Os ramos parecem tocar a superfície espelhada de um lago, na qual se refletem. Foto: Glória Reis
A obra de Alberto Carneiro, artista-poeta da natureza, encontra-se
de regresso (1) a Serralves. Até 24 de junho, decorre no Museu de Serralves a exposição intitulada
“A Arte Vida/Vida Arte: Revelações de Energias e Movimentos da Matéria”.
A exposição integra 21 momentos, cada qual com uma
unidade própria, partindo de elementos naturais de que o artista se apropriou,
isolando-os do seu espaço lógico, do espaço vivo, incorporando-os no espaço da
memória – na medida em que fazem parte da vida do artista – para o tornar um
espaço físico de sensações e emoções, um espaço estético, um espaço vivo. A Arte é Vida.
Mas também um espaço partilhado, no qual o visitante é chamado
a fazer parte das obras - refletido nos diversos espelhos que as integram, ao
circular entre elas, perspetivando a sua presença material em contraponto com a
“natureza viva” (pessoas, avistamentos do jardim de Serralves) e os espaços do
Museu criados por Siza Vieira. Uma exposição que reúne a arte, a natureza e as
pessoas” (2).
Alberto Carneiro (n. São
Mamede do Coronado, Trofa, 1937) familiarizou-se muito cedo com a escultura em
madeira e pedra, trabalhando desde os 10 até aos 21 anos numa oficina de santeiros em São Mamede
do Coronado. Após terminar o curso de escultura na Escola Superior de Belas
Artes do Porto, em 1967, partiu para Londres, onde contactou com as novas
tendências da arte britânica, em particular a arte minimal e concetual. A abertura
estética que caraterizou os anos 60 e 70 do século XX, levaram-no a conciliar abordagens
artísticas de vanguarda com materiais recolhidos na natureza, numa perspetiva
ecológica. Nessa época, a ecologia era um conceito novo em Portugal, com
potencial vanguardista – no pensamento e nas expressões artísticas – e mesmo político,
considerando os parâmetros e objetivos revolucionários dos seus defensores.
Basta ver que a “Land Art”, a expressão mais cenográfica da arte ambiental (3),
começou como protesto artístico nos anos 60. Outros artistas portugueses dessa
época procuraram novos caminhos na arte concetual (4) mas Alberto Carneiro
beneficiou da autenticidade e pureza das suas memórias da ruralidade. As “Energias
e Movimentos da Matéria” que o artista nos apresenta para partilhar connosco são,
afinal, a essência da natureza – patentes nas formas naturais que converteu em
obras de arte isolando-as do seu ambiente original, das outras energias e
movimentos da natureza, através de experimentadas alquimias. “Eu vibro mais com
isto do que com a Mona Lisa”, confessou numa entrevista recente (5) pois as
suas obras, criadas com raízes e troncos de oliveiras, laranjeiras, bambus e vimes
do seu pomar e propriedades de amigos, estão muito longe de ser apenas matéria
de origem natural ou matéria artística – são principalmente memórias e o seu reflexo.
O que faz toda a diferença.
(1) - Em 1991, Serralves acolheu uma importante exposição antológica de Alberto Carneiro.
(2) - Suzanne Cotter, diretora artística do Museu de
Serralves, Diário de Notícias, 19/04/2013.
(3) - Considerando a amplitude do conceito “arte ambiental”,
sugerem-se as seguintes pesquisas complementares: arte ecológica, Land Art, Site-specific
art, Arte Povera.
(4) - Como Clara Menéres (“Mulher-Terra-Vida”) e outros,
com obra apresentada em 1977, em jeito de balanço, na famosa exposição “Alternativa
Zero - Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea”, organizada por
Ernesto de Sousa na Galeria Nacional de Arte Moderna, em Lisboa.
(5) - Público, 19/04/2013.
O espaço da memória: objetos e espelhos aparentemente colocados ao acaso para repararmos neles. Foi a última exposição comissariada por João Fernandes para Serralves. Foto: Glória Reis
Linhas ligeiras, formas ágeis - e o seu reflexo. Foto: Glória Reis
"Arte Vida/Vida Arte".
Fotos: © Glória Reis. Direitos reservados.
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