrafos senenses (Serafim e Eduardo Correia, respectivamente*), António Correia absorveu muito cedo o entusiasmo pela fotografia e as técnicas necessárias à captação, revelação, fixação e retoque da imagem – tal como já o faziam o seu pai e avô, ao longo das décadas douradas da fotografia mecânica, e hoje convertido às virtualidades da fotografia digital, que trouxe novos desafios técnicos e um novo conceito de “paciência de fotógrafo” **.

Ao serviço do Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) desde 1978, conhece a Serra da Estrela como poucos e gosta dela como mais ninguém (como bem sublinhou Angelina Barbosa na sua mensagem, lida na homenagem a A.C.), sendo das pessoas que mais a fotografou desde a criação do Parque Natural.

“Juntamente com Angelina Barbosa, Alberto Martinho e Teresa Lopes, calcorreou a Serra logo no início da criação do Parque Natural, fotografando e desenhando a partir das fotografias, lugares e pormenores da imensa montanha que é a Estrela. A maior parte das fotografias do PNSE foram tiradas por António Correia, muitas das quais fazem parte de inúmeras publicações oficiais e particulares, entre elas o “Guia de Percursos Pedestres da Serra da Estrela” (1990) em co-autoria com Angelina Barbosa. Participou ainda na ilustração do Guia Geológico e Botânico do Parque Natural da Serra da Estrela ”.***

A sua colaboração alargou-se a diversas exposições de fotografia do Instituto de Conservação da Natureza em Lisboa, com destaque para a exposição do ICN na Expo’98. Participou também em várias exposições colectivas de fotografia, tendo conquistado o primeiro prémio num concurso de fotografia na Covilhã.

Em Seia, participou nas exposições das antigas “Festas da Vila” e em várias edições da ARTIS.
Assina uma rubrica fotográfica no jornal Porta da Estrela, “Imagens da Nossa Terra”.

A propósito desta colaboração com o PE, quero ainda recordar que, no final de 1995, António Correia foi meu “cúmplice” numa pequena surpresa que fizemos a seu pai, Serafim Correia, publicando um artigo, muito ilustrado com fotos de época, na revista PE nº 2 (20 de Janeiro de 1996). O António recolheu os dados e as fotos necessárias à elaboração do artigo e manteve o segredo até ao fim.

Pelo volume e qualidade do seu trabalho como fotógrafo, pelas qualidades da pessoa e por representar uma linhagem de fotógrafos de grande categoria, a homenagem dos artistas senenses a António Correia (09 de Maio de 2009, na cerimónia de abertura da ARTIS 8) é inteiramente merecida. Na ocasião, Mário Jorge Branquinho falou sobre o fotógrafo e leu uma mensagem de Angelina Barbosa. Ambos os textos podem ser lidos no seu blog.

No âmbito desta homenagem, encontra-se patente ao público até 07 de Junho de 2009, nos Paços do Concelho de Seia, uma exposição de fotografias de sua autoria, intitulada "O Vermelho na Fotografia".
Sérgio Reis

*Para além de outros familiares ligados à fotografia, por exemplo em Oliveira do Hospital - Foto Correia.

** Na cerimónia de abertura da ARTIS 8, referindo-se às técnicas ancestrais de revelação e fixação da imagem, praticadas pelo avô e ainda pelo seu pai, António Correia elogiou a “paciência do fotógrafo”. Então, os líquidos de revelação e de fixação da imagem eram produzidos pelos próprios fotógrafos e, o processo de revelação, muitas vezes sujeito a repetições, obrigava a um repetitivo e demorado trabalho de paciência, realizado em salas escuras, sob luz vermelha. Hoje, as ferramentas digitais de fixação e melhoramento da imagem obrigam a outra “paciência de fotógrafo”.

*** Extraído do currículo de António Correia, catálogo da ARTIS 8 – 2009.

Anta de Paranhos da Beira - foto de António Correia


Ponte sobre o rio Alva em Vila Cova - foto de António Correia


Capa de um dos livros de Angelina Barbosa e António Correia

sábado, 9 de maio de 2009

LUIZ MORGADINHO - pintor surrealista


*Existem vários e bons motivos para distinguir Luiz Morgadinho no contexto dos artistas senenses: em primeiro lugar, por ter representado esses artistas enquanto membro da direcção da Associação de Arte e Imagem de Seia, e a sua participação na organização de várias edições da ARTIS – Festa das Artes e das Ideias de Seia; depois, pela qualidade intrínseca da sua obra e os reflexos desta no prestígio global dos artistas senenses e das artes em Seia.

Luiz Morgadinho vive exclusivamente da sua arte, trabalhando simultaneamente para diferentes tipos de mercados, e esta liberdade espinhosa reforça a sua representatividade e bom exemplo.

Uma parte da sua obra plástica trata, assim, aspectos imediatos da realidade com interesse histórico e turístico, distinguindo-se sobretudo pela técnica adoptada: o desenho e pintura com café.

A sua obra criativa, ao inverso, utiliza técnicas de pintura convencionais para nos mostrar mais caminhos de comunicação, alargar as janelas e corredores do gosto artístico tradicional, ao mesmo tempo que desafia o acomodado entendimento da realidade.

Servindo-se de um dos métodos preferidos dos surrealistas, o ilusionismo fotográfico, e guiado pelo princípio da imaginação como motor da criação, Luiz Morgadinho constrói malabarismos filosóficos para desmascarar as incongruências do nosso tempo.

Os surrealistas revelam o sonho e o imaginário, fontes inesgotáveis e misteriosas de criatividade. O insólito, o cómico e o grotesco exprimem-se livremente nas suas obras e por isso o espírito e métodos deste movimento internacional, cujas bases teóricas foram estabelecidas por André Breton em 1924, continuam a atrair os artistas e poetas jovens. Nem todos, porém, persistem na infindável busca do ideal surrealista e Luiz Morgadinho faz parte do cada vez mais restrito e selecto grupo de continuadores do Surrealismo, uma opção que data da sua fixação em Seia, em 1999. Pode bem dizer-se que a parte mais significativa e divulgada da sua fase surrealista foi realizada por cá, entre nevões no alto da Serra e os prados férteis de Santa Comba de Seia.

Natural de Coimbra, onde nasceu em 1964, o artista assume-se como pintor autodidacta, apesar de ter frequentado o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra e o Curso de Artes e Técnicas do Fogo na Escola Avelar Brotero.

Nos anos 80, partiu para a capital em busca de espaço para a sua irreverência vanguardista, chegando a integrar “algumas formações na área do rock alternativo, performances, e de acção libertária”. Logo depois, decidiu quebrar com as rotinas do emprego certo e passou a dedicar-se exclusivamente às artes. Realizou algumas experiências na área da cerâmica e aprendeu diferentes técnicas de pintura com os artistas Jorge Marcel, António Montelhano e Jorge Carlos de Oliveira.

Pelo meio dos anos 90, a vida de Luiz Morgadinho estava definitivamente moldada pela agitação artística da Lisboa boémia e o artista desdobrava-se em projectos diversos. Para além da intensa produção de pinturas com café e aguarelas, publicou um livro em parceria com o pintor e escritor Jorge Carlos de Oliveira, ilustrou um livro do Prof. Luís Filipe Maçarico e a colectânea “Arte 98”, de Fernando Infante do Carmo.

Realizou então algumas exposições individuais em Portugal, Espanha e França, e participou em várias colectivas, tendo conquistado duas menções honrosas: em Lisboa (1996) e Torres Novas (1997).

A sua fixação em Seia não travou o seu envolvimento em projectos diversificados. Manteve ligações com a vida artística lisboeta e continuou a expor em colectivas, arrecadando nova menção honrosa, em Nisa, no último ano do milénio.

Participou em praticamente todas as mostras colectivas realizadas na região desde o início do novo século até à data, com destaque para as Exposições Colectivas dos Artistas Senenses, as várias edições da ARTIS e algumas AGIRARTE, realizadas na vizinha Oliveira do Hospital.

Representado no museu do café de Cadenazzo, na Suíça, em várias Câmaras Municipais portuguesas e no Ayuntamento de Olivenza, Espanha, para além de diversas colecções particulares dispersas pelos cinco continentes, Luiz Morgadinho é uma mais-valia para a Associação de Arte e Imagem de Seia e para a dinâmica cultural que se pretende intensificar na cidade e na região.

Sérgio Reis

(*Texto lido na homenagem a Luiz Morgadinho, incluída na cerimónia de abertura da ARTIS VIII, no dia 09 de Maio de 2009).


Desenho e pintura com café



"Retrato de uma essência", acrílico s/tela, 2006


"Depois do homem partir", acrílico s/tela, 2008


"Chapitôt da Vida", acrílico s/ tela, 2001
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"D. Peta após prolongamento", acrílico s/tela, 1999

quarta-feira, 6 de maio de 2009

JOSÉ DUARTE MIRANDA (1951-2009)

Adeus, Zé Miranda

“olhas: e separam-se de ti as terras:
Uma que vai para o céu, outra que cai”

Rainer Maria Rilke, “Poemas”

Ontem, 5 de Maio, desceu à terra o corpo do Zé Miranda. O seu espírito, esse, ficará ligado a muitos rostos e lugares, a uma multiplicidade de boas memórias, e continuará muito presente para os seus familiares e amigos. Um espírito aberto e livre, como sempre foi Zé Miranda em vida.

Muito mais que um grande amigo, o Zé Miranda era praticamente família. Amigo do seu amigo, cúmplice de viagens por caminhos e carreiros do gosto, embarcadiço da cultura popular, artes avulsas, artesanatos, vivia o mundo pelo lado do convívio com pessoas e lugares, sabores do mar e da terra, pessoas com histórias de vida, objectos com histórias de gente – sem fronteiras de terras nem de gentes nem de ideias.

Apreciava particularmente o fado castiço. Lia avidamente Mia Couto. Ele próprio era um grande contador de histórias, infelizmente pouco dado à escrita. Revelava dia a dia uma enorme confiança e esperança na juventude, que o respeitava e ouvia, e por isso gostou muito de ser professor – na EB 2, 3 de Mafra – até se sentir traído pelos políticos da educação.

Faleceu inesperadamente aos 58 anos e repousa agora no cemitério do Sobreiro (Mafra), sua aldeia natal – a mesma que viu nascer o ceramista e escultor José Franco (falecido no passado dia 14 de Abril, aos 89 anos) que o Zé Miranda admirava e cuja obra ajudou a divulgar, junto de amigos, conhecidos – e dos seus alunos, a quem procurou incutir o gosto pelas artes tradicionais ligadas ao barro e pelo artesanato em geral.
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Zé Miranda e Almerinda


O bom companheiro


O contador de histórias


O coleccionador - ou, como ele preferia dizer, "ajuntador"