sexta-feira, 6 de abril de 2012

Bem vindo ao mundo dos brinquedos a sério

Galeria da Fundação EDP – Porto, 25 de março a 01 de julho 2012

Vista parcial da exposição. Em primeiro plano, "Supremacia", 2006 (globos em PVC, metal, plástico)

Depois de ter mostrado os seus trabalhos no Porto em 2000 ("Miguel Palma", Museu de Serralves), 2008 ("O Meu Tempo", Casa da Música) e 2011 (Paraphernalia - O Grau Zero do Mundo", no especialíssimo restaurante Arquivo, na Praça da República), Miguel Palma regressa à zona da Boavista, Galeria da Fundação EDP, com a exposição "Atelier Utopia".

Miguel Palma (n. Lisboa, 1964) é um artista contemporâneo eclético (desenho, escultura, instalação multimédia, vídeo, livros de artista, performance), empenhado em refletir sobre os condicionalismos e opções do mundo atual através dos objetos que o homem contemporâneo cria e manipula. E os objetos não passam de máquinas mais ou menos simples, mais ou menos complexas, mas essa simplicidade ou complexidade depende muito da teorização dos contextos. Para além das evidências tecnológicas, desde as utilidades rotineiras do quotidiano às possibilidades apenas imaginadas pela ficção científica, os objetos explicam o homem e o mundo em que vivem. São produtos culturais, carregados de simbolismo(s) e ideologia – quando não são eles próprios representações simbólicas ou ideológicas. Estou a lembrar-me da instalação “Bloco Operatório” (2012), que inclui a cabeça de um motor Ferrari V8, mas também do estendal de dúvida e de críticas (“Tensão #1” e “Tensão #2” 2012), ou das marcas e modelos dos automóveis representados. Um trabalho que não dispensa o “non sense” e recorre frequentemente ao humor crítico para ganhar visibilidade, suscitar o interesse, passar a mensagem, intervir na consciência que vamos tendo do mundo em que vivemos.

Toda a exposição na galeria da Fundação EDP foi concebida como uma grande instalação, “Atelier Utopia”, com base numa estrutura metálica que suporta e relaciona as peças como se fossem meros esquemas, estudos preparatórios e maquetas arrumadas ocasionalmente num espaço de trabalho/armazém, aguardando mais cuidados ou a concretização dos projetos (1). O comissário da exposição, Bruno Leitão, que nos recebeu com simpatia e comentou algumas peças expostas, fala no texto introdutório de um “esquema expositor (Sensor)” e refere que “Miguel Palma concebeu "Atelier Utopia" como um ato escultórico em si mesmo”. Concebido em função do espaço da galeria (a sala de entrada mostra apenas alguns livros de artista), a organização do espaço condiciona o percurso da visita, permitindo apreciar determinadas peças isoladamente mas também algumas comparações, interseções, conflitualidades visuais, de escala e de sentido/interpretação.

Resumindo, parece-me que Miguel Palma é um artista que se diverte imenso a questionar o mundo à escala das perguntas grandiosas em formato de bolso. A exposição dá que pensar e recomenda-se.

(1) - O texto de apresentação da exposição informa que “as peças apresentadas são maquetas e desenhos que traçam propostas urbanísticas e esboçam 'máquinas impossíveis' “ (…) tratando-se de peças inéditas do artista - algumas das quais de caráter preparatório para trabalhos que Miguel Palma não pôde realizar por impossibilidades técnicas e/ou financeiras - bem como obras que nunca foram relevadas em exposições institucionais”.

"Bookmarks Katrina", 2006 (madeira, livro, cimento, materiais diversos)

"My Day Life", 2011 (balança de alta precisão, colagem e comprimidos)

"Black Widow" (mala de cartão, Citroën DS em miniatura, corda)

2 comentários:

Anónimo disse...

"My Day Life" e "Black Widow" parecem abstrações,são títulos obscuros ou talvez comprometedores?

Sérgio Reis disse...

"May Day Life" (O meu quotidiano)é uma espécie de autoretrato. Há uma balança de precisão, para pesagem de diamantes e metais preciosos. Um dos pratos pesa a imagem da imagem do artista (foto colada). No outro prato, os comprimidos diários: ansiolítico, proteção gástrica, tensão arterial.
"Black Widow" (A Viúva Negra) cruza as alusões à famosa aranha com a Citoën DS, "déesse", por analogia com "La Déesse" (A Deusa) no sublime texto de Roland Barthes.
São leituras cruzadas, que se vão articulando, questionando (-nos), reconstruindo (-nos), e por aí percebemos quanto são importantes.