segunda-feira, 8 de julho de 2013

Praias e Pintura: das paisagens marinhas aos retratos de praia

I Parte
(II Parte - As praias portuguesas na pintura)


Eugene Boudin, “Cena da Praia, Trouville”, 1869, óleo, Saint Louis Art Museum, St. Louis, EUA

Num conceito lato, o turismo pratica-se desde tempos imemoriais, através de viagens e estadias mais ou menos demoradas nos mais diversos destinos, por motivos de lazer, saúde, cultura, negócios ou por razões familiares e relações de amizade. No século XIX, a burguesia endinheirada descobre a praia como destino turístico e, no final desse século, eram já muito procuradas as praias do Canal da Mancha e da Côte d'Azur, também conhecida por Riviera Francesa. Nas primeiras décadas do séc. XX, as praias fizeram progressiva concorrência ao turismo termal, sobretudo a partir do momento em que se descobriram as delícias do banho de mar e se propagandearam as virtudes curativas do sol, da água iodada, das lamas regeneradoras. No verão, passou a ser moda a burguesia do interior deslocar-se para o litoral, hospedando-se em hotéis ou casas alugadas, dependendo do tamanho da família e das suas posses. Uma procura intensificada pela moda cada vez mais desinibida que encolhia de ano para ano o vestuário de praia, sobretudo o vestuário feminino.

Na década de 1950, acalmadas as hostilidades provocadas pelas duas tentativas alemãs de expandir o seu território e dominar a Europa, vivia-se um clima de grande otimismo económico, as viagens estavam mais facilitadas e as atividades de lazer e de ar livre adquiriram grande importância. Sendo um espaço ao alcance de todas as classes (e por isso mesmo começaram a despontar espaços de praia “privados” ou de acesso restrito) as praias encheram-se de gente de todas as idades, tornando-se um local de eleição para o lazer, convívio, exercício físico e prática desportiva de areia e mar, práticas relaxantes e curativas,… e até passerelle de moda e charme. Esta explosão do turismo de praia constituiu inicialmente uma fonte de riqueza económica para as comunidades piscatórias mas foi imediatamente reconhecida pelos agentes económicos, que apoiaram vigorosamente este gosto generalizado com grandes investimentos no litoral, quase sempre de modo precipitado e caótico. Ao seu serviço, através da publicidade, mas também procurando mais leitores e audiências (e não só no contexto da “silly season”), os media massificaram a procura das praias em todas os meses do ano, dividido em época alta e época baixa de acordo com a procura e, naturalmente, com preços diferentes – altos e baixos, de acordo com a época.

A cor e o movimento das praias atraiu pintores (e fotógrafos) de todas as tendências, até então levados ao litoral para captar emotivamente o gigantesco espaço marítimo, a força incomensurável do mar embatendo contra os rochedos e fustigando as dunas, ou a doçura do movimento ritmado das ondas em dias calmos. Agora, em vez da melancolia e tempestades interiores românticas, trata-se de captar a alegria esfusiante do veraneio de beira-mar, a frivolidade da época, o retrato de praia.

A marinha, subgénero da pintura de paisagem (paisagem marítima ou pintura de assuntos marinhos) surgiu no final do séc. XVI nos Países Baixos e desenvolveu-se nos séculos seguintes, em grande parte graças à especialização crescente dos artistas em pinturas com temas específicos. No século XIX, o espírito romântico dá uma grande projeção à pintura de paisagens marítimas, perdida com a chegada da fotografia. Os impressionistas foram particularmente exímios a explorar os efeitos luminosos na paisagem, de tal modo que a própria designação, impressionismo, deve-se ao título de um quadro de Monet, “Impressão: Sol Nascente" (1872). Os movimentos vanguardistas do século XX praticamente esqueceram a pintura de marinhas (e o género da paisagem, em geral) mas, na década de 1960, o hiperrealismo difundiu-se desde os EUA para todo o mundo, com o objetivo de competir com a fotografia na representação da realidade. O hiperrealismo ressuscitou os géneros tradicionais da pintura, sobretudo o retrato, a natureza-morta e a paisagem, mas filtrados por conceitos Pop. O retrato de praia, individual ou em grupo, tornou-se inevitável na fotografia mas, como novo tema da pintura, rebusca e descontextualiza antigos simbolismos, invade as galerias. Não se trata de mera concorrência de temas entre pintura e fotografia, é já a pintura a imitar a fotografia instantânea, a fotografia de férias. Artistas contemporâneos como os norte-americanos Alex Katz (n. 1927) e Eric Fischl (n. 1948) ou o alemão Oliver Kornblum (n. 1968, Hamburgo), pintam “marinhas” com gente, ou gente nas praias, uma pintura centrada no ser humano alegre e despreocupado, em espaços de lazer e diversão – ou o ser humano iludido por rotinas e modas frívolas, doces, inofensivas, inconsequentes?

Praia de Banhos na Póvoa de Varzim, 1884, óleo sobre tela, Museu do Chiado. João Marques de Oliveira  (1853-1927) introduziu em Portugal a pintura de ar livre – com Silva Porto.

 Eugene Boudin, "Trouville, na praia, abrigados por um guarda-sol”, 1895

 Paul Gauguin, “Mulheres do Taiti na praia”, 1891, óleo s/tela, Museu de Orsay, França. Em 1891, Gauguin refugiou-se na Polinésia Francesa para fugir da cultura europeia. A praia era então uma inevitabilidade na cultura taitiana. Hoje é um destino turístico paradisíaco, procurado por turistas de todo o mundo.

Joaquin Sorolla y Bastida, "Debaixo do Guarda-sol, Zarautz", 1910

 Pablo Picasso, “Mulheres correndo na praia (A Corrida)”, 1922, guache s/contraplacado, Museu Picasso, Espanha

 Alex Katz, “Porto #9”, 1999, oleo s/tela. © Alex Katz

Eric Fischl, “O Gangue”. © Eric Fischl

Oliver Kornblum, “Praias XV”. © Oliver Kornblum

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