Há anos que se critica o
elevado número de fundações que dependem da contribuição financeira do Estado para
sobreviverem ou para desenvolverem a um nível mais ambicioso as suas atividades
sem fins lucrativos. António Guterres criou em 2001 uma comissão destinada a “moralizar
a criação e o acompanhamento das fundações”. Em 2011, não se sabia exatamente
quantas fundações existiam em Portugal, foi essa a conclusão de um relatório do
Tribunal de Contas após uma investigação do Diário de Notícias avançar um total
de 640 em janeiro desse ano. Sabia-se apenas que eram um sorvedouro de
dinheiro, um mata-borrão de isenções fiscais, o emprego de fregueses políticos.
Comprometido com a troika e para mostrar serviço, o conselho de ministros
aprovou em setembro a realização de um censo às fundações portuguesas “com o
objetivo de reduzir o Estado paralelo”. Regulamentado pela primeira lei de 2012,
a 3 de janeiro, o censo registou 578 fundações privadas e 135 públicas, dados
avançados em março (1), estimando-se assim em cerca de 800 as fundações
existentes em Portugal, “muitas porém sem qualquer atividade, situação que
justificará a não participação de cerca de 200 fundações ao censo” (2). Das 558
fundações que responderam ao censo, foram avaliadas 190 (3), 106 das quais são privadas,
11 público-privadas e 73 públicas de direito privado. Algumas dessas fundações foram
criadas a um ritmo frenético desde 2001 (4) e por vezes com pressa, como
aconteceu na ponta final dos governos de Cavaco Silva em 1991 e de José Sócrates
em 2009 (5).
Para além do reduzido número
de fundações efetivamente avaliadas (190 num universo de 800), surpreende o
insignificante número de extinções indicadas, sobretudo atendendo aos critérios
referidos, tendo em vista a “avaliação do custo/benefício e viabilidade das
fundações destinatárias do censo”: 11 fundações ligadas a autarquias (e redução
dos apoios a outras duas) num universo de 130 fundações claramente tuteladas
por organismos públicos, 50 das quais tuteladas pelas autarquias, 3 pelas
freguesias e 4 pelas regiões autónomas. São elas a Fundação Santo Thyrso (Santo
Tirso), a Fundação António Aleixo (Loulé), as fundações ligadas ao ensino
profissional em Leiria, Setúbal, Vila da Praia da Vitória (Terceira, Açores) e
Vila Franca do Campo (S. Miguel, Açores), a Fundação do Carnaval de Ovar, a
Fundação para a Proteção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco (Alcochete),
a Fundação Paula Rego e a Fundação D. Luís I (Cascais).
A tabela apresentada pelo
jornal Público (6) é muito explícita e permite curiosas leituras, mesmo
considerando que o critério da sustentabilidade (viabilidade económica e nível
de dependência dos apoios financeiros públicos) pesa 50% na avaliação. As
decisões prometidas em setembro de 2011 (7) e legisladas em janeiro de 2012
ficam reduzidas a uma dúzia de (in)decisões, prontamente contestadas pelas
autarquias – e muito justamente, pois foram atropeladas por interesses mais “altos”
e poderosos. Nem por acaso, as fundações
com melhor pontuação global são exclusivamente privadas. E entre as 60
primeiras só aparecem quatro fundações cujos organismos públicos que as criaram
detêm o poder dominante.
Tal como aconteceu em 2001, embora
noutro contexto e apesar do pânico orçamental de 2002 (8), a uma década do “desvio
colossal”, temo que se tenha perdido mais uma oportunidade de disciplinar as
fundações e não só, de as mobilizar totalmente para os fins (não lucrativos, na
aceção exata do termo) que as tornaram necessárias, não substituindo o Estado
no cumprimento dos seus deveres nem, muito menos, impondo ao Estado obrigações
fictícias ou secundárias – essas sim, penalizadoras dos encargos públicos.
Notas:
(1) - Página do Ministério das Finanças, 02 de março 2012. Inquérito às fundações.
(2) - Segundo o relatório oficial da avaliação, datado de abril de 2012.
(3) - De acordo com o relatório,
“responderam ao censo 558 fundações”, tendo sido avaliadas 401 (foram “excluídas
56 Cooperativas, Associações, Centros Sociais e/ou Paroquiais; 100 fundações
constituídas ao abrigo do Direito Canónico; e 1 fundação entretanto extinta”).
Dessas 401, 174 são fundações de solidariedade social (IPSS), cuja avaliação
deverá ser concluída posteriormente pelas respetivas tutelas setoriais
(Ministérios da Solidariedade e Segurança Social e da Educação e Ciência). Das
227 fundações restantes, 37 não foram avaliadas por “insuficiência de
informação, tendo sido efetivamente avaliadas 190 fundações” (pág. 6).
(4) - 75 novas fundações aprovadas entre 2001 e
2009, com variados regimes jurídicos (públicas, privadas, privadas de direito
público), 50 das quais entre 2005 e 2009, quando José Sócrates era primeiro
ministro. Em janeiro de 2011, o Diário de Notícias noticiou que haviam sido
criadas 88 novas fundações desde 2008, a um ritmo de uma a cada doze dias.
Recorde-se que 2001 é o ano da comissão criada por António Guterres para moralizar a aprovação de novas fundações. Segundo o jornal Público de 28/12/2009, os orçamentos do Estado de 2001 e 2002 registam 68,8 milhões de euros de subsídios a fundações, uma despesa pública que rondava já os 167 milhões entre 2007 e 2008, de acordo com um relatório da Inspeção Geral de Finanças de 2009.
Recorde-se que 2001 é o ano da comissão criada por António Guterres para moralizar a aprovação de novas fundações. Segundo o jornal Público de 28/12/2009, os orçamentos do Estado de 2001 e 2002 registam 68,8 milhões de euros de subsídios a fundações, uma despesa pública que rondava já os 167 milhões entre 2007 e 2008, de acordo com um relatório da Inspeção Geral de Finanças de 2009.
(5) - 15 fundações foram
reconhecidas pelos executivos em funções nos três meses que antecederam
eleições legislativas, segundo o jornal Público.
(6) -Tabela das fundações.
(7) - A " extinção de
todas as fundações públicas de direito público, bem como de todas as fundações
públicas de direito privado (...) a redução ou a cessação de qualquer apoio
financeiro a fundações públicas de direito privado e a fundações privadas (...)
e o cancelamento do estatuto de utilidade pública".
(8) - Protagonizado por Durão Barroso no
Parlamento: “Os senhores (o anterior governo, socialista) deixaram Portugal de
tanga!”
Conhecer
algumas fundações portuguesas.
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