quarta-feira, 19 de junho de 2013

A marca inconfundível de Yayoi Kusama



A artista japonesa Yayoi Kusama (草間 彌生 ou 草間 弥生) nasceu em 1929 em Matsumoto, Nagano. Conhecida pelas suas obras obsessivas com pontos de várias dimensões e cores e ambientes infinitos, é na realidade uma artista completa, que explorou uma grande variedade de técnicas artísticas ao longo da sua carreira: pintura, desenho, colagem, escultura, performance, instalação, design.

Após estudos artísticos convencionais no Japão, Kusama sentiu-se atraída pela arte ocidental e mudou-se para os EUA em 1958. Aí explorou as mais diversas técnicas artísticas oferecidas pelas vanguardas nova-iorquinas e desenvolveu a sua obra, balizada pela Pop Art, abstracionismo geométrico e Minimalismo. Nos anos 60, as suas ações artísticas radicais em favor da paz e contra a guerra do Vietname colocaram-na na ribalta das artes nos EUA. Começou a pintar grandes telas com padrões repetitivos, que prolongou depois pelas paredes, pelo chão e pelo teto, criando ambientes alucinantes. As suas instalações mais conhecidas caracterizam-se pela acumulação de formas e objetos iguais. Na performance, pintava os participantes com pontos coloridos ou vestia-os com as suas criações estilísticas, integrando-os em ambientes construídos com padrões óticos obsessivamente repetidos.

Regressou ao japão em 1973, dedicando-se também à escrita – contos, romance, poesia. O agravamento dos seus problemas obsessivos levam-na a entrar voluntariamente para uma instituição de tratamento de doenças mentais. Com o apoio de uma equipa de assistentes, dividiu os seus dias entre esse local e o seu atelier, nos arredores de Tóquio, continuando a trabalhar novas ideias e a produzir as obras de arte que lhe asseguram uma posição de destaque na arte japonesa contemporânea.

Em 1993, foi a figura central do pavilhão japonês na Bienal de Veneza, com o seu projeto “Quarto de Espelhos (Abóbora)”. Expôs nas principais galerias de arte internacionais e produziu obras de arte pública para instituições públicas e privadas no Japão (Fukuoka, Naoshima, Matsumoto), França (Lille) e EUA (Beverly Hills). A sua obra encontra-se representada nas coleções de importantes museus, como o Museu de Arte Moderna de Nova York, Los Angeles County Museum of Art, o Stedelijk Museum de Amsterdão, o Centro Pompidou em Paris e o Museu Nacional de Arte Moderna de Tóquio.

Y. Kusama em video (2012)
Site oficial

domingo, 2 de junho de 2013

Num dia como este, nasceu o pintor e arquiteto florentino Niccola Nasoni

Pintura de Niccola Nasoni na Sé Catedral de Lamego

A comemoração dos 250 anos da construção da Torre dos Clérigos constitui uma boa oportunidade para evocar Nicolau Nasoni, a figura e a obra. Em agosto de 2013, passam exatamente 240 anos sobre a sua morte – curiosamente, o número de degraus que conduzem ao topo da Torre dos Clérigos.

Se a obra arquitetónica de Nasoni é numerosa e (re)conhecida (1), a vida do pintor e arquiteto florentino mostra bem a dimensão do artista, um génio da versatilidade, um “camaleão” (2), revelando grande capacidade de adaptação em novos contextos sociais e artísticos. Embora beneficiando de alguma “sorte”, certo é que soube aproveitar as oportunidades e relacionar-se com as pessoas certas, antes e depois de chegar ao Porto, para se tornar um dos mais importantes nomes do Barroco. Se tivesse ficado em Itália, provavelmente não seria hoje conhecido (2).

Os ensaios biográficos sobre Nasoni (3) são geralmente muito breves no que respeita ao pintor Niccolo Nasoni e quase omitem os acontecimentos em Malta, que o trouxeram ao Porto em 1725. Nasceu a 2 de junho, como eu (embora com 267 anos de diferença), a sua obra é admirável e por isso aqui fica, nesta data, este texto de homenagem.

Niccolo Nasoni (1691-1773) nasceu na pequena localidade de S. João de Valdano, então território florentino e atualmente uma localidade da região italiana da Toscânia. Aprendeu a pintar com um mestre local, Vicenzo Ferrati. Em 1709, Nasoni acompanhou Ferrati a Siena, para a realização de um fresco, aproveitando a influência do mestre para se insinuar no meio artístico local. Quando Ferrati morreu, em 1711, Nasoni tornou-se discípulo de um pintor importante, Giuseppe Nasini (1657-1736), com quem trabalhou cerca de uma década, participando na pintura de frescos em Sienna, Bolonha e Roma.

Ferrati e Nasini eram pintores de figura humana e os pintores trabalhavam geralmente em grupo, cada qual ocupando-se de áreas específicas da obra. Terá sido por esse motivo que Nasoni aprendeu a “quadrattura” em Bolonha, uma técnica de representação em perspetiva que intensificava a ilusão da profundidade, o “trompe l’oeil”. Mas por detrás do pintor, revelou-se muito cedo o arquiteto, o criador de composições volumétricas com efeito cenográfico, teatral, ricamente decoradas, embora com dimensões e durabilidade muito longe da monumentalidade secular das grandes obras escultóricas: os famosos aparatos de arquitetura efémera - cadafalsos funerários, arcos triunfais, carros alegóricos para as celebrações e procissões típicas do Barroco. Na Academia dei Rozzi, então uma associação de artesãos e atores de teatro, Nasoni angariou prestígio com essas obras, sendo frequentemente escolhido para orientar os trabalhos artísticos de cerimónias e cortejos.

Siena rivalizava então com Florença e Bolonha, mas havia pouco espaço para os pintores e Nasoni aceitou uma encomenda do grão-mestre da Ordem de Malta, o português D. António Manuel de Vilhena, que mandara procurar pintores para a Catedral de São João de La Valletta e para o seu palácio. Em 1724, Nasoni pintou e assinou um teto no palácio do grão-mestre, que apreciou o trabalho, e terá estabelecido boas relações com outro fidalgo ligado á Igreja Católica, o português D. Roque de Távora e Noronha. Talvez confiando excessivamente nesta proteção ou envolvido num qualquer jogo palaciano, Nasoni atreveu-se a reclamar virulentamente da Inquisição um pagamento em atraso. Acusado de blasfémia, foi encarcerado.

Certamente por influência dos portugueses, em particular D. Roque de Távora e Noronha – a quem o irmão, o deão da Sé do Porto, pedira que lhe mandasse um pintor de excelência – Niccolo Nasoni foi retirado da prisão e enviado para o Porto, após abdicar por escrito de tudo quanto lhe era devido pela Inquisição.

Assim aparece Nasoni no Porto, em 1725, ainda como pintor de frescos e ao serviço de D. Jerónimo de Távora e Noronha, deão da Sé Catedral do Porto. Em 1717, o bispo D. Tomás de Almeida fora nomeado Patriarca de Lisboa (um acontecimento que se repetiu a 18 de maio 2013, com a nomeação de D. Manuel Clemente) e o deão da Sé ficou a liderar a diocese do Porto.

As primeiras tarefas de Nasoni foram as pinturas da sacristia e do altar-mor da Sé do Porto – que dedica, reconhecido, ao seu protetor:

"NICCOLO NASONI FIORENTINO NATURALE DELLA TERRA DI S. GIOVANI VAL DARNO D. SOPRA DIE A DI PINGERE IN QUESTA SE IL 9RE DE 1725 E ORA 1731 E VENE PER MEZZO VENE DEL S.R. DECANO GIROLAMO TAVORA E NOROGNA"

Entretanto, casa em 1729 com Isabel Castriotto Riccardi, uma cantora italiana em trânsito pelo Porto, que faleceu no ano seguinte, ao dará à luz o primeiro filho de Nasoni.
Em Mafra, construía-se então a obra da época, o palácio e convento barroco projetado pelo arquiteto alemão de formação romana, João Frederico Ludovice, obra iniciada em 1717 no meio de grande entusiasmo popular. Portugal vivia um período de grande riqueza, graças ao ouro que chega do Brasil às toneladas, mas as grandes obras concentravam-se na capital e arredores. A cidade do Porto não pretendia ficar para trás e Nasoni vê aí uma oportunidade para aplicar os seus conhecimentos de arquitetura, primeiro em pequenos projetos e depois em obras de grande porte, das fontes e quintas de lazer aos palácios, das capelas às igrejas, beneficiando sempre do apoio do deão da Sé e da sua influência junto das maiores famílias do Porto – que se encontravam ligadas à Igreja através do clero e das Irmandades. A ligação de Nasoni a D. Jerónimo era tal que este foi testemunha do seu primeiro casamento (1729), padrinho do primeiro filho (1930) e padrinho do seu segundo casamento (1930), com a aia de sua mãe. No ano da consagração da Basílica de Mafra, 1730, Nasoni trabalha ainda nas pinturas da Sé, realiza também alguns pequenos trabalhos arquitetónicos na própria Sé e na Quinta dos Cónegos, a quinta de recreio dos bispos do Porto na Maia.

Embora a arquitetura portuguesa se confundisse então com a engenharia militar (os arquitetos que reconstruíram Lisboa após o terramoto de 1755 eram, na realidade, engenheiros militares) e os verdadeiros arquitetos fossem estrangeiros, a verdade é que Nasoni praticamente eclipsou a concorrência no Porto. Alguns arquitetos viram mesmo os seus projetos escrutinados e alterados por Nasoni  a pedido dos respetivos clientes, como aconteceu com a Igreja da Ordem Terceira do Carmo, projetada por José Figueiredo Seixas, e cuja fachada intervencionada por Nasoni é uma das obras-primas da arquitetura Rococó portuguesa.

Mas Nasoni não teve apenas “sorte” com os mecenas, então fundamental para realizar obra de envergadura e garantir a persistência da obra e a memória do seu autor ao longo dos séculos. O norte era conhecido pelos seus canteiros, hábeis escultores do rude e duro granito, que não possuía a leveza nem as qualidades plásticas dos calcários, como a pedra de Ançã da Sé Velha de Coimbra ou o calcário fino dos Jerónimos, e por isso não era possível realizar no norte grandes construções em altura, com espaços mais abertos e, sobretudo, as decorações esculpidas características do Gótico e do Manuelino (4). Nasoni soube encontrar e escolher, entre os canteiros, os mestres dos mestres, que cortaram e trabalharam o granito com grande habilidade e sensibilidade. Sabe-se o nome de um desses mestres canteiros, António Pereira, que lavrava o granito com tanta habilidade que lhe extraía formas delicadas e precisas, autêntica filigrana (5). De resto, o arquiteto era extremamente exigente com a qualidade do trabalho dos canteiros, que o seu protetor explicava aos amigos deste modo:

De ordin.ro ouço queixar a este homem que os Mestres lhe faltão preceitos da obra (...) Os mestres he que fogem das suas plantas porque como os tira do sapateado, não querem coisas q lhe dem cuidado".

Seria natural que Nasoni tivesse descurado o exercício da pintura, embrenhado em tantos projetos e obras a acompanhar, mas isso não aconteceu. Em 1737 foi chamado a pintar os tetos da Sé de Lamego, obra reveladora de grande virtuosismo. As colunas salomónicas, balcões e abóbadas pintadas em perspetiva de acordo com a técnica da “quadrattura”, os anjos e a profusão de ornamentos ao gosto barroco, conjugam-se em quadros vibrantes de luz e cor. O observador é induzido a olhar para além do teto, descobrindo espaços dentro de espaços e janelas onde é suposto existir uma barreira física – inspirando experiências espirituais.

De seguida, realiza composições semelhantes nas pinturas murais da igreja de Santa Eulália da Cumieira (Santa Marta de Penaguião),  "multiplicando jarras, urnas, pedestais e volutas numa opulenta desordem que evoca grandeza" (6). Estas pinturas de Nasoni foram caiadas em 1951 durante as obras de reparação da igreja, tendo restado apenas a assinatura (7):

"NICOLAO NASONIO SENENSIS PINGEBAT ANNO 1739" (pintado por Nicolao Nasoni de Siena no ano de 1739). 


Em 1749 trabalhou nas pinturas da Igreja da Ordem Terceira, no Porto. Terá realizado mais pinturas noutras obras, muito provavelmente no Palácio do Freixo (1742-1754) por se tratar de uma encomenda muito especial do seu amigo e protetor D. Jerónimo de Távora e Noronha.

A finalizar, uma breve nota sobre o final da vida de Nicolau Nasoni, que aparece envolto em grande mistério. Após a morte do seu mecenas, que geria a sua fortuna, um dos filhos assumiu essa função e Nasoni perdeu somas consideráveis em péssimos negócios no Brasil, acabando os seus dias miseravelmente. Outra versão, conta que foi acolhido pelos Clérigos Pobres no seu hospital, como prémio por ter trabalhado graciosamente para a Irmandade, e aí terá falecido. Todas as versões garantem que Nasoni foi sepultado no interior da Igreja dos Clérigos, só não se sabe em que local. Fala-se na existência de retratos do pintor e arquiteto, que desapareceram, assim como não se conhece nenhuma planta original de Nasoni, apesar da quantidade de obras que lhe são atribuídas. O alegado retrato de Nicolau Nasoni existente na torre dos Clérigos será, na melhor das hipóteses, um “retrato” realizado muitos anos depois da sua morte e, portanto, um retrato imaginado (8).

Notas:

(1)-Talvez mesmo excessivamente reconhecida dada a quantidade de obras que lhe são incorretamente atribuídas. O seu sucesso como arquiteto terá criado um vasto grupo de seguidores que criaram as suas obras ao estilo de Nasoni e o misterioso desaparecimento das suas plantas alimentou a confusão.

(2)-Giovanni Tedesco (historiador italiano, especialista em Nasoni), no programa “Caminhos da História”. Giovanni Battista Tedesco é doutorado em Historia da Arte Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2012).

(3)-Cristina Vaz publica uma interessante biografia de Nasoni no site Vidas Lusófonas.

(4). A abóbada da Igreja dos Clérigos, inicialmente construída em granito, foi mesmo substituída por outra de mármore após a derrocada da primeira.

(5)-A filigrana já era utilizada na antiguidade clássica por gregos e romanos mas existe certamente uma relação entre a filigrana em ouro e prata, típica do norte de Portugal, o rendilhado das decorações arquitetónicas e as estruturas dos vitrais.

(6) "Nicolau Nasoni, arquitecto do Porto", SMITH, Robert C., 1966.

(7)-Fonte: IGESPAR. Esta história da caiadela intempestiva lembrou-me a tradicional morosidade do IGESPAR (ex-IPPAR) em alguns processos urgentes. O que pode ser mau pois ainda hoje há gente sempre disposta a uma boa caiadela.

(8)-Sobre o alegado retrato de Nicolau Nasoni nos Clérigos, ver mais AQUI.

sábado, 1 de junho de 2013

Joana Vasconcelos de cacilheiro em Veneza


Abre hoje, 01 de junho, a 55ª Bienal de Veneza, juntando 155 participantes de 38 países na mostra central, a Exposição Internacional de Arte, que decorre num espaço denominado Il Palazzo Enciclopedico (O Palácio Enciclopédico), que dá o título à Bienal. A exposição Internacional é comissariada por Massimiliano Gioni, o diretor artístico da Bienal presidida por Paolo Baratta.

Realizando-se desde 1895, este importante acontecimento artístico de projeção mundial conta este ano com a participação de 80 países de todo o mundo, muitos deles com pavilhões próprios. Sublinhando esta universalidade dialogante, a 55ª edição acolhe as participações especiais da IILA - Instituto Italo-Latino Americano (“El Atlas del Imperio”, reunindo sobretudo artistas sul-americanos), dos Emiratos Árabes Unidos (representados pelo artista concetual Mohammed Kazem) e de Taiwan, cujo museu de Belas Artes juntou artistas de diversos contextos culturais (Bernd Beher, Chia-Wei Hsu, Kateřina Šedá's + BATEŽO MIKILU) com o objetivo de promover a coexistência e a pluralidade cultural. 

A bienal regista igualmente uma forte participação de artistas chineses, desde o dissidente Ai Weiwei (com uma grandiosa instalação no pavilhão alemão) ao estreante Shu Yong , que apresenta um muro com 20 metros de comprimento construído com tijolos de resina. O pavilhão chinês tem por tema a “Transfiguração” e reúne obras de 7 artistas.

Joana Vasconcelos (n. Paris, 1971) representa Portugal com uma obra polémica, um cacilheiro cedido pela Transtejo que a artista transformou em obra de arte flutuante. No exterior, exibe a toda a volta um painel de azulejos portugueses reproduzindo uma vista atual de Lisboa, um desenho de Jorge Nesbitt  inspirado no Grande Panorama – painel de azulejos de Gabriel del Barco que representa Lisboa antes do terramoto de 1755. O painel foi colocado já em Veneza, onde a embarcação chegou a 21 de maio, após 16 dias de viagem por mar. O interior foi transformado num grande espaço visceral, recorrendo a formas orgânicas construídas com produtos têxteis industriais e artesanais e animadas com luz proveniente das lâmpadas LED incorporadas na obra.

O “Trafaria Praia” foi apresentado ontem em Veneza pela artista, com a presença de António Costa, presidente da Câmara de Lisboa, e o Secretário de Estado da Cultura, Jorge Xavier Barreto, em representação do Governo Português, que organiza e apoia a participação portuguesa através da Direção-Geral das Artes, com curadoria de Miguel Amado.

O cacilheiro lisboeta ficará em Riva dei Partigiani, próximo do frequentado Giardini, inspirando comparações com o vaporetto veneziano e representando as relações marítimas entre Portugal e Veneza na Idade Media e no Renascimento. Apesar das críticas, que sempre existirão seja quem for escolhido, a ideia é original e o “Trafaria Praia” é o único pavilhão nacional a passear os visitantes pelas águas de Veneza, entre os Giardini e a Punta della Dogana. Depois de ter transportado 11 milhões de passageiros no rio Tejo durante 51 anos, o cacilheiro entrará novamente ao serviço até 24 de novembro, data de encerramento da Bienal, com duas viagens diárias rumo a um palmarés invejável.

A Bienal é ainda o pretexto para uma infinidade de inciativas paralelas, levando a festa das artes a todos os recantos de Veneza, Património da Humanidade e um dos mais procurados destinos turísticos do mundo.