Em março de 2013, o Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto
Xavier, despachou um vasto pacote de classificação de monumentos, cerca de trinta, entre os quais a classificação da Casa das Obras, em Seia. As
respetivas portarias, publicadas em Diário da República a 5 e 9 de abril, classificam
monumentos e sítios, sobretudo arquitetura religiosa, civil e militar, mas
também a gruta de Avecasta, o complexo Megalítico do Olival da Pega e o famoso bloco habitacional da Rua de Costa Cabral, no Porto, do arquiteto Viana de Lima. Integra esta lista a Faculdade de Belas
Artes do Porto, que ainda funciona no edifício original, um palacete concluído
em 1873.
Conhecido por Casa das Obras, o atual edifício dos Paços do
Concelho de Seia foi solar da Família Mendonça Arrais e Albuquerque e é
monumento de interesse público desde o passado dia 5 de abril (Portaria nº
180/2013 – D.R. nº67, Série II).
Após a recente classificação da Igreja da Misericórdia e
casa do Despacho e da Capela do Senhor do Calvário (ou Capela do Santo Cristo
do Calvário), alarga-se agora a área de interesse histórico reconhecido e a zona
total de proteção cobre a maior parte do centro histórico da cidade de Seia. Só a classificação da Casa das Obras impõe uma zona de proteção geral que abrange a área envolvente compreendida entre a Casa da Cultura e a Casa do Castelo.
O solar é grandioso, de planta retangular, fachada simétrica com vinte janelas, linhas harmónicas e sobriedade pombalina. Consta
que foi o próprio Marquês de Pombal quem forneceu a planta a Francisco Pinto de
Mendonça (desembargador e depois Intendente-geral dos Diamantes) e sua esposa,
Teresa Bernarda de Figueiredo Abranches, que o mandaram construir em 1773. Após
a morte deste, no Brasil, foi seu filho Luís Bernardo (Cavaleiro da Ordem de
Cristo, desembargador da Relação do Porto) quem terminou as obras do solar. É Luís Bernardo quem solicita autorização à Rainha, em 1778, para "exploração de águas e construção de uma fonte" em frente do solar. Outro filho de Francisco Pinto de Mendonça, José António Pinto de Mendonça
Arrais (Seia, 1746 – Melo, 1822), foi Bispo de Pinhel e mais tarde Bispo da
Guarda – onde desenvolveu uma intensa campanha contra os ideais revolucionários
franceses durante as invasões napoleónicas.
Sob o elmo de visconde e o timbre dos Pintos (leopardo), o escudo esquartelado: I - Pinto, II - Mendonça Arrais, III - Figueiredo, IV - Pinto [1]. Os quartos inferiores do escudo estão danificados.
A fachada ainda hoje ostenta o brasão dessa nobre família
senense, que se envolveu honrada e destemidamente nas dinâmicas locais e
nacionais do seu tempo, com destaque para Luís Pinto de Mendonça Arrais, filho
de Luís Bernardo, feito 1º Barão e depois 1º Visconde de Valongo pelos seus
atos heroicos durante as Lutas Liberais, e seu irmão, Francisco Pinto de
Mendonça Arrais, comandante da fortaleza de Almeida ao
tempo da terceira invasão francesa (1810-1811) e mais tarde comandante do Regimento de Milícias da Covilhã.
Em 1810, o solar serviu temporariamente de quartel-general a
Arthur Wellesley (futuro duque de Wellington) pela acomodação que oferecia e
localização, na colina onde existiu o castelo de Seia, mas foi incendiado pelas
tropas de Massena na retirada rumo à fronteira – tal como a igreja matriz, que
ficou em ruínas. José Maria Pinto de Mendonça Arrais, que era presidente da
Câmara à data do falecimento, em 1859, foi o fundador [2] da nova igreja
matriz, cuja construção teve início em 1843 no Terreiro do Castelo. A ele se
deve ainda, como presidente da Câmara, a instituição em 1857 da feira semanal à
4ª feira, então realizada no Terreiro da Misericórdia.
O Arquivo Municipal de Seia dispõe de um importante acervo
documental sobre a família da Casa das Obras, cobrindo o período compreendido
entre 1703 e 1909, doado em 2002 por um descendente dessa família, Joaquim
Albuquerque de Moura Relvas. A monografia de Seia, de J. Quelhas Bigotte,
contém as biografias de algumas personalidades nascidas na casa das Obras e
seus descendentes, que se notabilizaram nas mais diversas áreas, incluindo D.
Ana Guadalupe de Mendonça Arrais (1807-1895) cuja bondade em vida e anormal preservação
do corpo muitos anos após a sua morte [3] lhe granjeou fama de santa.
O artista senense Lucas Marrão (n. Seia, 1824 – m. Lisboa, 1894),
filho do caseiro do visconde de Valongo, beneficiou da proteção da família da
Casa das Obras, que lhe pagou os estudos artísticos em Lisboa. Lucas Marrão deixou
obra de pintura, escultura e gravura, dedicando-se também à fotografia – então novidade
em Portugal.
Em 1911, o Solar foi vendido [4] em hasta pública a Francisco
Rodrigues Gomes, natural da freguesia de Tourais, que fizera fortuna no Congo Belga (hoje República Democrática do Congo). Sete anos depois, a 1 de setembro de 1918, foi
adquirido [5] pela Câmara (então instalada na Praça da República e presidida pelo
Dr. António Borges Pires, de Pinhanços) para acolher a Câmara Municipal e as repartições
públicas até então dispersas pela cidade. Aí foi instalada temporariamente a Repartição de Finanças,
quando era presidente da Câmara o Capitão Dr. António Dias, e funcionou também
o tribunal até à construção de edifício próprio, inaugurado em 1998.
Solar e
Terreiro das Obras no início do século XX – há quase 100 anos.
Solar e Largo Dr. Borges Pires em 2004. Repare-se no monte de pedras, no lado direito desta foto, e compare-se com o monte de pedras da foto anterior. Quase um século depois, as obras continuavam presentes - à sombra de árvores diferentes.
Solar e Largo Dr. Borges Pires em 2004. Repare-se no monte de pedras, no lado direito desta foto, e compare-se com o monte de pedras da foto anterior. Quase um século depois, as obras continuavam presentes - à sombra de árvores diferentes.
Devido às obras constantes de reconstrução, remodelação e
conservação a que foi submetido desde a sua (demorada) construção, o solar
ficou conhecido por Casa das Obras. Não se trata, porém, de uma designação
original, já que existem outras “Casas das Obras” pelo país fora, a maioria do
séc. XVIII e todas com historial de obras demoradas, constantes ou inacabadas. As
obras mais recentes, de remodelação interior e restauro exterior, realizaram-se
entre 2002 e o início de 2004, sob a presidência de Eduardo Mendes de Brito (1993-2009).
Vista posterior da Casa das obras. Na área hoje ocupada pelo parque de estacionamento da CMS e pela Casa da Cultura, existiu um jardim com um grande lago.
O arranjo do largo fronteiro à Câmara (antigo Terreiro das
Obras, atual Largo Dr. António Borges Pires) e o parque de estacionamento nas
traseiras do edifício, onde havia um jardim e o Dispensário da A.N.T. (atual
edifício da Junta de Freguesia de Seia), datam do pós-25 de Abril, quando o
presidente da Câmara era Jorge Alberto dos Santos Correia (1976-1993) [6]. Já neste
século, o largo da Câmara recebeu diversas obras de beneficiação (arranjo geral do espaço, substituição do pavimento, colocação de mobiliário urbano) e acabou-se com o
caótico estacionamento automóvel no local.
Notas:
(1)-Heráldica Portuguesa - Brasões:
Pintos - Escudo de prata com cinco crescentes de vermelho postos em sautor (cruz diagonal).
(1)-Heráldica Portuguesa - Brasões:
Pintos - Escudo de prata com cinco crescentes de vermelho postos em sautor (cruz diagonal).
Mendonças - Escudo franchado: o I
e o IV de verde, com banda de vermelho perfilada de ouro; o II e o III de ouro,
com um S de negro, o da direita volvido (no brasão existente na Casa das Obras,
não está volvido).
Arrais - Escudo vermelho com nove
folhas de golfão (planta aquática) de
ouro postas 3, 3 e 3.
Figueiredos: Escudo escarlate com
cinco folhas de figueira, nervadas e perfiladas de ouro, postas em sautor.
Brasões dos Pintos, Mendonças,
Arrais, Figueiredos.
(2)-Foi um dos principais impulsionadores da nova igreja matriz, cujas obras cofinanciou
e orientou. Em sinal de reconhecimento, foi sepultado no interior da igreja (J.
Quelhas Bigotte, “Monografia de Seia”, pág. 280-281) apesar de vigorar desde
1844 a lei que proibia os enterros nas igrejas. O clero conservador considerava
esta lei antirreligiosa e ela foi a fagulha que incendiou a revolta da Maria da
Fonte no Minho, em 1846.
(3)-Em 1911, por motivo da venda do solar, os restos mortais de D. Ana Guadalupe foram trasladados da capela da Casa das Obras para o cemitério da então vila de Seia. Porém, estranhando o peso do caixão,
este foi aberto na presença do Reitor de Seia e verificou-se, com surpresa, que o corpo se apresentava intacto – 16 anos após o falecimento. J. Quelhas Bigotte refere este insólito acontecimento na sua “Monografia de Seia”, pág.s 283 e 284 (2ª edição, 1982 - com nova capa em 1986, assinalando a passagem da vila de Seia a cidade).
(4)-Por 11 contos (ob. cit. pág. 266).
(5)-Por 20 contos.
(4)-Por 11 contos (ob. cit. pág. 266).
(5)-Por 20 contos.
(6)-Presidente da Câmara eleito em 1976 pelo Partido Socialista,
sucedendo ao Engº João de Frias Gouveia, que foi nomeado em assembleia popular
após a Revolução de 25 de abril de 1974.
“Vista da Vila de Seia tirada do alto da Senhora do Rosário”,
c. 1845, litografia de Lucas Marrão (n. Seia, 1924-1894) colorida por Júlio Vaz
Saraiva (n. Seia, 1928), Edição CMS, 1997. À direita, vê-se a Casa das Obras e
a Capela do Santo Cristo do Calvário, que pertence à Santa Casa de Misericórdia
de Seia e também é monumento classificado. O pintor senense Tavares Correia (Seia, 1908-2005), desenhou e pintou por diversas vezes os Paços do Concelho, incluindo uma reconstituição imaginada do incêndio provocado pelas tropas francesas.
“Casa das Obras”, desenho à pena de Jorge Braga da Cruz (n.
Viseu, 1944 - reside em Viseu)
Fotografia digital de Renato Paz (n. Guarda, 1982 - reside em Seia)
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