Em 1999, por ocasião da primeira exposição coletiva dos artistas senenses, constituiu uma agradável surpresa verificar que um significativo número de senenses de várias idades e formações se dedicavam de algum modo às artes. Faziam-no sobretudo por curiosidade cultural ou prazer ocupacional e poucos sonhavam com uma carreira artística de sucesso, que é muitas vezes confundida ou medida erradamente pelo sucesso comercial. E acharam importante mostrar regularmente algumas das suas obras numa exposição coletiva anual que começou por marcar o panorama cultural senense na viragem do século e sobrevive atualmente integrada no ARTIS – Festival de Artes Plásticas de Seia, cuja 11ª edição terá lugar já em maio. Embora os números não tenham rosto nem nome de gente e sejam por isso tão frios e enganadores, vale a pena sublinhar que cerca de 130 desses artistas, amadores no sentido mais inteiro do termo (aqueles que amam e se dedicam por gosto), expuseram pelo menos uma vez nas 14 mostras coletivas até hoje realizadas. Alguns, participaram repetidamente nessas exposições e a sua obra desenvolveu-se entre coletivas senenses, ganhando corpo e vontade para vencer as barreiras da interioridade.
Virgínia Pinto é uma artista senense (Sameice, 1976) revelada pelas grandes coletivas dos artistas senenses, nas quais participa desde a 3ª edição (2001). Artista autodidata, com formação na área da engenharia civil (Curso Técnico de Desenho e Medições do CICCOPN, Curso de Engenharia Civil na Escola Superior de Tecnologia de Viseu), sempre gostou de desenhar e pintar. Ao longo dos anos, foi descobrindo materiais, explorando técnicas, desenvolvendo o sentido da composição e a expressividade dos conteúdos plásticos. Há poucos anos, experimentou a escultura e as suas obras rapidamente entraram no circuito da arte contemporânea nacional, com boa recetividade em exposições nacionais e internacionais e feiras de arte.
Os seus primeiros trabalhos sobre tela datam de 1996. Quatro anos depois, realizou a sua primeira exposição individual, intitulada “Um som que senti”, na Quinta do Crestelo, em Seia. Sobretudo desde 2001, em obras como “O Anjo” (o “anjo das criações”, segundo a autora), as temáticas e o esquema pictórico clarificaram-se e dominam a sua pintura até ao presente, com maior nível de exigência a nível da representação e caracterização das figuras e tratamento da cor. A composição dinâmica combina abstrato e figurativo no mesmo campo visual, predominando a monocromia, aqui e ali animada com geometrizações coloridas. A lembrar que, no quotidiano monótono e vazio, os afetos são as principais alegrias mas também focos de sofrimento, e a vida das pessoas perpetua-se ou muda conforme o modo como elas se relacionam com essas alegrias e reagem ao sofrimento. Ora as alegrias e as tristezas são quase sempre construções mentais e parece-me interessante que a artista as geometrize em quadros predominantemente figurativos, como acontece por exemplo nas telas “Abraço” ou “Encontros” (2004). Em obras como “Corpos de Papel” (2008), as construções mentais são os próprios cabelos das personagens.
O ano da exposição individual “O meu sonho é ser pássaro” (Viseu, 2008), marca o final da primeira fase da obra de Virgínia Pinto. Em 2009, a artista senense iniciou-se na escultura, combinando materiais aparentemente tão diversos como o mármore, aço inox e madeira. Em poucos anos, as suas pequenas mas sugestivas esculturas ganharam visibilidade e abriram-lhe as portas de diversos certames artísticos nacionais e internacionais. Recentemente, criou um blogue na internet, onde se apresenta e disponibiliza imagens das suas esculturas mais recentes, mostrando que o artista não precisa de ser pássaro para elevar o espírito bem acima da matéria.
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