domingo, 4 de janeiro de 2009

José Santos e a “pintura com luz”

"Luzes" - Exposição no Museu Grão Vasco, Viseu, de 14 de Fevereiro a 21 de Março 2009.
"Senhor e Deus" - Exposição no Posto de Turismo de Seia, de 01 a 15 de Abril 2009.
Referência: Fernando Aznar (São Paulo, Brasil) em croquideluz.blogspot.com. Ver conteúdo.

A “pintura com luz” (ver texto em baixo) é uma modalidade recente mas cada vez mais explorada da fotografia, caracterizada pela utilização “plástica” da cor para exprimir conteúdos estéticos e poéticos da realidade. O termo “plástico” é a chave do conceito, na medida em que acciona uma identificação com a pintura (cuja matéria primordial é a cor), o que se compreende perfeitamente contemplando os trabalhos de José Santos.

Foto de José Santos

As fotografias de José Santos, que me parece ser um excepcional representante da actual “light painting”, caracterizam-se pelo elevado nível de utilização da cor, muitas vezes apresentada como corpo dinâmico, sugerindo ritmos, movimento, realçando os valores da cor e a interacção entre cores em composições abstractas de grande dinamismo e equilíbrio cromático. “Abstractas” no sentido em que valem por si próprias ao dispensarem qualquer sentido ou carga narrativa, mas com o poder de inspirar emoções, invocar memórias, induzir viagens imaginárias, fomentar o sonho – provando uma vez mais que são inúmeras as possibilidades de apreensão e exploração estética do real.

Estes resultados surpreendentes, acima das melhores expectativas, são alcançados com o mínimo de material e nenhum outro artifício para além da criteriosa selecção do objecto luminoso a fotografar e manipulação exclusiva dos meios mecânicos ao seu dispor, valendo-se do seu sentido estético sensível e de uma técnica fotográfica de experiência feita, sempre aberta a novas experimentações. Aí sobressai o melhor do artista, o entusiasmo com que explora de modo instintivo e emocional realidades apenas possíveis em universos que estão fora do alcance da visão humana comum.
Não se trata de uma fotografia “arranjada”, “manipulada”, “fabricada” em laboratório ou com recurso a programas informáticos – a denominada “fotografia fabricada”, uma das vertentes da “Fotografia manipulada”, que surgiu em meados dos anos 70 do século XX nos Estados Unidos e na Europa. José Santos recusa a utilização de software de optimização da imagem a nível da cor e até a tentação de alterar o enquadramento, com a preocupação de manter intacta a imagem inicial. Esta é, aliás, uma das condições da “light painting”, havendo quem vigie e critique estes procedimentos – como a artista canadense de origem russa, Tatiana Slepukhin, conselheira da “Photographic Society of America” na área da “light painting”.

Como artista, Tatiana Slepukhin pratica manipulações luminosas selectivas dos elementos a fotografar, geralmente monumentos e paisagens, intensificando o poder emotivo da cor no objecto fotográfico. A uma outra escala, as fotografias de José Santos impressionam igualmente pelo sentido poético da cor mas os conteúdos plásticos abstractos remetem para contextos estéticos marcados por uma enorme liberdade expressiva. Observando as fotografias de José Santos encontramos com facilidade as ambiências estéticas e as linhas definidoras da obra de Mikhaïl Larionov (Rayonismo), Willem de Kooning e Mark Rothko (Expressionismo abstracto), Jackson Pollock (Action Painting), Georges Mathieu (Arte informal), Frank Stella e Sol LeWitt (Minimal art).
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foto José Santos

Para os mais exigentes, a contemplação dos seus trabalhos de “pintura com luz” reclamará continuamente os parâmetros de interpretação plástica e usufruto estético próprios da pintura, numa saudável correspondência entre artes e géneros artísticos, concedendo à sua fotografia novos sentidos e horizontes. Uma interacção nada acidental, pois José Santos mantém há muitos anos uma relação pessoalíssima com a pintura. Conhecendo-se o Homem – de espírito jovem, curioso e dinâmico – compreende-se que a sua entrada no mundo das artes, como autor, não poderia ter sido de outra forma.


José Rodrigues Lopes dos Santos nasceu em Vila Verde e estudou no Porto, na Escola Raul Dória. Viveu seis anos nos Estados Unidos da América, onde frequentou a Union College, a Rutger’s University e participou activamente em várias iniciativas no campo cultural e nos media.
Foi Presidente do Orfeão de Seia, promovendo e dinamizando diversas acções de índole cultural e associativa, notavelmente o Primeiro Congresso Nacional de Coros (donde veio a ser criada a Federação Portuguesa de Coros), a promoção do Orfeão a Instituição de Utilidade Pública, a co-organização (com Mário Jorge Branquinho / jornal “Notícias da Serra”) da 1ª Gala do Concelho de Seia, preparação e apresentação de várias exposições, edição de serigrafias de Helena Abreu e António Joaquim, entre outras.

Dedica-se à fotografia nos tempos livres. A sua primeiríssima exposição decorrerá entre 14 de Fevereiro e 21 de Março de 2009 no Museu Grão Vasco, Viseu.

Foi distinguido, em 2008, com a Campânula de Mérito Empresarial, pelo Município de Seia, pelo trabalho de “mais de 50 anos na fábrica de curtumes que seu pai fundou, (…) acompanhando a evolução tanto do mercado como das técnicas de preparação das peles, protagonizando algumas acções que são marcos decisivos para que a empresa ainda hoje possa continuar a laborar.”

Fonte: “Mérito Municipal – Município de Seia – 03 JULHO 2008, edição CMS.


Desenhar e pintar com a luz

No período entre as duas grandes guerras do séc. XX, alguma fotografia já beneficiava de estatuto artístico e integrava as vanguardas artísticas internacionais, após a bem sucedida “batalha” dos “picturalistas”. No final do século XIX, os “picturalistas” justificavam a sua fotografia subjectiva, emocional, com as limitações da fotografia dita objectiva na apreensão do momento estético do real e exigiram a promoção da sua fotografia à categoria de Arte.

Robert Demachy, 1904

Artistas polivalentes como Man Ray, Robert Tatlin, Hans Bellmer, César Domela ou Alexandre Rodchenko integraram as suas experiências fotográficas na própria obra, praticando uma fotografia com preocupações artísticas e processos inovadores (fotomontagens, polarizações) que ficou conhecida por fotografia “plástica”.

Picasso desenhando com uma lanterna, 1924

Pablo Picasso realizou algumas experiências com luz, movido pela sua famosa curiosidade por tudo o que lhe parecia novo e diferente, a ponto de ser considerado um dos artistas mais polivalentes do séc. XX. Numa série de fotografias datadas de 1924, Picasso aparece a desenhar com uma lanterna. Utilizando recursos exclusivamente mecânicos (velocidade do obturador/tempo de exposição, abertura do diafragma), o fotógrafo de Picasso registou o movimento da lâmpada no escuro apreendendo e capturando todo o sentido do desenho do gesto, o percurso do ponto de luz, e finalmente o autor quando o flash dispara. Picasso chamou a este exercício “light graffitti” (rabisco de luz), sublinhando o desenho fotografado, designação que evoluiu para “Luminografia”, expressão que retoma a importância do processo fotográfico (foto+grafia = escrever com luz) na fixação do desenho de luz, e para “light paiting” (pintura com luz).

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