quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Mais uma interessante proposta da Arte Digital

“A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, sem personagens.
(imagem na página de Bence Hajdu no Facebook)

Um estudante de artes húngaro, Bence Hajdu, utilizou recursos digitais para retirar as personagens de algumas pinturas renascentistas famosas. O exercício permite estudar a utilização da perspetiva por pintores como Fra Angelico, Leonardo da Vinci e Sandro Boticelli, entre outros, mas o resultado também deve ser entendido como intervenção artística. Hajdu chamou a estes exercícios de arte digital, justamente, “pinturas abandonadas”, que podem ser vistas AQUI.

A representação em perspetiva, hoje considerada uma das conquistas marcantes do 2º milénio D. C., esteve na origem de uma revolução artística cujo apogeu coincidiu com a maturidade de Leonardo da Vinci(1452-1519), Raphael (1453-1520) e Michelangelo (1475-1564) e proporcionou uma duradoura interação entre arte e ciência, que continua bem visível na atualidade. O período de quase 4 séculos (1) designado por Renascimento desde o século XIX (por ter redescoberto e revalorizado as referências culturais da antiguidade clássica), representa o longo processo de transformação da Europa medieval na Europa moderna, realizado a diferentes velocidades e com grandes contradições históricas. Podemos questionar hoje, como fez Ruskin logo no século XIX, se o Renascimento (tal como o pintam e vendem) foi realmente positivo para a humanidade, e com novos argumentos, mas não é isso que está agora em questão.

Após Filippo Brunelleschi (1377-1446) ter estabelecido as bases processuais da perspetiva com base nos ensinamentos do arquiteto grego Vitrúvio (que haviam ficado esquecidos durante toda a Idade Média) a ilusão visual da profundidade proporcionada pela perspetiva tornou-se rapidamente uma obsessão entre alguns artistas europeus da época, que a estudaram com enorme curiosidade e praticaram com exigência científica, construindo engenhos experimentais, elaborando teorias e teses, publicando tratados, aplicando essas aprendizagens na concretização das suas obras. Por estes motivos, a evidência da perspetiva na pintura renascentista chegou a ser esmagadora, dominando o espaço e a composição.

Alguns artistas, utilizaram a perspetiva para intensificar o realismo do cenário através da ilusão visual da profundidade.



Na obra “Mulher redime o seu manto ao preço de uma hóstia consagrada” (1467-1468), de Paolo Ucello, o domínio da perspetiva é usado para melhorar o cenário, que adquire enorme interesse descritivo.


A representação em perspetiva assume igualmente particular interesse na pintura do holandês Johannes (Jan) Vermeer (1632-1675) – como, por exemplo, em “A Lição de Música” (1662-65). Em algumas das telas que são atribuídas a Vermeer (só duas estão assinadas por ele) é ainda percetível o orifício do prego utilizado como ponto de fuga.


Outros artistas integraram o próprio mecanismo da perspetiva na composição do quadro, inclusive para determinar a posição dos personagens.



Em “A Última Ceia” (1495-1498), Leonardo da Vinci situa o ponto de fuga na cabeça de cristo, no vértice do triângulo formado pelo corpo. O ponto de fuga para o qual todas as retas projetantes convergem ou, visto noutro sentido, o ponto do qual tudo irradia.


Na pintura “Banquete de Casamento” (1483), de Sandro Botticelli (1445-1510), até as cabeças dos convidados e dos criados estão alinhadas pela perspetiva.

Em 2009, o artista chinês Yue Minjun (N. 1962) realizou uma série de pinturas inspiradas em obras famosas, como “Anunciação” (de Fra Angelico, 1450, também selecionada por Bence) e “Deposição” (de Rosso Fiorentino, 1521) mas trata-se de reinterpretações plásticas das obras, nas quais o artista suprimiu as personagens  ou substituiu-as  por figuras do seu caraterístico imaginário, como se pode ver AQUI.

(1) - O início e o fim do Renascimento não são consensuais. O seu início é geralmente datado no final do séc. XIII e localizado na região da Toscânia. Após o apogeu, no final do séc. XV e início do séc. XVI, decaiu na península itálica mas continuou a expandir-se pela Europa até se diluir no maneirismo, que fez a transição para o Barroco. Os principais pintores renascentistas portugueses (Jorge Afonso, Vasco Fernandes, Gregório Lopes e Garcia Fernandes) estavam ativos no início do século XVI mas só Garcia Fernandes sobreviveu aos anos 50.

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