terça-feira, 13 de julho de 2010

A. LIMA: OS BUSTOS (DE) SENENSES

Aureliano Lima é um dos escultores com mais obras públicas na Beira interior, com destaque para o concelho de Seia, onde existem três bustos de sua autoria. Tal como os bustos do Bispo da Guarda, D. José Alves Matoso (Pisão – Coja, 1953), do poeta Brás Garcia de Mascarenhas (Avô, 1958) e do Dr. Alberto Vale (Coja, 1959), os bustos existentes em Paranhos da Beira e Pinhanços datam da primeira fase da sua obra, antes de realizar a primeira exposição individual (Galeria Alvarez, Porto, 1963) e de rumar a Paris com uma bolsa da Fundação Gulbenkian (1965). O busto da Folhadosa é posterior: no pedestal indica-se o ano de 1970 e a biografia de Serafim Ferreira refere o ano de 1971 (1), havendo outro busto dessa época na Lousã (Dr. José Cardoso, 1970).
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Uma das suas principais obras, “O Grito” (1982), uma escultura de bronze com 4,30 metros de altura, encontra-se colocada no Largo do Município, em Nelas.


O busto existente em Paranhos da Beira, à entrada do adro da igreja, evoca o “culto e piedoso” (2) Padre João Abranches Martins (Paranhos, 1872-1949).


Em 1958, o povo de Pinhanços homenageou o Dr. Carlos Alves Rodrigues erguendo-lhe um monumento frente à igreja paroquial. Natural de Pinhanços (1893-1957), o Dr. Carlos Rodrigues “exerceu medicina com notável desinteresse” (3). Foi vice-Presidente da Câmara Municipal de Seia em 1931.

O busto do Dr. António Vieira de Tovar Magalhães Pinto e Albuquerque, visconde de Molelos e fundador do asilo de Folhadosa, encima o monumento que o povo lhe ergueu em frente do seu solar, no largo principal da povoação e junto à igreja. O 13º senhor do Paço de Molelos e último do solar da Folhadosa, nasceu em Coimbra em 1838 e faleceu em Molelos em 1920, não deixando descendência.


Estes bustos mostram volumes pouco vincados e estáticos, ao contrário de outros trabalhos de A. Lima - Miguel Torga, por exemplo. Os retratos têm personalidade mas sem arroubos emotivos e a intensidade expressiva concentra-se no olhar. Trata-se de obras que nada têm a ver com as esculturas geometrizadas que celebrizaram Aureliano Lima – sobretudo “A Homenagem” (Vila Nova de Gaia, 1979), “O grito” (Nelas, 1982) e “Monumento a Fernando Pessoa” (Feira, 1983).

Esculpindo "O Grito"
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“Sem os apoios que merecia e numa época em que não existia mercado de arte – numa época difícil, - Aureliano Lima, escultor e poeta – lutador – construiu a sua obra, honesto e decidido, coerente e firme” (Jaime Isidoro, 1986).
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Aureliano Lima nasceu em Carregal do Sal a 23 de Setembro de 1916, tendo vivido em Lagares da Beira desde 1921 até 1936. O seu pai emigrara para o Brasil e ele partiu para a Figueira da Foz, onde foi ajudante de farmácia. Em 1939, muda-se para Coimbra, onde instala um pequeno atelier e começa a esculpir. Inicia-se igualmente na escrita, beneficiando do convívio com poetas e escritores como Afonso Duarte, Paulo Quintela, Miguel Torga e Carlos de Oliveira – cujos bustos executa nos finais de 1948.

Em 1958, mudou-se para o Porto, radicando-se em Vila Nova de Gaia no ano seguinte. Aí desenvolveu e consolidou a sua obra, tanto ao nível da escultura como da pintura e da poesia, sem nunca perder a ligação com a Beira interior. Ainda em 1958, executa o busto do poeta de Avô-Oliveira do Hospital, Brás Garcia Mascarenhas. 1959, realiza o busto do Dr. Alberto Vale (Coja-Arganil) e do Dr. Carlos Alves Rodrigues (Pinhanços-Seia).

Esculpe e escreve activamente, participando em várias exposições colectivas, em colóquios e filmes (“Porto-Cidade do Trabalho”, de Manuel Guimarães) até 1965, ano em que ruma a Paris como bolseiro da Fundação Gulbenkian e frequenta os “Ateliers Szabo” (“Academie du Feu”). O ano de 1963 havia sido fundamental no relançamento da sua carreira, tendo realizado a primeira exposição individual (Desenho e Escultura, na Galeria Alvarez-Porto) e vencera um prémio literário (Prémio Galaica), cujo júri era composto por nomes sonantes das Letras portuguesas: Óscar Lopes, David Mourão-Ferreira, António Ramos Rosa, Egipto Gonçalves e Alberto Uva.

Regressado a Portugal, realiza diversas exposições individuais e participa em grandes colectivas, mantendo a ligação ao interior beirão: em 1971, realiza o busto do Dr. António Vieira, 2º Visconde de Molelos (Folhadosa-Seia) e, em 1975, do Dr. Veiga Simões (Arganil). Uma das suas obras mais conhecidas, “O Grito”, é inaugurada em Nelas em 1982, um ano antes da inauguração da sua maior obra, a escultura-monumento a Fernando Pessoa, em Santa Maria da Feira, com a presença de Miguel Torga e do Presidente da República de então, Ramalho Eanes.

No ano da sua morte (15 de Dezembro de 1984), participa em exposições colectivas (Porto, Gaia e 3ª Bienal de Cerveira) e no 1º Encontro de Escritores de Gaia, executa a medalha comemorativa dos 150 anos da elevação de Gaia a cidade e os bustos de Nunes Ferreira e Mário Cláudio.

Em 1985, foi publicada a antologia poética “Os Rios e os Lugares” (4), organizada e prefaciada por Serafim Ferreira. Em 1988, a Fundação Calouste Gulbenkian promoveu uma exposição restrospectiva da obra artística e literária de Aureliano de Lima.

O Museu Municipal de Carregal do Sal perpetua a memória do escultor e poeta.

(1) – Serafim Ferreira, “Aureliano, a Arte do Silêncio”, Biblioteca Pública Municipal de Vila Nova de Gaia, 1985.
(2) – J. Quelhas Bigotte, Monografia de Seia, 2ª edição,1986, pág. 463.
(3) – J. Quelhas Bigotte, Monografia de Seia, 2ª edição,1986, pág. 472.
(4) - Brasília Editora, Porto, 1985.

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