sexta-feira, 30 de novembro de 2012

"Arte: Crise e Transformação" na 17ª Bienal de Cerveira


A 16ª Bienal de Cerveira, em 2011, registou cerca de 100.000 visitantes (Foto: Sérgio Reis)

A 17ª Bienal de Vila Nova de Cerveira irá decorrer entre 27 de julho e 14 de setembro de 2013, sob o tema “Arte: Crise e Transformação” e à luz das comemorações dos 35 anos da mais antiga bienal de arte em Portugal.

O Concurso Internacional e o Concurso de Residências Artísticas encontram-se já abertos, até 31 de março de 2013, e os respetivos regulamentos podem ser consultados AQUI. O primeiro concurso “visa a criação de oportunidades de representação para artistas jovens/emergentes” e destina-se a artistas nacionais e estrangeiros. O segundo pretende criar condições para a troca de experiências e conhecimento entre os artistas e destes com o meio cultural de acolhimento, fomentando o reforço da identidade da designada "Vila das Artes”.

O tema da 17ª Bienal, “Arte: Crise e Transformação”, é oportuno  pois sente-se cada vez mais a necessidade de uma reflexão alargada sobre o atual momento artístico em contexto de crise internacional, agravada em Portugal devido ao esforço de contenção e reequilíbrio das contas públicas. Refletir mas também agir. Haverá uma arte da crise? Os artistas costumam lidar geralmente bem com as crises setoriais, mas como resistir em tempo de crise generalizada? Deverá haver uma arte (ou artistas) subsidiada pelo Estado, em certa medida “oficial” por depender de critérios definidos por cada governo ou de leis aprovadas por maiorias partidárias? Uma arte comprometida ou, pelo menos, “politicamente correta”, por seguidismo ideológico, acomodação política ou sobrevivência económica? Será a crise inspiração ou já motor de transformações, induzindo novas atitudes e comportamentos dos artistas e dos mercados? Certo é que esta crise deixará marcas profundas em toda a sociedade portuguesa. Acabará por passar, como tudo passa, e o país continuará país, o Estado continuará Estado, mas ficarão pelo caminho muitos portugueses sem culpa nem proveito em matéria de esbanjamento dos dinheiros públicos. 

Quando a contenção de despesas coloca muitas associações em dificuldades e paralisou ou extinguiu as Empresas Municipais de Cultura, encontrando-se as Fundações na mira do Governo (embora apenas para disparar alguns tiros de pólvora seca), conclui-se que muitas profissões liberais terão de se ajustar ou fundir, adquirindo hoje particular sentido e urgência a velha máxima: “A união faz a força”. 

sábado, 24 de novembro de 2012

Enya e Lisa Gerrard

Enya

Os vídeos musicais não são um fenómeno recente mas o nível está cada vez mais alto e parece cada vez mais difícil fazer melhor. O mesmo se passa com o filme publicitário, cuja estética e capacidade de síntese narrativa chegam a ser acutilantes, mas o vídeo clip musical tem uma estética própria, outra plástica, outra teatralidade – embora os realizadores de filmes publicitários também realizem vídeos musicais, como acontece por exemplo com Peter Nydrle.

Um bom exemplo é a coletânea de vídeo clips do último álbum de Enya, “The Very Best of Enya” (2009), disponível no YouTube. Alguns vídeo clips inspiram-se na pintura e na colagem para criar ambientes e reforçar os conteúdos comunicativos de temas inesquecíveis como “Orinoco flow”, “Caribbean Blue”, “Amarantine” ou “Listen to the rain”.

No breve universo de vozes incomparáveis, cuja estranha beleza nos fala secretamente, também aprecio Lisa Gerrard. Para além da proximidade das vozes e dos géneros, as biografias de Enya e Lisa contêm algumas semelhanças curiosas – ou já curiosas coincidências.

Cantora, instrumentista e compositora, Enya Brennan nasceu na Irlanda em maio de 1961 com o nome de Eithne Ní Bhraonáin. Lisa Gerrard nasceu em abril de 1961 em Melbourne, Austrália, filha de emigrantes irlandeses.

Enya canta sobretudo em inglês mas uma das características do seu estilo único (relacionado com o New Age) é o modo como destaca a musicalidade de línguas antigas como o Irlandês ou o Latim, mas também de línguas inventadas por J. R. R. Tolkien e pela poetisa irlandesa Roma Ryan, colaboradora de Enya. Lisa canta em inglês e inventou aos 12 anos uma  idioglossia (linguagem idiossincrática falada por uma só pessoa ou por poucas pessoas) que utilizou em canções como  "Now We Are Free", "Come Tenderness", "Serenity", "The Valley of the Moon", "Tempest", "Pilgrimage of Lost Children", "Coming Home" e "Sanvean". Um dos temas mais conhecidos de Lisa Gerrard, graças ao filme “Gladiator” (2000) é “Now We Are Free” – que pode ouvir AQUI, cantado e legendado na linguagem inventada pela artista.

A voz clara e timbrada (meio-soprano) de Enya liga-se agradavelmente com os sons produzidos por sintetizador (raramente são usados instrumentos acústicos) e, nas suas atuações, canta ao vivo sobre música e canções gravadas. Lisa é contralto, extensível a meio-soprano, e a sua voz foi descrita como “profunda, negra, lúgubre e única”. É também uma tocadora exímia de yangqin, um instrumento musical chinês tradicional.

Enya e Lisa colecionaram sucessos desde a estreia, que ocorreu em 1980 e 1981, respetivamente. Em 2007, Lisa lançou um álbum retrospetivo, “The Best of Lisa Gerrard”. Em 2009, foi a vez de Enya apresentar “The Very Best of Enya”.




"Caribbean Blue"


"Listen to the Rain"

sábado, 10 de novembro de 2012

Retratos criativos de Cristina Otero

Cristina Otero, "Remorso"

Mais do que fotografias, os retratos criativos da jovem artista Cristina Otero vão além do já de si complexo exercício de retratar. Combinando pintura facial e fotografia, as imagens são muito bem construídas, com grande sentido de composição, poder da cor e atenção aos pormenores. Por detrás da juventude, alegria e frescura das imagens, que atraem o olhar e prendem a atenção do observador numa teia de sensações, há uma forte trama cultural que inspira várias interpretações e induz a reflexão.

Mais imagens de obras de Cristina Otero AQUI e ALI.

O sentido oculto das imagens

O estereograma esconde uma imagem tridimensional dentro de uma imagem bidimensional

No mundo dito desenvolvido, o culto da imagem é uma característica das sociedades individualistas e voyeristas, notavelmente servido pela fotografia - hoje merecedora de uma enorme difusão através das redes sociais e cuja função principal é fixar para a posteridade o momento mais fugaz, a reação espontânea, a pose distraída – ou, pelo contrário, o momento mais longamente congeminado. Nessas sociedades, tornaram-se cada vez mais difusas as fronteiras entre as aparências, e já não apenas entre o que é e o que parece ser. A representação da realidade idealizada torna-se multidisciplinar, mobiliza diversas linguagens e saberes para construir sonhos tridimensionais, muito para além das habilidades bidimensionais “trompe l’oeil” e outras ilusões visuais. A novela satírica de Edwin Abbott Abbott, “Flatland: A Romance of Many Dimensions” (1), revela desde 1884 que temos um entendimento muito limitado da realidade. Teorias posteriores, com destaque para a curvatura do espaço-tempo (Einstein) ou a teoria do caos, aumentaram a consciência dessas limitações. Ao contrário de ainda ontem, as verdades de hoje estão longe de serem únicas e imutáveis, havendo verdades mais verdadeiras que outras, em escalas que variam de acordo com a geografia humana, e os valores de referência individualizaram-se, a imagem que as pessoas têm de si próprias serve de medida padrão para o seu exclusivo conhecimento e entendimento do mundo.

Em matéria de imagens, há dois princípios que nunca devemos esquecer: as imagens são sempre complexas e olhar é muito diferente de ver. Como ensina o provérbio chinês, “Uma imagem vale por mil palavras” e só nos parece simples quando a olhamos de relance ou distraidamente. Refiro-me a imagens comuns, dos jornais e revistas, muitas vezes incómodas e até repugnantes, mas também às imagens “construídas”, imagens dentro de imagens, sentidos dentro de sentidos, mensagens dentro de mensagens. Como acontece nos estereogramas, que nos apresentam uma imagem bidimensional construída de modo a que, desfocando os olhos (ou focando-os para além do suporte da imagem), conseguimos ver uma imagem totalmente diferente da primeira e a três dimensões, flutuando no espaço.

Tal como as pessoas, as imagens (no sentido atual do termo) nunca são o que parecem. Têm sempre sentidos e intenções mais ou menos ocultas, subliminares, uma característica muito explorada pela publicidade, televisão, cinema e videojogos. As nossas sensações e emoções estão a ser continuamente manipuladas, provocando reflexos condicionados e respostas aparentemente conscientes que acabamos muitas vezes por aceitar e integrar nas rotinas diárias. Mas enquanto a imagem publicitária necessita seguir os padrões sociais, outras imagens ganham ainda mais sentido confundindo-os, e só se tornam perversas quando baralham as ditas prioridades sociais e desmagnetizam a bússola da moral.

No caso do estereograma, não é fácil desfocar a visão pois os nossos olhos foram treinados para fazer precisamente o contrário: convergir no plano da imagem. Mas o que acontece se desfocarmos os preconceitos adquiridos ao longo dos anos da nossa vida e olharmos com olhos de ver as duas imagens seguintes? O que é que podemos ver, afinal, em cada uma delas? O que é que cada uma delas realmente diz?



(1) - Ler o livro online. Ver trailer do filme.

domingo, 4 de novembro de 2012

O que a máquina vê de nós

“A fotografia começou, historicamente, como uma arte da Pessoa: da sua identidade, do seu estado civil, daquilo a que se poderia chamar, em todas as aceções da expressão, o quanto-a-si do corpo.”
Roland Barthes, “A Câmara Clara”

Confesso que me arrepio sempre que sou obrigado a olhar para uma dessas fotos estampadas nos cartões de cidadão. Rostos deformados, olhares vazios, volumes esbatidos. Será inabilidade, desleixo, ou má vontade do funcionário que opera a máquina responsável pelas fotos? Nada disso. Mesmo levando a nossa foto preferida, a cores e com todos os retoques, chapam-nos no cartão uma máscara sem vida nem personalidade. A culpa será então da máquina, que interpreta grosseiramente os traços físicos particulares de cada indivíduo mas também esses sinais conotativos da personalidade que todo o ser humano reconhece noutro ser humano. Uma capacidade que se estende à fotografia de retrato feita por seres humanos, cuja qualidade não depende em exclusivo do realismo da fotografia, procura a chama da vida no rosto do fotografado, foca-se na personalidade e dimensão humana do indivíduo. A máquina fica-se pelas evidências físicas típicas mais genéricas, ao estilo dos “retratos robot” utilizados pela polícia.

Há poucos anos, os “retratos robot” eram desenhados por artistas ao serviço da polícia. Vi alguns desses retratos, cujas preocupações realistas exigiam sombras certas e texturas bem trabalhadas. Atualmente, os “retratos robot” são obtidos por computador a partir da sobreposição dos mais diversos elementos físicos e a máquina realiza automaticamente a pesquisa de fotos nas bases de dados disponíveis. Claro que as fotos de polícia também têm caraterísticas bem particulares, seja pelas condições em que são feitas, seja pelo interesse prático do registo fotográfico, mas exprimem uma dimensão humana do retratado que ele jamais estaria disposto a mostrar noutras circunstâncias. Essas fotografias reproduzem o olhar superficial e o desinteresse do funcionário encarregado de fotografar (quando se trata de um fotógrafo, os resultados são bem diferentes), tal como acontecia no antigo serviço militar obrigatório e vai acontecendo nas morgues, pois o seu propósito é recolher dados objetivos – tal como a máquina que nos tira o retrato para o cartão de cidadão. 

Os artistas que trabalham com a polícia preferem o anonimato, por razões óbvias – ao contrário dos artistas de tribunal, que ganham a vida retratando os momentos mais significativos dos julgamentos onde se proíbe a entrada de máquinas de fotografar e filmar. Dois dos mais conhecidos são americanos, William J. Hennessy Jr.  e Vicki Behringer. O que às vezes corre mal é a precipitação e o improviso, pois nunca houve maus desenhadores a trabalhar para a polícia. O famoso “retrato robot” do presumível raptor de Madeline McCann, muito parodiado pelos ingleses e espanhóis (1), transmitia apenas as dúvidas e perplexidade da polícia portuguesa relativamente a um caso que ainda hoje continua por resolver.


August Sander (1876-1964) foi perseguido pelo regime nazi 
pois os seus retratos de gente comum não se enquadravam 
na estética do nazismo.

Uma fotografia de retrato aceitável, na perspetiva humana, será aquela em que o fotógrafo interpreta a realidade a fotografar manipulando os mais diversos fatores (ponto de vista, composição, iluminação, efeitos especiais) de modo a destacar a dimensão humana do fotografado. Há imensa bibliografia sobre o assunto mas continuo a preferir o belíssimo livro de Roland Barthes, “A Câmara Clara” (2). Na perspetiva da máquina, tudo o que for além das características humanas essenciais é supérfluo e o próprio reconhecimento do indivíduo será reproduzido a partir dessa representação esquemática, criando e difundindo uma realidade distinta, uma realidade paralela.

E não poderá o homem, com toda a sua inteligência e criatividade, construir uma máquina que substitua um bom fotógrafo? Ainda não. E todas as tentativas nesse sentido não passam, para já, de curiosidades tecnológicas, tal como a máquina que pinta como um artista – inventada por engenheiros japoneses e apresentada este ano na principal feira de tecnologia japonesa, a CEATEC 2012. O que a nova máquina japonesa faz é imitar com exatidão os traços de artistas e calígrafos. Vários artistas induziram computadores a produzir obras plásticas, entre os quais o português Leonel Moura (Lisboa, 1948), mas não poderá nunca falar-se de obras de Arte. A máquina copia, imita com perfeição, reproduz com exatidão – por determinação humana. Vê-nos como é determinado que nos veja e talvez resida aí, no “como” e “para quê”, o principal problema. O homem sempre procurou humanizar o mundo à sua volta - seja atribuindo humores humanos aos elementos, desenhando os canteiros do jardim, imaginando animais falantes ou batizando catástrofes naturais com nome de gente - mas as tentativas de humanização da máquina tornaram-se obsessão desde os autómatos humanoides do séc. XVIII - bonecos mecânicos conhecidos por “Andróides”, precursores dos robots (3) - e acentua-se à medida que as máquinas adquirem autoconsciência e autonomia. Não estamos muito longe disso: muitas máquinas industriais conseguem já detetar as próprias avarias e reparar automaticamente algumas delas.

Todos estes progressos têm riscos. Desconfiemos de tudo o que parece só ter vantagens (um ensinamento que já vem dos filósofos pré-socráticos). O modo como a máquina nos vê pode tornar-se rapidamente no modo como a máquina nos trata. O que pretende dizer-nos realmente Carlo Collodi (1826-1890) com a história de Pinóquio (1883), um boneco de madeira que sonha transformar-se num menino de verdade? Ou Mary Shelley (1797-1851), que teve a ideia de Frankenstein num sonho acordado e escreveu o famoso romance, cujo título completo é “Frankenstein ou O Moderno Prometeu” (1818)? Escritas no século XIX, estas histórias foram mantidas como “best-sellers” ao longo de mais de um século e assim continuam (agora com a ajuda do cinema) rumo ao futuro, pois parecem o que são: histórias destinadas a um tempo que ainda não chegou mas que já se anuncia. Aonde nos conduzirá tudo isto, agora que  confiámos às máquinas todo o nosso conhecimento e memórias, todas as nossas economias, toda a nossa segurança, assim como os mais diversos botões que ligam e desligam as nossas vidas?

(1) - Legenda de uma reprodução do referido “retrato-robot” num site espanhol: “Siempre que uno se lamenta de la situación de España, puede consolarse pensando en Portugal: este es el acertado retrato del rostro que la policía portuguesa realizó cuando comenzó las labores de búsqueda. No hace falta decir más.”

(2) - BARTHES, Roland, A Câmara Clara, Edições 70, Coleção Arte&Comunicação, Lisboa, 1989. O título original (1980) é "La Chambre Claire: note sur la photographie".

(3) - O mais famoso automatista do século XVIII foi o francês Jacques de Vaucanson (1709 – 1782), secundado por mestres (quase sempre relojoeiros) como Jacquet-Droz (1721-1790), Louis Leschot (1779-1838). e o suíço Henri Maillardet (1745-?). Conhecidos por “Andróides”, os autómatos com forma humana eram peças complexas que reproduziam na perfeição os movimentos humanos de escrever, desenhar ou tocar instrumentos. O propósito dos automatistas era imitar a vida através de meios mecânicos e os seus autómatos fizeram sucesso em feiras, exposições e espetáculos na Europa e na América. Um autómato de Maillardet ainda funciona e pode ser visto no YouTube. O mais famoso era um imbatível jogador de xadrez, construído em 1770 por Wolfgang von Kempelen (1734-1804), que funcionava mecanicamente na perfeição mas cuja alegada “inteligência artificial” se devia, na realidade, a um exímio jogador de xadrez anão que operava a máquina escondido no seu interior.

A arte da ilusão: Alexa Meade e Emma Hack


Pintura de Alexa Meade

A artista americana Alexa Meade (n. Washington D.C., 1986) combina pintura e instalação para desafiar a perceção visual do observador. Utilizando modelos vivos, a artista cria quadros tridimensionais que, uma vez fotografados, parecem pinturas bidimensionais. A artista avisa: “Ver não é necessariamente acreditar”.

Alexa começou por estudar as sombras, desde as condições em que se produzem até à sua representação. As sombras no vestuário dos modelos são previamente pintadas com acrílico, ficando a pintura corporal (cabeça, braços e pernas) para o momento da exposição. Ver no YouTube.


Emma Hack, "Body Crash"

Outra artista com um trabalho muito interessante na área da pintura corporal, a australiana Emma Hack (Adelaide, 1973), trabalhou com tintas uma forma constituída por 17 modelos masculinos e femininos empilhados de modo a representar um automóvel acidentado. Intitulada “Body Crash”, a escultura-instalação foi encomendada pela organização australiana Motor Accident Commission – MAC, e a experiência pode ser vista no Youtube.

sábado, 3 de novembro de 2012

Exposição de Pintura em Seia, 1989

Sérgio Reis, "Mon Diego", 1989, óleo s/tela (Col. José Santos)

Acontecimentos recentes levaram-me a recordar a segunda exposição que realizei em Seia, em 1989, ano em que fui colocado na Escola Secundária de Seia para profissionalização e ainda não contava fixar residência na então jovem cidade (desde 1986). Calhou dar-me com um grupo de pessoas de espírito aberto, vontade de trabalhar e gosto pela sua terra, que me acolheram muito bem e envolveram nas suas dinâmicas sociais e culturais.

Em 1989, Seia não dispunha de uma sala de exposições digna desse nome. Quando havia necessidade de realizar alguma exposição documental ou de arte, optava-se normalmente pelos Paços do Concelho ou pela antiga sala do bingo, no piso superior do cineteatro, onde hoje se encontra o auditório da Casa da Cultura. Quando se tratava de mostras e exposições de grande envergadura, procurava-se o salão de festas dos bombeiros voluntários (como aconteceu com a Exposição Nacional de Pintura “Prémio Tavares Correia”, que organizei em 1993 no âmbito dos Encontros de Arte’93) ou o pavilhão gimnodesportivo, junto ao parque municipal, onde se mostravam anualmente as potencialidades industriais e comerciais do concelho, o principal objetivo da FIAGRIS – Feira Industrial, Comercial e Agrícola de Seia. A feira de negócios completava-se com a feira popular, tal como a festa religiosa não dispensa os excessos profanos, atraindo muita gente dos concelhos vizinhos e turistas de verão, mas principalmente os emigrantes que vinham da Europa e das Américas matar saudades da sua terra natal e dar corda aos negócios familiares.

Em suma, interessava-me mostrar os meus trabalhos durante a FIAGRIS, perto do recinto da feira e em local digno. Como a Câmara organizava então a FIAGRIS (só em 1995, salvo erro, as associações setoriais passaram a organizar a feira), apresentei uma proposta ao vereador da Cultura, Victor Moura, que não só apoiou a ideia da exposição como apresentou uma solução que me agradou desde logo e foi determinante para o sucesso da exposição: uma ampla loja desocupada na cave do Edifício Europa (Construções Ventura), voltada para o anfiteatro e a dois passos de uma das entradas da feira. A loja onde se encontra hoje a AGRISEIA, na rua Dr. António Melo Mota Veiga.



Graças às amplas janelas, iluminação melhorada e porta aberta para a rua, a exposição suscitava curiosidade e foi muito visitada, mantendo-se aberta no horário da feira graças à colaboração de alguns jovens – entre os quais Beto Cruz, que vive presentemente na Amadora mas sem nunca esquecer a terra natal. Esteve presente nas últimas edições da ARTIS com os seus projetos fotográficos “Marcas de Amor” (2008) e “Não Lápide” (2009), que também expôs em diversos locais de Lisboa e em várias localidades do país.

Foram expostas 10 telas e 4 guaches. O quadro principal era uma pintura a óleo intitulada “Mon Diego”, inspirada numa das várias lendas sobre a origem do nome do rio Mondego, mas a sua maior particularidade nada tem a ver com o tema mas sim com a técnica, já que deixei de pintar a óleo por essa altura e essa foi, até hoje, a minha última pintura a óleo. Felizmente, faz parte da coleção de um bom amigo, à data da exposição um respeitável desconhecido, tal como os outros visitantes que distinguiram o meu trabalho adquirindo algumas obras.

A exposição decorreu em Julho e Agosto de 1989 e as obras expostas eram as seguintes:

1 – “Mon Diego”, óleo s/tela
2 – “Interioridade”, acrílico s/tela
3 – “O Camponês e Suas Propriedades”, acrílico s/tela
4 – “Pescadores”, acrílico s/tela
5 – “Marionetas”, acrílico s/tela
6 – “Caminhos de Névoa”, acrílico s/tela
7 – “Ao entardecer”
8 – “O Pastor e a Sua Atitude”, acrílico s/tela
9 – “Iluminações”, acrílico s/tela
10 – “Recordações da Penha do Gato”, acrílico s/tela
11 – “Arqueologia do Gesto - I”, guache s/papel
12 – “Mineiros”, guache s/papel
13 – “Primavera”, guache s/papel
14 – “Sombras”

Outra curiosidade desta exposição é que, no seguimento de uma entrevista, promovi um concurso através da rádio da feira (som local), com uma pergunta de algibeira sobre Pablo Picasso. A participação do público foi generosa mas não houve vencedor, pelo menos a cem por cento, e o participante que se aproximou mais da resposta certa recebeu uma pequena pintura como lembrança.


Sérgio Reis, "Interioridade", 1989, acrílico s/tela (Col. José Santos)

Sérgio Reis, "O Camponês e Suas Propriedades", 1989, acrílico s/tela (Col. José Santos)

Sérgio Reis, "Mineiros", 1989, guache s/papel (Col. João Fernandes)