A estátua de D. Afonso Henriques mais (re)conhecida pelos
portugueses é da autoria de Soares dos Reis (Vila Nova de Gaia, 1847-1989) e
pode ser apreciada atualmente na colina sagrada, em Guimarães. Trata-se de uma
representação mítica do fundador da nacionalidade e primeiro rei de Portugal. O
retrato é naturalmente imaginado.
Sempre me pareceu excessivo e até ofensivo realizar retratos
imaginados e, muito pior, incorporá-los por via iconográfica no imaginário
coletivo. É por respeito que os muçulmanos não representam Alá e, por respeito à
verdade histórica e às figuras históricas cuja fisionomia é desconhecida,
deveria evitar-se tanta criatividade enganosa.
Em 2009, a propósito dos 900 anos de Afonso Henriques, a Sociedade Martins
Sarmento promoveu em Guimarães uma interessante exposição sobre os retratos
imaginados do primeiro rei de Portugal, “Os Rostos de Afonso Henriques”,
composta por 22 imagens do rosto que outros tantos artistas lhe deram ao longo
dos séculos, na pintura, escultura e gravura (1). A exposição não deixou de
fora a representação de Afonso Henriques por João Cutileiro, realizada em 2001
e colocada em frente das antigas portas da Vila de Guimarães (entre a Praça do
Toural e o Largo João Franco), mas cuja particularidade é precisamente a falta
de rosto, substituído por um elmo fechado.
O estudo das ossadas do primeiro rei de Portugal, guardadas
no túmulo seiscentista da Igreja de Santa Cruz em Coimbra, permitiria saber,
entre outras coisas, como era o seu rosto (2) à data da morte e simular com
precisão o seu rosto em várias idades. No entanto, a abertura do túmulo foi
cancelada no último momento em 2006 pela ex-ministra da Cultura Isabel Pires de
Lima. Novo pedido de exumação foi recusado em 2007.
No reinado de D. Manuel I, as ossadas foram transladadas do túmulo
medieval para o magnífico túmulo da autoria de Nicolau Chanterenne, que terá
sido aberto uma única vez, em 1832, a mando do rei D. Miguel.
Mas serão mesmo as ossadas de Afonso I? As peripécias de 2006 e 2007 envolvendo
o IPPAR inspiram dúvidas. Que segredo ou verdade incómoda se
encontra guardada – e adiada – em Santa Cruz de Coimbra?
O rosto da estátua de Soares dos Reis (1887) mostra um
Afonso Henriques jovem, na força da idade, de olhar vivo e intenso, com
abordagem formal e tratamento plástico inovadoras na época. Refira-se que só
depois da sua morte, em 1989, Soares dos Reis foi considerado um renovador da escultura
do seu tempo e “O Desterrado” (1872) foi destacada como a obra mais notável da
escultura do século XIX. O escultor suicidou-se no seu atelier em Gaia, desgostoso
com a incompreensão dos críticos e do público.
Parece ter havido também problemas com a estátua de D.
Afonso Henriques, cujo projeto teve duas versões. Na primeira versão, a manga era comprida e a cota de
malha terminava acima do joelho, talvez mais de acordo com a verdade histórica
(3) mas pouco condizente com o espírito puritano do séc. XIX burguês, e a versão
final mostra a cota de malha cobrindo as pernas quase até aos tornozelos e manga curta. Certo
é que a conclusão da estátua se atrasou dois anos, pois a sua inauguração
estava prevista para 1885, quando se comemoraram 700 anos sobre a morte do
fundador da nacionalidade.
As duas versões da estátua.
A estátua de Soares dos Reis foi considerada um paradigma
pelo Estado Novo, que a utilizou abundantemente na propaganda do regime. Uma
réplica da estátua de Guimarães foi colocada em 1947 no Castelo de S. Jorge, em
Lisboa, e existirão mais duas cópias no Regimento de Artilharia em Vila Nova de
Gaia (4). Uma dessas cópias em gesso, presumivelmente obra do próprio Soares
dos Reis, deu origem à estátua inaugurada em 1999 no castelo de Santarém.
D. Afonso Henriques, nasceu em Guimarães
ou Viseu, provavelmente no verão de 1109, filho de Henrique, da família ducal
de Borgonha (atualmente uma região de França) e de Teresa, da família real de
Leão (atualmente uma parte da comunidade autónoma espanhola de Castela e Leão).
Segundo a lenda, foi batizado em Guimarães em 1111, na capela românica de São
Miguel. Faleceu em Coimbra, no final do ano de 1185, após um longo reinado de
conquistas e organização do território.
Notas
(1) - O catálogo da
exposição, muito completo, pode ser consultado ou adquirido no Museu Martins
Sarmento ou através de encomenda via mail.
(2) - Em declarações à imprensa, a antropóloga responsável pelo projeto, Eugénia Cunha, explicou que
a exumação tinha por objetivo fazer a reconstrução física de D. Afonso
Henriques e recuperar «episódios da vida do rei guardados no
seu esqueleto».
(3) - Soares dos Reis era admirador de Alexandre Herculano
(1810-1877), historiador e autor de narrativas históricas cuja ação situava
preferencialmente na Idade Média, nos alvores da nacionalidade. A famosa
escultura “O Desterrado” terá sido inspirada por versos de A. Herculano.
(4) - D. Afonso Henriques é o Patrono do Exército Português,
cujo dia festivo evoca a tomada de Lisboa (24 de outubro de 1147).
D. Afonso Henriques na
Escultura portuguesa
Procede da Igreja românica de São Pedro de Rates uma estátua
representando supostamente D. Afonso Henriques, coroado e com espada. De
fundação muito antiga, a igreja de Rates foi reconstruída no princípio do séc.
XII a mando do Conde D. Henrique e acolheu os cluniacenses, que aí introduziram
a ordem beneditina. A escultura pertence ao Núcleo
Museológico da Igreja Românica de São Pedro de Rates. Foto de Mário Fonseca.
A mais antiga representação do primeiro rei de Portugal
encontra-se atualmente no Museu Arqueológico do Carmo, em Lisboa. Trata-se de
uma escultura em mármore do séc. XII-XIII, procedente da Ermida de S. Miguel da
Alcáçova
de Santarém. A pose da figura é semelhante à da escultura de Rates.
A estátua jacente de D. Afonso
Henriques, da autoria de Nicolau
Chanterenne, data de 1520 (reinado de D. Manuel I) e integra-se num grandioso
túmulo na Igreja de
Santa Cruz de Coimbra.
A escultura em granito existente no Convento de Santa Maria do
Bouro, em Amares, apresenta uma representação de D. Afonso Henriques, do Séc.
XVII/XVIII que parece inspirada no retrato imaginado por Nicolau Chanterenne para o túmulo de Santa Cruz. O
autor da estátua de Santa Maria do Bouro é desconhecido.
D. Afonso Henriques, escultura
em mármore do séc. XVIII de autor desconhecido, na Sala dos Reis, Mosteiro de
Alcobaça. As estátuas da Sala dos Reis representam os Reis de Portugal até
D.José I e foram esculpidas pelos monges.
A
estátua a D. Afonso Henriques existente na Avenida Ernesto Korrodi em Leiria, é
originária de Casal do Rei (Vidais, Caldas da Rainha). Aí, existiu um monumento
que incluía essa estátua, encimando um arco com a inscrição: ‘O Santo Rei D. Afonso
Henriques Fundador de Alcobaça’. O arco marcava o início dos coutos de
Alcobaça. O autor e a data de realização da escultura são desconhecidos mas
trata-se de uma escultura do séc. XVI. O arco foi derrubado em 1911 ou 1912, conta-se
que destruído pelos republicanos mas também que ruiu durante um sismo. Certo é
que a escultura foi recolhida por um morador e mais tarde levada para o antigo Paço Episcopal de Leiria
(depois Regimento de Artilharia Ligeira nº 4 e atualmente a PSP) e finalmente
integrado no arranjo da base do monte onde se ergue o castelo de Leiria.
O Arco da Memória foi entretanto reconstruído em Casal do Rei e
constituiu-se um movimento para exigir o regresso da estátua de D. Afonso
Henriques ao seu local original.
O arco que assinalava o início dos coutos de Alcobaça,
encimado pela estátua a D. Afonso Henriques. In “Por Caminhos de Cister”.
As paredes exteriores do Palácio
de Vila Flor, em Guimarães, são decoradas com estátuas do séc. XVIII, em
granito, de autor desconhecido, representando os reis de Portugal. Entre elas,
não poderia faltar a estátua de D. Afonso Henriques, esculpida ao gosto do
barroco, apesar das limitações do granito.
Da autoria de Soares dos Reis, a famosa estátua de Guimarães
foi inaugurada em 1874 na Praça D. Afonso Henriques, hoje uma parte da Alameda
de São Dâmaso. A estátua foi depois transladada para a Praça do Toural em 1911,
onde se manteve até 1940, ano em que foi colocada junto ao castelo de
Guimarães. A mudança da estátua para o local primitivo, na Alameda de S. Dâmaso
fazia parte da candidatura de Guimarães a Capital da Cultura mas continua
(Abril 2012) na Colina Sagrada.
A estátua na
antiga Praça D. Afonso Henriques, hoje uma parte da Alameda de São Dâmaso
A estátua a D. Afonso Henriques no
Largo do Toural (Ilustração Moderna,
1928, foto de Marques Abreu, reproduzida no blogue Araduca).
No Castelo de São Jorge, em Lisboa, foi erigida em 1947 uma
réplica da estátua de Guimarães, no âmbito da comemoração dos 800 anos da Conquista de
Lisboa aos mouros (1147).
A
estátua de D. Afonso Henriques existente no Jardim das Portas do Sol, em Santarém,
foi fundida a partir de um gesso, presumivelmente do próprio Soares dos Reis,
existente no Regimento de Artilharia da Serra do Pilar e inaugurada em 1999. Foto de Carlos Luis Cruz.
D. Afonso I, obra de Maximiano
Alves realizada em 1940 para a Exposição do Mundo Português (Pavilhão da
Fundação). A Exposição foi um feito soberbo para a época, mobilizando grande
número de arquitetos e artistas nacionais, naturalmente bem relacionados com o
Estado Novo. Maximiano Alves (Lisboa, 1888-1954) era escultor formado
pela Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde foi aluno do escultor Simões de Almeida (tio) e colega do escultor Francisco Franco. Recebeu o grau
de oficial da Ordem de Cristo por uma das suas principais obras, o Monumento aos
Mortos da Grande Guerra.
“Fundação de Portugal”, medalha
de bronze do escultor João da Silva, 1940. João da Silva (1880-1960) frequentou
a Escola de Artes Industriais, Genebra, e a Escola de Belas Artes de Paris.
Autor de várias estátuas (entre as quais os monumentos aos mortos da Grande
Guerra, em Valença, Porto e Évora), distinguiu-se sobretudo como medalhista.
Recebeu o Prémio Soares dos Reis em 1948 e 1951 e a Medalha de Honra da SNBA.
A estátua de D. Afonso Henriques existente no topo norte do
Jardim de Campo Grande, Lisboa, é da autoria de Leopoldo de Almeida e
do arquiteto Guilherme Rebelo de Andrade
(1891-196) e data de 1950. Realizada em mármore de Lioz, com 2,80 m de altura,
foi inicialmente colocada junto à porta principal do Salão Nobre dos Paços do
Concelho da capital, em 1951, onde se manteve algumas décadas. Ver a estátua na sua localização original . Em
1997, foi deslocada para o Campo Grande, substituindo a estátua do Marechal
Carmona.
Leopoldo de Almeida (1898-1975) era diplomado pela ESBAL, onde chegou a
ser professor de desenho (1943) e escultura (1950). Participou no I Salão dos
Independentes (1930), salões da SNBA (onde obteve uma Medalha de Honra e o
Prémio Soares dos Reis), Exposição de Arte Moderna (SPN). Colaborou na
Exposição do Mundo Português (1940) sendo autor do Padrão dos Descobrimentos.
Autor de inúmeras estátuas no país, entre as quais “D. Afonso Henriques”
(Lisboa), Nuno Álvares Pereira (Batalha), “D. João I” (Lisboa).
A estátua de bronze a D. Afonso Henriques colocada no jardim
do castelo de Ourique em 1979 evoca a batalha travada em 25 de Julho de 1139, tão
determinante que as suas tropas o terão aclamado Rei de Portugal ainda no campo
de Ourique. Em 1140, D. Afonso era já referido como "Rex Portugallensis" (Rei dos Portucalenses ou Rei dos Portugueses).
Torres Novas foi
conquistada aos mouros por Dom Afonso Henriques em 1148. Quarenta e dois anos
depois, era uma terra em franco progresso, tendo merecido carta de foral de D.
Sancho I. O busto de bronze é da autoria do arquiteto João Sousa Araújo,
realizado em 1992 e inaugurado a 03 de
outubro de 1993. O monumento comemora os 850 anos do Tratado de Zamora e o mesmo
autor realizou uma segunda versão do monumento destinada a Zamora. Foto: Paulo Carreira.
Versão do busto de Dom Afonso
Henriques em Torres Novas, da autoria do arquiteto João Sousa Araújo, o Monumento
a Dom Afonso Henriques em Zamora comemora
os 850 anos do Tratado de Zamora. Foi
inaugurado em 1993 na presença de Sua Majestade o Rei de Espanha, o Presidente
da República de Portugal e o Presidente da ALA – Academia de Letras e Artes.
A primeira
estátua equestre de D. Afonso Henriques foi realizada em 1984 por Gustavo Bastos e tratou-se de uma
encomenda militar. Foi inicialmente colocada junto ao Quartel General do Porto
e inaugurada em 1985. Apesar de ter sido discípulo de
Salvador Barata Feyo, autor das apreciadas estátuas equestres de D. João VI e
Vímara Peres, no Porto, Gustavo Bastos subestimou as expetativas dos militares
(terá mesmo usado como modelo vivo um velho garrano) e a obra não agradou,
sendo mais tarde levada para o pátio do Museu Militar do Porto, onde se
encontra atualmente, mal exibida e praticamente esquecida. Foto Francisco Sá Lopes.
O monumento “Torneio de
Valdevez” é da autoria do escultor José
Rodrigues e foi inaugurado em 1997 em Arcos de Valdevez. Composto
por duas estátuas equestres frente a frente, representando os primos D.
Afonso Henriques e D. Afonso VII de Leão, evoca o célebre
torneio provavelmente ocorrido em 1140, na Portela do Vez. A vitória dos
portugueses foi determinante para a celebração do Tratado de Zamora, em 5 de
outubro de 1143, data oficial da independência de Portugal e início da dinastia
afonsina.
Em 2001, foi inaugurada a escultura de João Cutileiro (n. Lisboa, 1937) representando D. Afonso Henriques,
em frente das antigas portas da Vila de Guimarães. Realizada em mármore de Guimarães, a
escultura de João Cutileiro não inventa um rosto a D. Afonso, ao contrário do
que fez com o filho, D. Sancho I (Torres Vedras, 1990). O elmo acentua a faceta
guerreira de Afonso Henriques, mas a controversa estátua ao Marques de Pombal
em Vila real de Santo António, também de Cutileiro, não tem assumidamente um
rosto. O escultor preferiu exprimir a personalidade polémica e a importância
histórica de Sebastião José de Carvalho e Melo através de um complexo jogo de
volumes geometrizados e texturas, evocando o estilo Pombalino.
Capa do catálogo da exposição “Os Rostos de Afonso
Henriques”, Sociedade Martins Sarmento, Guimarães, 2009
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