Se fosse necessário intitular esta exposição, escolheria um poema de Nuno Júdice, “A Vida”. O poema todo – pois transparecem nesses versos, como ecos, os principais conteúdos poéticos dos meus quadros - a vida que nos anima, cerca e enlaça, o inevitável peso da presença e da ausência, da incerteza e do acaso, dos jogos de luz e de sombra na construção da memória.
Sérgio Reis
A Vida
A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;
a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;
a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.
Nuno Júdice
(Teoria Geral do Sentimento, 1999)
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