domingo, 13 de março de 2011

As três faces da Deusa

Exposição de cerâmica e escultura de Victor Mota e Carlos Oliveira
Sala de exposições temporárias do Posto de Turismo de Seia, de 4 a 31 de Março 2011
Obras de Victor Mota

Nas Caldas da Rainha, berço e escola de grandes ceramistas, “indústria cerâmica” é praticamente sinónimo de “cerâmica artística”, na tradição dos Bordalo Pinheiro mas também com boa abertura ao arrojo técnico e estético inspirados pela contemporaniedade. Não é por acaso que o CENCAL - Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica, no âmbito das suas atribuições formativas em contexto fabril, dá particular atenção à cerâmica criativa (1), organizando workshops, colóquios e seminários com a participação de artistas, investigadores, designers e técnicos locais, nacionais e estrangeiros. A cidade das Caldas da Rainha dispõe ainda de uma Escola Superior de Artes e Design, com um curso de Design de Cerâmica e Vidro, o Museu da Cerâmica (para além do Museu José Malhoa, do Atelier-Museu António Duarte e do Museu (Salvador) Barata Feyo) e das bienais Festa da Cerâmica e Simpósio de Escultura em Pedra, à vez. Em 2011, realiza-se a III Festa da Cerâmica.

O ceramista e escultor Victor Mota, que agora expõe na sala de exposições temporárias do Posto de Turismo de Seia, bebeu das nobres tradições ceramistas caldenses (Manuel Mafra, Rafael Bordalo Pinheiro, Avelino Belo, Francisco Elias) aprendendo com Herculano Elias (2) e Euclides Rebelo, sendo igualmente reconhecível alguma influência moderna de Armando Correia (3). Porém, o que transparece nos trabalhos de Victor Mota é a predisposição a inovar, explorando com preocupações de escultor os limites estruturais da forma e a conjugação de vários níveis de figuração, bem patentes nas suas figuras “estilizadas”. Se em peças como “Mãe Sentada”, “Mulher Grávida” ou “Mulher Pousando”, se destaca a transição fluída dos volumes, cheios e pesados, para elementos dinâmicos ritmados, ou se a verticalidade cónica e fria das figuras das “Mães” é salva pela poética graciosa do seu gesto materno, o ceramista/escultor arrisca-se na série “Mulheres Estilizadas”, combinando o pormenor modelado com realismo e “estilizações” estruturais, relacionando “estilos” diversos, apontamentos estéticos distintos, recorrendo ao grafismo (4), animando com vidrados as texturas e cores oferecidas pelo grés. Em peças como “Mulher Insinuante”, destaca-se ainda um sujestivo dinamismo das formas, no caso um dinamismo insinuante, que excede a mera exigência de representação.

No texto de apresentação da exposição, pode ler-se: “O trabalho de Victor Mota define-se com base numa profunda e criteriosa pesquisa sobre a sensibilidade e a relação de formas e conteúdos, no estudo moroso e cuidado de esboços que originam e enquadram o seu processo criativo”.

A estranheza do resultado, pedaços de realismo presos a formas antropomórficas simplificadas, incompletas, fala do compromisso do artista, tentando atravessar o espelho da natureza e da tradição rumo às maravilhas do artificialismo moderno. Ou, simplesmente, das vantagens de combinarmos o antigo e o moderno, as cadeias cíclicas da evolução, para projectarmos avisadamente o futuro. Ou ainda, como sugere o título da exposição, a representação do tempo através dos degraus míticos da vida da mulher, “As três faces da Deusa: Donzela, Mãe e Anciã”.

A exposição integra ainda oito esculturas de Carlos Oliveira, em alabastro cristalino, inseridas na mesma temática mas com preocupações essencialmente ornamentais, tirando partido da particularidade translúcida desse material para iluminar as formas esculpidas. Nas suas obras, Carlos Oliveira toda a experiência reunida ao longo do seu percurso, na indústria cerâmica, do vidro e das resinas, assim como através de pesquisas e investigação na área dos materiais e técnicas de aplicação.


Victor Mota, "Mãe Sentada", Grés


Victor Mota nasceu em Peniche em 1967.

Frequentou os cursos de modelação decorativa (1987), com o mestre Herculano Elias e Euclides Rebelo, e de escultura cerâmica de figura humana (1988) no CENCAL - Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica das Caldas da Rainha.

Participou ainda em workshops de cerâmica, com o ceramista e artista plástico galego Xhoan Viqueira (trabalhos sobre Bordalo Pinheiro) e com o designer belga Francis Beths (trabalhos sobre mobiliário urbano em cerâmica).

Iniciou a actividade artística na década de 90, tendo participado em várias exposições colectivas de cerâmica e escultura nas Caldas da Rainha, Óbidos e Massamá.

Em 1993, realizou a primeira exposição individual, nas Caldas da Rainha. Em 2010, mostrou o seu trabalho artístico em quatro importantes exposições individuais de cerâmica e escultura, na Capela de São Sebastião (“50 Esculturas de Santo António” e “60 Presépios”), no Céu de Vidro - Parque D. Carlos I (“Biodiversidade no Parque”) e na Junta de Freguesia de Nossa Senhora do Pópulo (“Presépios”), todas nas Caldas da Rainha.

Carlos Oliveira - escultura em alabastro


Carlos Oliveira nasceu nas Caldas da Rainha em 1963.

Formação nas áreas de desenho e moldagem no CENCAL, onde teve como mestres Artur Lopes, Armando Correia e Herculano Elias.

Em 1989, fundou o seu atelier, onde realiza desde então todo o tipo de obras em cerâmica e escultura, bronze, fibras e resinas.

Expõe os seus trabalhos desde 2001, tendo realizado exposições individual nas Caldas da Rainha, Lisboa, Barreiro, Almada, Tui, Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço. Participou em diversas exposições colectivas de cerâmica e escultura, nacionais e internacionais. Ver currículo completo.

Participou na realização de vários monumentos, no Funchal, Alemanha, Oeiras, Sagres, Cascais e Golegã.

Encontra-se representado em colecções particulares nacionais e estrangeiras.

É referenciado nos livros “Cerâmica e Escultura”, de Carlos Bajouca, e no Anuário Internacional de 2003, de Fernando Infante do Carmo.

NOTAS:
(1) Alguns ceramistas formados no CENCAL: Ana Sobral, Carlos Enxuto, Elsa Rebelo, José Almeida, Leonel Telo, Mário Sousa, Nadine Gueniou, Rui Ribas, Vera Brás, Virgílio Peixe, Zaida Caramelo. Ana Sobral, Elsa Rebelo, Rui Ribas e Virgílio Peixe, vieram mais tarde a ser também formadores do CENCAL.

(2) Herculano Elias (n. 1932) é um ceramista caldense conhecido sobretudo pelas miniaturas cerâmicas, uma tradição familiar. As miniaturas são pequenas peças de faiança representando de modo realista figuras típicas, costumes regionais, cenas históricas ou representações religiosas tradicionais. A modelação é fundamental, destacando a destreza do artista pois dá ênfase ao pormenor à escala. Esta exigência de detalhe muito reduzido e a recusa de vidrado, impõe uma cuidada selecção de argilas e o recurso ao método da patine, para consolidar as peças e fortalecer os pormenores, o que confere às peças um brilho suave e discreto.

(3) Nos anos 80, as peças de Armando Correia (1936-2008) eram arredondadas e bojudas, evocando a escultura de Jorge Vieira, que foi seu professor na então Escola Técnica das Caldas da Rainha (actual Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro). Os volumes geometrizados e as texturas sensuais são características da obra de A.C. Nos anos 90, os projectos de correspondência com a literatura proporcionaram o desenvolvimento de uma gramática formal variada, com formas estilizadas, de que são exemplo as figuras do teatro de Gil Vicente e os mitos da Antiguidade Clássica. Na última década, as formas cónicas serviram de base a desenvolvimentos temáticos a cargo do desenho e da cor – como os presépios / reis magos, que realizou com a colaboração dos seus filhos Ivo Ximenes e Ruben Correia, que certamente darão continuidade às preocupações estéticas do artista caldense, falecido em 2008.

(4) Recorrente no figurado contemporâneo e que Armando Correia desenvolveu nas suas últimas peças.


Vista parcial da exposição


Victor Mota, "Mãe de Regaço", Grés


Victor Mota, "Mãe Adormecendo", Grés


Carlos Oliveira - "Mãe de Paz", alabastro

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