domingo, 27 de maio de 2012

Fotografia de Zaida González na Serpente


Zaida González, "Branca de Neve", fotografia colorida

A Serpente – galeria de arte contemporânea, apresenta até 2 de junho, uma interessante exposição de Zaida González, intitulada “Primera Comunión”.

Zaida Gonzáles Ríos é uma fotógrafa chilena (n. 1977, Santiago do Chile) formada pelo Instituto de Comunicación Alpes, que desenvolve desde 2000 um consistente trabalho na área da publicidade, não só a nível criativo mas, também, de compreensão teórica do fenómeno da fotografia publicitária, em conjunto com investigadores e artistas.

Em 2003, integrou o grupo de artes plásticas chileno “Miss Tres Senoritas” mas expõe desde 1999, ano da coletiva de fotografia "Ángeles y demonios", no Instituto Alpes. Desde então, tem realizado várias exposições individuais e coletivas no Chile, Venezuela, Colômbia, Argentina, EUA, Espanha, Bélgica, França, e agora em Portugal.

A exposição “Primera Comunión” foi a primeira que realizou fora do Chile, em 2004, integrada na IV Bienal de Arte e Fotografia de Liege, Museu Les Chiroux, Bélgica, e mostra-se agora no Porto, na Rua de Miguel Bombarda. O conjunto de imagens, fotografias analógicas a preto e branco coloridas à mão com tintas de aguarela, interpreta criticamente, com ironia, os costumes sociais de sociedades fechadas, retratando alguns tipos sociais em particular e a relação que se estabelece entre as pessoas, com destaque para as relações familiares e em particular a perspetiva machista do casamento. Os títulos sugestivos das exposições (“Las Novias de Antonio”, “Recuérdame al morir com mi último latido”, “Arroz con leche me quiero cazar” ou “Cinturón de castidad”, por exemplo) enquadram a respetiva temática, tratada como imagens oníricas evocando os retratos de família antigos, em ambientes simbólicos carregados de kitsch popular.

sábado, 26 de maio de 2012

Inauguração da Galeria Pátio-velho


Foi ontem inaugurada a galeria de arte do Pátio-velho, em Vale de Ferro, com a presença de muitos convidados, entre os quais entidades locais, artistas de Oliveira do Hospital e Seia, para além de  estrangeiros residentes que também se dedicam às artes.

A galeria é um espaço simpático e acolhedor, de planta retangular, que abre para um vasto pátio. Situa-se em Vale de Ferro, uma aldeia praticamente abandonada localizada na freguesia de Ervedal da Beira, concelho de Oliveira do Hospital, cujas casas estão a ser recuperadas.

Na inauguração, o Presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, José Carlos Alexandrino, a Vereadora da Cultura, Graça Silva e o Presidente da Junta de Freguesia de Ervedal da Beira, Carlos Maia, destacaram o interesse destas iniciativas para a dinâmica da freguesia e do concelho e valorizaram o contributo de moradores oriundos de países europeus como a Bélgica e a Holanda para o empreendorismo e riqueza da região.

Os acessos são o principal problema de Vale de Ferro e a galeria de arte pretende criar um polo de interesse turístico adicional a todos aqueles que privilegiam e procuram o contacto com a natureza e com os ritmos produtivos ancestrais.

A galeria tem patentes obras de pintura de Magda e fotografias de Herman mas prepara-se já uma exposição coletiva de artes plásticas para o verão.

Magda e Herman Mertens escutam José Carlos Alexandrino

Magda, Herman, José Carlos Alexandrino e Graça Silva




A Capela de Nossa Senhora das Necessidades domina a aldeia de Vale de Ferro, no cume do monte sobranceiro à galeria de arte Pátio-velho.

Notícia no blogue Pátio Velho
Notícia jornal Correio da Beira Serra (Oliveira do Hospital)

domingo, 20 de maio de 2012

O Pintor António Cruz, o Realizador Manoel de Oliveira e a Cidade do Porto


O pintor António Cruz, na cena inicial de "O Pintor e a Cidade"
(VER o FILME no YouTube)

“O Pintor e a Cidade” é um documentário sobre a cidade do Porto em 1956 através do olhar do Pintor, António Cruz (Porto, 1907-1983), e do Realizador, Manoel de Oliveira (Porto, 1908), que também assinou a fotografia. As aguarelas (com destaque para a animação com aguarelas, muito feliz, a fechar o filme) e as fotografias em movimento sobre o Porto procuram acompanhar-se mutuamente, com momentos de grande intimidade. Ficaram todos bem no filme: o mestre António Cruz, um grande nome das artes portuenses, exímio aguarelista (1); o realizador português Manoel de Oliveira, à data já com 48 anos, a realizar o seu primeiro filme a cores – um dos primeiros do cinema a cores em Portugal (2) - que haveria de lhe proporcionar o primeiro prémio internacional da sua longa carreira, a Harpa de Ouro do Festival de Cork, na Irlanda, para além do Prémio SNI para a Melhor Fotografia.

Em entrevista a João Bénard da Costa, em 1989, Manoel de Oliveira falou sobre a importância de “O Pintor e a Cidade”:

"Em 1955 fui à Alemanha. Havia já um curso sobre a cor, que me começou a interessar muitíssimo. Fiz um curso na Agfa, curso intensivo sobre a cor durante um mês. Depois fui a Munique ver as máquinas, e embrenhei-me outra vez. Arranjei uma máquina e comecei pelo Pintor e a Cidade que foi o meu primeiro filme a côr e um dos primeiros filmes portugueses a cor.
Fiz O Pintor contra O Douro. Enquanto O Douro é um filme de montagem, O Pintor é um filme de êxtases. Eu descobri no Pintor e a Cidade que o tempo é um elemento muito importante. A imagem rápida tem um efeito, mas a imagem quando persiste ganha outra forma. O Pintor e a Cidade é uma obra fundamental na minha carreira, na mudança da minha reflexão sobre o cinema. É a primeira vez que eu volto as costas a um cinema de montagem".


Em entrevista ao crítico de cinema arménio naturalizado brasileiro, Leon Cakoff, Manoel de Oliveira disse sobre “O Pintor e a Cidade”:


 “O Pintor e a Cidade é o meu primeiro filme em cores e também o primeiro filme português em cores, revelado nos laboratórios da Tobis Portuguesa. É, ainda, o primeiro filme onde faço tudo: produção, direção, fotografia. Mais tarde arranjei um auxiliar para fazer um som póstumo. E esse filme hoje caracteriza-se pela banda sonora, que não tem uma qualidade de som extraordinária, mas é muito apreciada. (…) Como se tratava de um filme a cores, levei comigo o pintor António Cruz, um aquarelista muito particular, que tinha muitas aquarelas sobre a cidade, e que eu admirava. E assim se deu ao filme o nome O Pintor e a Cidade, como se dera o nome a Portugal, que deriva de Porto-Cal. É um documentário onde eu me ensaio como operador (camera men). Quanto ao mais, já tinha praticado tal coisa em filmes anteriores.”

E por falar de documentários a cores, refiram-se os breves filmes que o filho de António Silva Tavares tem colocado no YouTube, realizados nos anos 50 em Kodachrome 16mm, com imagens verdadeiramente históricas:


Imagens raras da demolição do Palácio de Cristal do Porto no fantástico filme de A. Silva Tavares.
(VER O FILME no YouYube)

(1) - "O Pintor e a Cidade - Cinquenta aguarelas sobre o Porto de António Cruz", Edições ASA, 2003.
(2) - O primeiro documentário português a cores terá sido realizado em 1952 na Ilha da Madeira por Abel Caetano Escoto (n. Águeda, 1919-Lisboa, 1991), que foi diretor de fotografia de grandes filmes portugueses das décadas de 50, 60 e 70, tendo trabalhado com os principais realizadores nacionais – mas nunca com Manoel de Oliveira. A primeira longa-metragem portuguesa a cores foi “A Raça”, filme realizado em 1961 por Augusto Fraga – com Caetano Escoto na direção fotográfica.

Artistas chineses contemporâneos e a responsabilidade social do artista - II


Zeng Fanzhi – Série Máscaras, Nº6, 1996, oleo s/tela. A pintura mostra um grupo de jovens usando máscaras risonhas e lenços do Exército Vermelho.

Tentando desvalorizar a posição de Ai Weiwei, o governo chinês argumenta, justamente, que a China tem muitos artistas merecedores da atenção internacional. Uns, mais acertados ou concertados com o regime, e outros à margem do mesmo ou vivendo e trabalhando longe do seu país natal, especialmente nos EUA.

A China é uma grande potência mundial, a todos os níveis. Apesar das influências ocidentais, a arte chinesa contemporânea possui características próprias que emergem da sua história imponente e das elaboradas artes tradicionais. Xu Beihong (1895-1953) foi o pioneiro da arte moderna chinesa, beneficiando de uma perspetiva alargada da arte internacional graças aos estudos artísticos em Tóquio e Paris. Wu Guanzhong (1919-2010), que renovou o tradicional tema da paisagem, é outro nome de referência da arte chinesa do século XX. Curiosamente, Beihong e Guanzhong nasceram na mesma localidade, Yixing, na província de Jiangsu, famosa pela olaria tradicional.

Os artistas chineses contemporâneos com mais projeção internacional abordam temas sociais e políticos, sobretudo aqueles que viveram a infância durante a Revolução Cultural (1966-1969) e os protestos estudantis de 1989, reprimidos pelos militares em Pequim, com grande violência, mas sobretudo o encerramento forçado da primeira exposição coletiva de arte chinesa de vanguarda, “China / Avant Garde”, também em 1989. Esta exposição na Galeria Nacional da China, em Pequim, é um marco na história da arte chinesa contemporânea, pelo arrojo da ideia (exibir obras vanguardistas na Galeria Nacional da China, incluindo performances e instalações) e do resultado provocatório (uma exposição que mais parecia, segundo o artista Zhang Peili, “um mercado agrícola”), mas sobretudo pela reação imediata dos artistas, nomeadamente através da criação do movimento artístico “Realismo Cínico”(1), que direcionou a arte chinesa contemporânea desde 1989 para a crítica social e política.

Entre os artistas chineses contemporâneos mais conhecidos internacionalmente, para além do já referido Ai Weiwei, contam-se Cai Guo-Qiang, Fang Lijun, Gu Wenda, Yue Minjun, Wang Guangyi, Zeng Fanzhi, Zhang Dali, Zhang Huan, Zhang Xiaogang. São artistas inconformados, cujo traço comum é a responsabilidade social do artista, determinada pela sua consciência política. Uma linha seguida pelos artistas mais jovens, como Sun Yuan (n. Beijing, 1972) e Peng Yu (n. Heilongjiang, 1974), conhecidos por obras como “Old Persons Home” (2007) e pela manipulação de materiais extremos.

(1) - O “Realismo Cínico” carateriza-se pelo humor, cinismo, preferência pelas cores vivas e destaque das personagens individuais, tendo marcado a arte chinesa sobretudo nos anos 90 do século XX.

ALGUNS ARTISTAS REFERENCIADOS NO TEXTO

Cai Guo-Qiang (n. Quanzhou, Fujian, 1957, vive e trabalha em Nova Iorque) é conhecido pela sua arte pirotécnica (em especial, o fogo de artifício das Olimpíadas de Pequim, 2008) mas desenvolve uma obra plástica que mobiliza conceitos e mitos tradicionais chineses. As suas posições políticas, ampliadas pela reputação mundial da sua obra, tornaram-no um artista incómodo para o governo chinês.

Ding Fang (n. Nanjing, 1956) esteve ligado ao movimento de vanguarda que originou a primeira exposição vanguardista chinesa, em 1989. Expôs em várias galerias na Europa, EUA e Austrália. O Museu Nacional de Arte da China dedicou-lhe uma exposição retrospetiva em 2002. Ensina arte na Universidade de Nanjing.

Fang Lijun (n. Handan, Hebei, 1963, reside e trabalha em Beijing) liderou o movimento cultural chinês “Realismo Cínico” nos anos 90. Começou por estudar cerâmica e gravura mas a sua pintura, inicialmente mal recebida nos meios académicos, tornou-o conhecido internacionalmente.

Gu Wenda (n. Xangai, 1955, vive e trabalha em Nova Iorque) iniciou a sua carreira artística ainda na Guarda Vermelha e deixou a China em 1987. O seu trabalho ecoa a cultura chinesa, sobretudo as obras inspiradas na caligrafia chinesa. É também conhecido por usar cabelo humano nas suas obras.

Yue Minjun (n. em Daqing, Heilongjiang, 1962, reside e trabalha em Beijing) é um artista conhecido pelos seus retratos resplandecentes de ironia e cinismo, que o aproximam do movimento “Realismo Cínico” – uma ligação que o artista rejeita. A revista Time referenciou-o em 2007, originando a sobrevalorização das suas obras. Uma delas, “Execução” (1995), foi vendida por 5,9 milhões de dólares americanos. Nem por acaso, as figuras de Minjun exprimem o vazio do mundo atual e as personagens risonhas são a sua marca distintiva.


Yue Minjun, “Execução”, 1995

Zeng Fanzhi (n. Wuhan, 1964, vive e trabalha em Beijing, China) pratica uma pintura introspetiva, com base nas memórias e experiências quotidianas, procurando reinventar regularmente a sua expressão artística. Na série “Máscara” explorou o sentimento de solidão e isolamento e uma dessas obras (Nº6, 1996) tornou-se mesmo a mais cara obra de arte chinesa contemporânea, vendida por 9,7 milhões de dólares americanos. A pintura mostra um grupo de jovens usando máscaras risonhas e lenços do Exército Vermelho.

Zhang Dali (n. Harbin, 1963, vive e trabalha em Beijing, China) exprime-se sobretudo no graffiti mas são famosas as suas instalações com figuras de resina em tamanho natural, penduradas de cabeça para baixo, simbolizando a incerteza da condição dos trabalhadores migrantes na China.


Chinese Offspring”, figuras em resina e fibra de vidro, 2003 

Zhang Peili (n. Hangzhou, 1957) esteve ligado ao movimento de vanguarda que originou a primeira exposição vanguardista chinesa, em 1989, e foi o primeiro artista chinês a dedicar-se ao vídeo de arte. As suas obras de pintura, instalação e video, abordam questões sociais e incluem comentários políticos. Peili ensina na Academia de Belas Artes de Zhejiang.

Zhang Peili, “Last Words”, 2003, vídeo

Wang Guangyi (n. Harbin, 1957, reside e trabalha em Beijing, China) é o mais conhecido artista “pop” chinês, reinventando cartazes de propaganda da Revolução Cultural . Na série “Grande Crítica”, junta símbolos do consumismo com imagens de soldados e camponeses chineses.

Wang Guangui, Série “Grande Crítica”, “Coca-Cola”, 2005, óleo s/tela.


Zhang Huan (n. Anyang, Henan, 1965, vive e trabalha em Nova Iorque e Xangai) começou a sua carreira como fotógrafo e performer vanguardista em Pequim mas, com o tempo, apurou uma linguagem artística combinando o desenho, pintura, escultura e instalação. O seu interesse pelo Budismo tornou-se um tema recorrente na sua obra.

Zhang Huan, “q confucius nº2”, silicone, aço, fibra de carbono e acrílico

Zhang Xiaogang (n. Kunming, Yunnan, 1958) é um pintor simbolista e surrealista que se inspira na estética da era de Mao, nos surrealistas europeus e nas fotos de estúdio dos anos 50 para criar os seus impressionantes retratos imaginários de famílias e indivíduos. A série “Bloodline” (Linhagem) aborda as interações entre a vida privada e pública.

Zhang Xiaogang, Série “Bloodline”, “A Grande Familia nº3”, 1995

LINKs e FONTES:
VER: "Ai Weiwei e a responsabilidade social do artista".

Artistas chineses de VANGUARDA (1985-….)
GALERIA DO MUNDO (Arte chinesa contemporânea)
ARTISTAS CHINESES contemporâneos

Principais fontes:
Wikipedia; Saatchi Gallery; sites dos artistas; sites indicados.


sábado, 19 de maio de 2012

Ai Weiwei e a responsabilidade social do artista

O artista e ativista chinês Ai Weiwei

Apesar da crescente abertura ao mundo, após reaver Hong Kong e Macau e no seguimento dos convites a Taiwan para integrar a República Popular da China, o governo chinês mantém sob fortes restrições os direitos e liberdades dos cidadãos e reprime com vigor a dissidência política. Esta inflexibilidade do governo chinês, pouco condizente com os pacíficos ensinamentos da filosofia tradicional chinesa e prioridades humanistas do socialismo internacional, tem sido desastrosa para a imagem e ambições internacionais do gigante asiático, sobretudo quando suscita o envolvimento de organizações internacionais não-governamentais (ONGs) credíveis, como a Human Rights Watch ou a Amnesty International, e a mobilização da opinião pública através das atuais tecnologias de informação e comunicação.

A repressão exercida sobre ativistas como Liu Xiaobo (Prémio Nobel da Paz de 2010), ou Ai Weiwei (arquiteto e artista chinês), conhecida e condenada em todo o mundo, vai reavivando a memória dos lamentáveis incidentes ocorridos em 1989 na Praça Tiananmen, de onde saíram muitos destes ativistas, e não favorece a imagem internacional da República Popular da China.

O artista chinês Ai Weiwei (n. Pequim, 1957) é conhecido sobretudo pelas suas obras de escultura, arquitetura e instalação, cuja originalidade não dispensa um contínuo desejo e busca de rutura. Logo em 1978, foi um dos fundadores do grupo vanguardista de arte “Estrelas”, que se desfez quando Weiwei foi estudar para os EUA, na Parsons School of Design e na Art Students League, em Nova Iorque. Regressou à China em 1993, por doença do pai (o poeta chinês Ai Qing), onde deu início a alguns projetos que o tornaram conhecido nos meios artísticos internacionais, especialmente o arquivo de arte contemporânea China Art Archives & Warehouse, uma galeria para divulgar a arte experimental chinesa, em Pequim, e o estúdio de arquitetura e design FAKE.

O seu primeiro projeto arquitetónico foi a sua casa-estúdio em Caochangdi, em 1998, mas a sua obra mais grandiosa, mundialmente aplaudida, é o Estádio Nacional de Pequim, “Ninho de Pássaro”, construído para os Jogos Olímpicos de 2008. Até esse ano, a carreira artística internacional de Wewei era relativamente conhecida e apreciada pelo público em geral, apesar das suas participações nos principais certames e mostras coletivas internacionais, para além das várias exposições individuais em galerias e museus de referência, na Ásia, Austrália, América do Norte, América do Sul e Europa.

Apesar de sempre ter criticado as orientações políticas da República (os seus pais estiveram detidos em Xinjiang por delito político), foi na sequência das suas investigações sobre a dimensão humana do terramoto de Sichuan que caiu em desgraça junto do poder político. A sua insistência em contabilizar e divulgar a lista completa de jovens estudantes que perderam a vida na catástrofe devido à má qualidade da construção das escolas públicas irritou o governo, que fechou o seu blogue. Weiwei foi também agredido pela polícia quando se manifestava contra a prisão de um colega da investigação, tendo publicitado a cirurgia a que foi submetido em Munique para conter uma hemorragia cerebral, alegadamente em consequência da agressão policial. Desde então, agudizou-se o controlo e repressão do artista e ativista chinês, que foi impedido de sair da China por motivos de segurança nacional, e posteriormente detido sob a acusação de evasão fiscal. Libertado em junho de 2011, após prometer parar com as críticas e pagar uma multa milionária pela alegada fuga aos impostos (que foi paga com a ajuda de uma campanha internacional), Weiwei continua a ser uma referência incómoda na diplomacia interna e externa da China, no dia (19 de maio 2012) em que o ativista cego Chen Guangcheng deixou o país rumo aos EUA, após ter fugido da prisão domiciliária – onde se encontrava por exigir direitos para os deficientes chineses e condenar o aborto forçado nas comunidades rurais.

(Continua em: "Artistas chineses contemporâneos e a responsabilidade social do artista")

Ai Weiwei, "Ninho de Pássaro", Pequim, 2008

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Museu do Falso em Viseu


Está anunciada para as 18 horas, 05 minutos e 12 segundos do dia 18 de maio, Dia Internacional dos Museus, a inauguração do Museu do Falso, em Viseu.

Apresentado como o “único Museu de História concebido exclusivamente a partir de contribuições de artistas contemporâneos trabalhando sob a premissa de "Simulacro", o novo museu é uma “provocação” da dupla Luís Belo e Rui Macário para o dia dos museus, com catálogo disponível desde a inauguração AQUI.

Na Rua Silva Gaio, número 29, ainda uma tertúlia/prova da entrada de catálogo "Bixcóitons" (com proveniência: Occupy My Kitchen).




domingo, 6 de maio de 2012

D. Afonso Henriques na escultura portuguesa



A estátua de D. Afonso Henriques mais (re)conhecida pelos portugueses é da autoria de Soares dos Reis (Vila Nova de Gaia, 1847-1989) e pode ser apreciada atualmente na colina sagrada, em Guimarães. Trata-se de uma representação mítica do fundador da nacionalidade e primeiro rei de Portugal. O retrato é naturalmente imaginado.

Sempre me pareceu excessivo e até ofensivo realizar retratos imaginados e, muito pior, incorporá-los por via iconográfica no imaginário coletivo. É por respeito que os muçulmanos não representam Alá e, por respeito à verdade histórica e às figuras históricas cuja fisionomia é desconhecida, deveria evitar-se tanta criatividade enganosa.

Em 2009, a propósito dos 900 anos de Afonso Henriques, a Sociedade Martins Sarmento promoveu em Guimarães uma interessante exposição sobre os retratos imaginados do primeiro rei de Portugal, “Os Rostos de Afonso Henriques”, composta por 22 imagens do rosto que outros tantos artistas lhe deram ao longo dos séculos, na pintura, escultura e gravura (1). A exposição não deixou de fora a representação de Afonso Henriques por João Cutileiro, realizada em 2001 e colocada em frente das antigas portas da Vila de Guimarães (entre a Praça do Toural e o Largo João Franco), mas cuja particularidade é precisamente a falta de rosto, substituído por um elmo fechado.

O estudo das ossadas do primeiro rei de Portugal, guardadas no túmulo seiscentista da Igreja de Santa Cruz em Coimbra, permitiria saber, entre outras coisas, como era o seu rosto (2) à data da morte e simular com precisão o seu rosto em várias idades. No entanto, a abertura do túmulo foi cancelada no último momento em 2006 pela ex-ministra da Cultura Isabel Pires de Lima. Novo pedido de exumação foi recusado em 2007.

No reinado de D. Manuel I, as ossadas foram transladadas do túmulo medieval para o magnífico túmulo da autoria de Nicolau Chanterenne, que terá sido aberto uma única vez, em 1832, a mando do rei D. Miguel. Mas serão mesmo as ossadas de Afonso I? As peripécias de 2006 e 2007 envolvendo o IPPAR inspiram dúvidas. Que segredo ou verdade incómoda se encontra guardada – e adiada – em Santa Cruz de Coimbra?

O rosto da estátua de Soares dos Reis (1887) mostra um Afonso Henriques jovem, na força da idade, de olhar vivo e intenso, com abordagem formal e tratamento plástico inovadoras na época. Refira-se que só depois da sua morte, em 1989, Soares dos Reis foi considerado um renovador da escultura do seu tempo e “O Desterrado” (1872) foi destacada como a obra mais notável da escultura do século XIX. O escultor suicidou-se no seu atelier em Gaia, desgostoso com a incompreensão dos críticos e do público.

Parece ter havido também problemas com a estátua de D. Afonso Henriques, cujo projeto teve duas versões. Na primeira versão, a manga era comprida e a cota de malha terminava acima do joelho, talvez mais de acordo com a verdade histórica (3) mas pouco condizente com o espírito puritano do séc. XIX burguês, e a versão final mostra a cota de malha cobrindo as pernas quase até aos tornozelos e manga curta. Certo é que a conclusão da estátua se atrasou dois anos, pois a sua inauguração estava prevista para 1885, quando se comemoraram 700 anos sobre a morte do fundador da nacionalidade.


As duas versões da estátua.

A estátua de Soares dos Reis foi considerada um paradigma pelo Estado Novo, que a utilizou abundantemente na propaganda do regime. Uma réplica da estátua de Guimarães foi colocada em 1947 no Castelo de S. Jorge, em Lisboa, e existirão mais duas cópias no Regimento de Artilharia em Vila Nova de Gaia (4). Uma dessas cópias em gesso, presumivelmente obra do próprio Soares dos Reis, deu origem à estátua inaugurada em 1999 no castelo de Santarém.

D. Afonso Henriques, nasceu em Guimarães ou Viseu, provavelmente no verão de 1109, filho de Henrique, da família ducal de Borgonha (atualmente uma região de França) e de Teresa, da família real de Leão (atualmente uma parte da comunidade autónoma espanhola de Castela e Leão). Segundo a lenda, foi batizado em Guimarães em 1111, na capela românica de São Miguel. Faleceu em Coimbra, no final do ano de 1185, após um longo reinado de conquistas e organização do território.
  
Notas
(1) - O catálogo da exposição, muito completo, pode ser consultado ou adquirido no Museu Martins Sarmento ou através de encomenda via mail.
(2) - Em declarações à imprensa, a antropóloga responsável pelo projeto, Eugénia Cunha, explicou que a exumação tinha por objetivo fazer a reconstrução física de D. Afonso Henriques e recuperar «episódios da vida do rei guardados no seu esqueleto». 

(3) - Soares dos Reis era admirador de Alexandre Herculano (1810-1877), historiador e autor de narrativas históricas cuja ação situava preferencialmente na Idade Média, nos alvores da nacionalidade. A famosa escultura “O Desterrado” terá sido inspirada por versos de A. Herculano.
(4) - D. Afonso Henriques é o Patrono do Exército Português, cujo dia festivo evoca a tomada de Lisboa (24 de outubro de 1147).


D. Afonso Henriques na Escultura portuguesa


Procede da Igreja românica de São Pedro de Rates uma estátua representando supostamente D. Afonso Henriques, coroado e com espada. De fundação muito antiga, a igreja de Rates foi reconstruída no princípio do séc. XII a mando do Conde D. Henrique e acolheu os cluniacenses, que aí introduziram a ordem beneditina. A escultura pertence ao Núcleo Museológico da Igreja Românica de São Pedro de Rates. Foto de Mário Fonseca.



A mais antiga representação do primeiro rei de Portugal encontra-se atualmente no Museu Arqueológico do Carmo, em Lisboa. Trata-se de uma escultura em mármore do séc. XII-XIII, procedente da Ermida de S. Miguel da Alcáçova de Santarém. A pose da figura é semelhante à da escultura de Rates.


A estátua jacente de D. Afonso Henriques, da autoria de Nicolau Chanterenne, data de 1520 (reinado de D. Manuel I) e integra-se num grandioso túmulo na Igreja de Santa Cruz de Coimbra.

A escultura em granito existente no Convento de Santa Maria do Bouro, em Amares, apresenta uma representação de D. Afonso Henriques, do Séc. XVII/XVIII que parece inspirada no retrato imaginado por Nicolau Chanterenne para o túmulo de Santa Cruz. O autor da estátua de Santa Maria do Bouro é desconhecido.



D. Afonso Henriques, escultura em mármore do séc. XVIII de autor desconhecido, na Sala dos Reis, Mosteiro de Alcobaça. As estátuas da Sala dos Reis representam os Reis de Portugal até D.José I e foram esculpidas pelos monges.


A estátua a D. Afonso Henriques existente na Avenida Ernesto Korrodi em Leiria, é originária de Casal do Rei (Vidais, Caldas da Rainha). Aí, existiu um monumento que incluía essa estátua, encimando um arco com a inscrição: ‘O Santo Rei D. Afonso Henriques Fundador de Alcobaça’. O arco marcava o início dos coutos de Alcobaça. O autor e a data de realização da escultura são desconhecidos mas trata-se de uma escultura do séc. XVI. O arco foi derrubado em 1911 ou 1912, conta-se que destruído pelos republicanos mas também que ruiu durante um sismo. Certo é que a escultura foi recolhida por um morador e mais tarde levada para o antigo Paço Episcopal de Leiria (depois Regimento de Artilharia Ligeira nº 4 e atualmente a PSP) e finalmente integrado no arranjo da base do monte onde se ergue o castelo de Leiria.
O Arco da Memória foi entretanto reconstruído em Casal do Rei e constituiu-se um movimento para exigir o regresso da estátua de D. Afonso Henriques ao seu local original.

O arco que assinalava o início dos coutos de Alcobaça, encimado pela estátua a D. Afonso Henriques. In “Por Caminhos de Cister”.

As paredes exteriores do Palácio de Vila Flor, em Guimarães, são decoradas com estátuas do séc. XVIII, em granito, de autor desconhecido, representando os reis de Portugal. Entre elas, não poderia faltar a estátua de D. Afonso Henriques, esculpida ao gosto do barroco, apesar das limitações do granito.


Da autoria de Soares dos Reis, a famosa estátua de Guimarães foi inaugurada em 1874 na Praça D. Afonso Henriques, hoje uma parte da Alameda de São Dâmaso. A estátua foi depois transladada para a Praça do Toural em 1911, onde se manteve até 1940, ano em que foi colocada junto ao castelo de Guimarães. A mudança da estátua para o local primitivo, na Alameda de S. Dâmaso fazia parte da candidatura de Guimarães a Capital da Cultura mas continua (Abril 2012) na Colina Sagrada.

A estátua na antiga Praça D. Afonso Henriques, hoje uma parte da Alameda de São Dâmaso

A estátua a D. Afonso Henriques no Largo do Toural (Ilustração Moderna, 1928, foto de Marques Abreu, reproduzida no blogue Araduca).

No Castelo de São Jorge, em Lisboa, foi erigida em 1947 uma réplica da estátua de Guimarães, no âmbito da comemoração dos 800 anos da Conquista de Lisboa aos mouros (1147).

A estátua de D. Afonso Henriques existente no Jardim das Portas do Sol, em Santarém, foi fundida a partir de um gesso, presumivelmente do próprio Soares dos Reis, existente no Regimento de Artilharia da Serra do Pilar e inaugurada em 1999. Foto de Carlos Luis Cruz.


D. Afonso I, obra de Maximiano Alves realizada em 1940 para a Exposição do Mundo Português (Pavilhão da Fundação). A Exposição foi um feito soberbo para a época, mobilizando grande número de arquitetos e artistas nacionais, naturalmente bem relacionados com o Estado Novo. Maximiano Alves  (Lisboa, 1888-1954) era escultor formado pela Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde foi aluno do escultor Simões de Almeida (tio) e colega do escultor Francisco Franco. Recebeu o grau de oficial da Ordem de Cristo por uma das suas principais obras, o Monumento aos Mortos da Grande Guerra.



“Fundação de Portugal”, medalha de bronze do escultor João da Silva, 1940. João da Silva (1880-1960) frequentou a Escola de Artes Industriais, Genebra, e a Escola de Belas Artes de Paris. Autor de várias estátuas (entre as quais os monumentos aos mortos da Grande Guerra, em Valença, Porto e Évora), distinguiu-se sobretudo como medalhista. Recebeu o Prémio Soares dos Reis em 1948 e 1951 e a Medalha de Honra da SNBA.



A estátua de D. Afonso Henriques existente no topo norte do Jardim de Campo Grande, Lisboa, é da autoria de Leopoldo de Almeida e do arquiteto Guilherme Rebelo de Andrade (1891-196) e data de 1950. Realizada em mármore de Lioz, com 2,80 m de altura, foi inicialmente colocada junto à porta principal do Salão Nobre dos Paços do Concelho da capital, em 1951, onde se manteve algumas décadas. Ver a estátua na sua localização original . Em 1997, foi deslocada para o Campo Grande, substituindo a estátua do Marechal Carmona.

Leopoldo de Almeida (1898-1975) era diplomado pela ESBAL, onde chegou a ser professor de desenho (1943) e escultura (1950). Participou no I Salão dos Independentes (1930), salões da SNBA (onde obteve uma Medalha de Honra e o Prémio Soares dos Reis), Exposição de Arte Moderna (SPN). Colaborou na Exposição do Mundo Português (1940) sendo autor do Padrão dos Descobrimentos. Autor de inúmeras estátuas no país, entre as quais “D. Afonso Henriques” (Lisboa), Nuno Álvares Pereira (Batalha), “D. João I” (Lisboa).



A estátua de bronze a D. Afonso Henriques colocada no jardim do castelo de Ourique em 1979 evoca a batalha travada em 25 de Julho de 1139, tão determinante que as suas tropas o terão aclamado Rei de Portugal ainda no campo de Ourique. Em 1140, D. Afonso era já referido como "Rex Portugallensis" (Rei dos Portucalenses ou Rei dos Portugueses).


Torres Novas foi conquistada aos mouros por Dom Afonso Henriques em 1148. Quarenta e dois anos depois, era uma terra em franco progresso, tendo merecido carta de foral de D. Sancho I. O busto de bronze é da autoria do arquiteto João Sousa Araújo, realizado em 1992 e  inaugurado a 03 de outubro de 1993. O monumento comemora os 850 anos do Tratado de Zamora e o mesmo autor realizou uma segunda versão do monumento destinada a Zamora. Foto: Paulo Carreira.


Versão do busto de Dom Afonso Henriques em Torres Novas, da autoria do arquiteto João Sousa Araújo, o Monumento a Dom Afonso Henriques em Zamora comemora os 850 anos do Tratado de Zamora. Foi inaugurado em 1993 na presença de Sua Majestade o Rei de Espanha, o Presidente da República de Portugal e o Presidente da ALA – Academia de Letras e Artes.


A primeira estátua equestre de D. Afonso Henriques foi realizada em 1984 por Gustavo Bastos e tratou-se de uma encomenda militar. Foi inicialmente colocada junto ao Quartel General do Porto e inaugurada em 1985. Apesar de ter sido discípulo de Salvador Barata Feyo, autor das apreciadas estátuas equestres de D. João VI e Vímara Peres, no Porto, Gustavo Bastos subestimou as expetativas dos militares (terá mesmo usado como modelo vivo um velho garrano) e a obra não agradou, sendo mais tarde levada para o pátio do Museu Militar do Porto, onde se encontra atualmente, mal exibida e praticamente esquecida. Foto Francisco Sá Lopes.


O monumento “Torneio de Valdevez” é da autoria do escultor José Rodrigues e foi inaugurado em 1997 em Arcos de Valdevez. Composto por duas estátuas equestres frente a frente, representando os primos D. Afonso Henriques e D. Afonso VII de Leão, evoca o célebre torneio provavelmente ocorrido em 1140, na Portela do Vez. A vitória dos portugueses foi determinante para a celebração do Tratado de Zamora, em 5 de outubro de 1143, data oficial da independência de Portugal e início da dinastia afonsina.


Em 2001, foi inaugurada a escultura de João Cutileiro (n. Lisboa, 1937) representando D. Afonso Henriques, em frente das antigas portas da Vila de Guimarães.  Realizada em mármore de Guimarães, a escultura de João Cutileiro não inventa um rosto a D. Afonso, ao contrário do que fez com o filho, D. Sancho I (Torres Vedras, 1990). O elmo acentua a faceta guerreira de Afonso Henriques, mas a controversa estátua ao Marques de Pombal em Vila real de Santo António, também de Cutileiro, não tem assumidamente um rosto. O escultor preferiu exprimir a personalidade polémica e a importância histórica de Sebastião José de Carvalho e Melo através de um complexo jogo de volumes geometrizados e texturas, evocando o estilo Pombalino.



Capa do catálogo da exposição “Os Rostos de Afonso Henriques”, Sociedade Martins Sarmento, Guimarães, 2009