(II Parte - As praias portuguesas na pintura)
Eugene Boudin, “Cena da Praia, Trouville”,
1869, óleo, Saint Louis Art Museum, St. Louis, EUA
Num conceito lato, o turismo pratica-se desde tempos
imemoriais, através de viagens e estadias mais ou menos demoradas nos mais
diversos destinos, por motivos de lazer, saúde, cultura, negócios ou por razões
familiares e relações de amizade. No século XIX, a burguesia endinheirada
descobre a praia como destino turístico e, no final desse século, eram já muito
procuradas as praias do Canal da Mancha e da Côte d'Azur, também conhecida
por Riviera Francesa. Nas primeiras décadas do séc. XX, as praias fizeram
progressiva concorrência ao turismo termal, sobretudo a partir do momento em
que se descobriram as delícias do banho de mar e se propagandearam as virtudes
curativas do sol, da água iodada, das lamas regeneradoras. No verão, passou a
ser moda a burguesia do interior deslocar-se para o litoral, hospedando-se em
hotéis ou casas alugadas, dependendo do tamanho da família e das suas posses.
Uma procura intensificada pela moda cada vez mais desinibida que encolhia de
ano para ano o vestuário de praia, sobretudo o vestuário feminino.
Na década de 1950, acalmadas as hostilidades provocadas
pelas duas tentativas alemãs de expandir o seu território e dominar a Europa,
vivia-se um clima de grande otimismo económico, as viagens estavam mais
facilitadas e as atividades de lazer e de ar livre adquiriram grande
importância. Sendo um espaço ao alcance de todas as classes (e por isso mesmo
começaram a despontar espaços de praia “privados” ou de acesso restrito)
as praias encheram-se de gente de todas as idades, tornando-se um local de eleição
para o lazer, convívio, exercício físico e prática desportiva de areia e mar,
práticas relaxantes e curativas,… e até passerelle de moda e charme. Esta explosão
do turismo de praia constituiu inicialmente uma fonte de riqueza económica para
as comunidades piscatórias mas foi imediatamente reconhecida pelos agentes
económicos, que apoiaram vigorosamente este gosto generalizado com grandes
investimentos no litoral, quase sempre de modo precipitado e caótico. Ao seu
serviço, através da publicidade, mas também procurando mais leitores e
audiências (e não só no contexto da “silly season”), os media massificaram a
procura das praias em todas os meses do ano, dividido em época alta e época
baixa de acordo com a procura e, naturalmente, com preços diferentes – altos e
baixos, de acordo com a época.
A cor e o movimento das praias atraiu pintores (e fotógrafos) de todas as tendências, até então levados ao litoral para captar
emotivamente o gigantesco espaço marítimo, a força incomensurável do mar
embatendo contra os rochedos e fustigando as dunas, ou a doçura do movimento
ritmado das ondas em dias calmos. Agora, em vez da melancolia e tempestades interiores românticas, trata-se de captar a alegria esfusiante do veraneio de beira-mar, a frivolidade da época, o retrato de praia.
A marinha, subgénero da pintura de paisagem (paisagem
marítima ou pintura de assuntos marinhos) surgiu no final do séc. XVI nos
Países Baixos e desenvolveu-se nos séculos seguintes, em grande parte graças à
especialização crescente dos artistas em pinturas com temas específicos. No
século XIX, o espírito romântico dá uma grande projeção à pintura de paisagens
marítimas, perdida com a chegada da fotografia. Os impressionistas foram
particularmente exímios a explorar os efeitos luminosos na paisagem, de tal
modo que a própria designação, impressionismo, deve-se ao título de um quadro de
Monet, “Impressão: Sol Nascente" (1872). Os movimentos vanguardistas
do século XX praticamente esqueceram a pintura de marinhas (e o género da
paisagem, em geral) mas, na década de 1960, o hiperrealismo difundiu-se desde
os EUA para todo o mundo, com o objetivo de competir com a fotografia na
representação da realidade. O hiperrealismo ressuscitou os géneros
tradicionais da pintura, sobretudo o retrato, a natureza-morta e a paisagem,
mas filtrados por conceitos Pop. O retrato de praia, individual ou em grupo,
tornou-se inevitável na fotografia mas, como novo tema da pintura, rebusca e
descontextualiza antigos simbolismos, invade as galerias. Não se trata de mera concorrência de temas entre pintura e fotografia, é já a pintura a imitar a fotografia instantânea, a fotografia de férias. Artistas
contemporâneos como os norte-americanos Alex Katz (n. 1927) e Eric Fischl (n. 1948) ou o
alemão Oliver Kornblum (n. 1968, Hamburgo), pintam “marinhas” com gente, ou gente nas praias, uma
pintura centrada no ser humano alegre e despreocupado, em espaços de lazer e
diversão – ou o ser humano iludido por rotinas e modas frívolas, doces, inofensivas,
inconsequentes?
Praia de Banhos na
Póvoa de Varzim, 1884, óleo sobre tela, Museu do Chiado. João Marques de Oliveira
(1853-1927) introduziu em Portugal a pintura de ar livre – com Silva Porto.
Joaquin Sorolla y Bastida, "Debaixo do Guarda-sol, Zarautz", 1910
Eric Fischl, “O
Gangue”. © Eric Fischl
Oliver Kornblum, “Praias
XV”. © Oliver Kornblum
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