SIMÕES DE ALMEIDA (SOBRINHO) E O BUSTO DA REPÚBLICA
A representação tradicional da República foi inspirada na figura central de uma pintura panfletária de Eugène Delacroix (1798-1863), “A Liberdade Guiando o Povo” (1830). Neste quadro, o principal pintor do Romantismo francês mostra uma figura feminina com um barrete frígio, representando a Liberdade, destemida e determinada. Os seios descobertos, sem intuitos lascivos, exprimem a ideia de liberdade absoluta, contra os normativos morais vigentes. O barrete frígio, já utilizado na antiguidade pelos habitantes da Frígia (actual Turquia), foi adoptado pelo povo como símbolo revolucionário na tomada da Bastilha (1789) e tornou-se um dos principais símbolos da República Francesa.
A representação tradicional da República foi inspirada na figura central de uma pintura panfletária de Eugène Delacroix (1798-1863), “A Liberdade Guiando o Povo” (1830). Neste quadro, o principal pintor do Romantismo francês mostra uma figura feminina com um barrete frígio, representando a Liberdade, destemida e determinada. Os seios descobertos, sem intuitos lascivos, exprimem a ideia de liberdade absoluta, contra os normativos morais vigentes. O barrete frígio, já utilizado na antiguidade pelos habitantes da Frígia (actual Turquia), foi adoptado pelo povo como símbolo revolucionário na tomada da Bastilha (1789) e tornou-se um dos principais símbolos da República Francesa.
A Liberdade imaginada por Delacroix em 1830 foi logo depois representada em busto por diversos escultores, reproduzida e reinterpretada ao longo dos anos e décadas, até ao presente. Manteve o ar decidido, o barrete frígio, cobriu-se o peito e acrescentou-se o ramo de loureiro triunfal ou a foice, simbolizando a abundância.
Na França, a figura que representa a República é conhecida desde sempre por Marianne mas mudou várias vezes de aspecto desde 1944. Após o fim da II Guerra Mundial, a Associação dos Autarcas Franceses decidiu actualizar periodicamente a representação da República utilizando como modelo jovens francesas famosas, como a actriz Brigitte Bardot (1968), a cantora Mireille Mathieu (1978), a actriz Catherine Deneuve (1985), a modelo e designer Inès de la Fressange (1989), ou a modelo e actriz Laetitia Casta (2000). A apresentadora de TV Èvelyne Thomas (2003) foi a escolha mais controversa, apesar da sua popularidade.
Em Portugal, a propósito das Comemorações do Centenário da República, o escultor João Cutileiro lançou a discussão sobre uma eventual alteração do busto português mas a Comissão do Centenário opôs-se com autoridade e a proposta não reuniu consenso.
O busto português da República retém, assim, os traços fisionómicos de Ilda Pulga, uma jovem natural de Arraiolos que morreu em 1993 com 101 anos, mas a escolha dessa peça escultórica foi complexa e rodeada de polémicas – à boa maneira portuguesa.
Em 1910, a Câmara Municipal de Lisboa promoveu um concurso nacional para a criação do busto oficial da República portuguesa – naturalmente à imagem e semelhança da Marianne francesa. Concorreram 9 escultores. O vencedor, Francisco dos Santos (1878-1930), regressado de Paris em 1909, apresentou um busto elegante, com traços refinados, um trabalho erudito condizente com o modelo francês. Em segundo lugar ficou Simões de Almeida (sobrinho) (1880 – 1950), autor da proposta intitulada “Fraternitas”, que apresentava os traços da portuguesíssima Ilda Pulga, de rosto cheio e seios fartos. O terceiro lugar coube a Júlio Vaz Júnior (1877-1963), com a proposta intitulada “Austera” – um busto expressivamente austero, semblante grave e peito pudicamente encoberto por um enorme ramo de loureiro.
O júri do concurso escolheu de facto a obra mais bela e erudita mas foi o busto de Simões de Almeida que acabou por ser adoptado como símbolo oficial da República portuguesa em 1911. A razão desta preferência tem a ver com a sensibilidade e gosto populares, mas deve-se sobretudo à precipitação da propaganda republicana.
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As três propostas vencedoras (da esquerda para a direita):
Francisco dos Santos; Simões de Almeida; Júlio Vaz Júnior.
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Conhecido por José Simões de Almeida (sobrinho) para se distinguir do seu tio (Mestre escultor José Simões de Almeida), o autor do busto português da República nasceu em Figueiró dos Vinhos em 1880 e faleceu em Lisboa em 1950.
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Formou-se em Escultura em 1903, na Academia Real de Belas-Artes (depois Escola de Belas-Artes de Lisboa), onde foi aluno de seu tio e mais tarde professor de desenho e pintura.
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Bolseiro da Academia Nacional de Belas Artes, estudou escultura em Paris e Roma.
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Após a conquista da Câmara de Lisboa pelos republicanos nas eleições de 1 de Novembro, o novo presidente da Câmara, Anselmo Braamcamp Freire (1849 –1921), encomendou a Simões de Almeida (sobrinho) um busto para a República, que o escultor executou utilizando como modelo a jovem Ilda Pulga.
A República só teve símbolos oficiais em 1911 (e efígies republicanas nas moedas em 1912), razão pela qual esse busto marcou presença em diversos acontecimentos republicanos e cerimónias oficiais logo após o 5 de Outubro de 1910, com destaque para o funeral conjunto de Miguel Bombarda e de Cândido dos Reis (6 de Outubro de 1910), e granjeou a preferência de muitos lideres republicanos. Para o concurso nacional de 1910, Simões de Almeida apresentou uma proposta baseada nesse primeiro busto, com alterações suficientes para cumprir a exigência regulamentar de obras inéditas, mas rapidamente identificada pelo comum dos republicanos e a proposta vencedora do concurso nacional não teve aceitação popular. Encontra-se hoje exposta no Museu da República.
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Sérgio Reis
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*Publicado no jornal "Ecos da Nossa Escola" - Agrupamento de Escolas de Tourais-Paranhos, nº 16, Maio 2010
"A Ilustração Portuguesa"
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