Instalada no pátio em frente ao Museu Gulbenkian, a "Casa" do artista brasileiro José Bechara (Rio de Janeiro, 1957) parece expulsar o recheio pelas aberturas, sugerindo expressões como “a casa vomita”, “a casa cospe”, “a casa expulsa”.
Bechara desenvolve este tema específico desde há largos anos, tendo apresentado o primeiro projecto num workshop de 100 artistas em residência, realizado a convite da Secretaria de Cultura do Estado do Paraná, em Maio de 2002. Então, Bechara lembrou-se de trabalhar a própria casa que lhe foi atribuída (uma casa térrea, de madeira) mostrando-a a expulsar a mobília pela porta e janelas na série fotográfica “Paisagem Doméstica” (ver “A Casa cospe”, 2002).
Com o desenvolvimento do projecto, a casa foi reduzida à sua mínima expressão construtiva e volumétrica, transformando-a numa escultura que evoca as construções elementares e precárias das favelas (pequenos volumes, geralmente cubos, com pequenas aberturas) até pelos materiais utilizados (contraplacados, lonas e papel oxidados, peles de animais). A mobília também mudou, repetindo-se as escadas/estantes e mesas. Mudou também o sentido global das obras, como em “Preta” (“casa” oxidada, expulsando mobília por aberturas que fazem lembrar uma cabeça, Rio de Janeiro, 2006), “blackblack” (duas “casas” pretas, expulsando mobília preta, obra datada de 2007), ou “Duas Cabeças com Preto” (duas “casas” oxidadas, 2007), enquanto em “Alva” (Rio de Janeiro, 2007), as formas são claras e luminosas.
A “casa” é apresentada como um corpo vivo minimal e em certa medida inteligente, fazendo o oposto do que seria de esperar de uma casa meramente funcional, que é conter, guardar, proteger. “Esta casa inverte tudo isso”, disse o artista numa entrevista à agência Lusa. A revolta da casa, que expulsa o seu conteúdo geralmente por três aberturas, aparece como metáfora das tensões interiores (individuais, familiares, sociais) para as quais é necessário encontrar frequentemente válvulas de escape, mas também dos atritos e conflitos que vão esclarecendo a origem de muitos problemas e forçando a procura de soluções. A série “preta” evoca a violência e o branco (série “Open House” – Alva) o espaço em branco onde tudo se inscreve, “pura disponibilidade” (Cesar Kiraly, crítico de arte brasileiro, em José Bechara: analítica do preto e do branco e suas cores).
A obra de Bechara tornou-se um projecto artístico de sucesso, inspirando análises e teorias diversas, tendo já sido mostrada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Madrid e Miami. Em Lisboa, encontra-se patente até 30 de Setembro, no âmbito do programa de cultura contemporânea “ Próximo Futuro”.
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