O cancelamento da Artis é uma decisão lamentável que, adicionada a outras pequenas limitações a propósito da crise, inverte irremediavelmente a tendência de crescimento cultural de Seia-cidade, com reflexos no concelho, a somar ao desinvestimento na saúde, na educação, nas acessibilidades.
Não se trata apenas de suspender uma iniciativa artística com uma década de vida, sempre promovida e organizada pela Câmara Municipal em colaboração com os artistas senenses. O cancelamento da Artis marca o fim de uma época na Cultura Senense, não sendo certo que o festival seja reativado no próximo ano – pois não é claro que essa suspensão tenha sido determinada por motivos económicos. Se foi por motivos políticos, não me cabe a mim discutir esses motivos, deixo a matéria para os políticos mandatados e para os comentadores políticos. Se foi por razões artísticas, será bom notar que a Artis passou em 2011 a Festival de Artes Plásticas e promoveu pela primeira vez um concurso internacional com prémios monetários (de valor bem modesto no contexto nacional) que mereceu a participação de artistas credenciados, com vastos percursos artísticos e prémios em concursos artísticos nacionais e internacionais. Ou seja, a dimensão geográfica e a importância artística da Artis cresceram significativamente em 2011 e, para este ano, estava já assegurada uma representação de artistas japoneses. Estava também garantido um intercâmbio com a “CEDRO, Associação”, tratado na reunião final de lançamento da Artis XI, realizada no início de Março. Dias depois, a Artis era cancelada pela CMS, de modo abrupto, sem aviso prévio nem negociação.
É precisamente esta falta de negociação que não me deixa acreditar nos tais motivos económicos, alegados pela CMS na informação que passou à imprensa. De resto, a Artis X, realizada em 2011, custou ao erário público apenas quatro mil euros. Um valor que não justifica corte tão radical e que poderia ter sido discutido, negociado, sem comprometer uma iniciativa cujo interesse e importância cultural a CMS parece compreender e confirma no referido comunicado à imprensa.
Recuperar as finanças do Estado tem servido de desculpa para os cortes na Cultura, e as autarquias também estão a ser vítimas desse cego desígnio, mas é importante notar que a Cultura é uma prioridade constitucional e tem “beneficiado” de orçamentos nacionais anuais na ordem de 1%, sem considerar o retorno em contribuições e impostos gerados pelo universo da Cultura. Mesmo com a ameaça de extinção das empresas municipais deficitárias, os municípios não podem abdicar da sua dinâmica cultural, construída ao longo de décadas desde Abril de 1974, quando o acesso à educação e à cultura passou a ser um justo direito de todos.
Resumindo, o cancelamento da Artis representa uma quebra nas dinâmicas culturais locais e no protagonismo cultural de Seia na última década na região. Sem qualquer dúvida nem favor, Seia tem sido o único concelho do distrito com programação cultural à altura da capital distrital e não pode abdicar dessa posição. Os efeitos negativos do desinvestimento na Cultura podem já ser vistos em muitos concelhos do país, curiosamente acompanhado de termos comuns, como “reestruturação” e remodelação”. A reestruturação significa encerramentos, desemprego. A remodelação significa perda de qualidade, decadência. Mesmo que a Artis regresse no próximo ano, já não será a mesma Artis, como já não temos o mesmo Festival de Jazz nem o mesmo Festival de Cinema “CineEco”, que foram irremediavelmente remodelados.
Texto publicado na edição online e em papel do jornal Porta da Estrela nº 943 de 15 de Abril 2012
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