Aproximando-se a irrevogável saída de Cavaco Silva da
Presidência da República, pergunta-se qual o artista que escolherá para pintar
o seu retrato presidencial, com lugar marcado na Galeria dos Retratos Oficiais
no Museu da Presidência da República.
O 25 de Abril e 1974 arejou as mentalidades nacionais mas os
antigos gostos artísticos persistiram durante mais alguns anos. No caso dos
retratos presidenciais, nota-se a tensão entre os antigos e novos valores
estéticos enquanto o cargo foi ocupado por militares.
António de Spínola foi retratado por Duarte Pimentel, entre
outros, mas o seu retrato presidencial é da autoria de Francisco Lapa, filho do
mestre Manuel Lapa, que em 1974 optou por conferir à obra alguns traços da
pintura “naïf”. Joaquim Rebocho pintou Francisco da Costa Gomes em 1987, um
retrato muito criticado mas fruto de uma época de irreverências e liberdades. O
retrato de Ramalho Eanes foi pintado por Luís Pinto Coelho em 1991, e
carateriza-se por uma excessiva rigidez, traduzindo em grande parte a imagem
pública do primeiro Presidente eleito.
A arte contemporânea entrou com estrondo na Galeria dos
Presidentes em 1992, graças ao retrato de Mário Soares por Júlio Pomar. A
escolha surpreendeu o próprio Pomar, a quem Soares terá dito “Pinta-me como
quiseres”. Jorge Sampaio seguiu o exemplo do seu antecessor e fez-se representar
em 2005 por Paula Rego. Novamente, um retrato polémico, nada consensual, como
aliás deve ser a arte contemporânea: inquieta, questionadora e irreverente.
E com Cavaco Silva, como vai ser?
o género do retrato na pintura possui caraterísticas muito
próprias, realizando-se plenamente no subtil compromisso entre a habilidade
técnica e a capacidade de observação / perspicácia psicológica do retratista.
Mas há dias melhores e dias piores, até para os artistas, nem sempre o
retratista consegue vencer as barreiras de imagem do retratado. Parece que
aconteceu precisamente isto com Lucian Freud no retrato de Isabel II, o tamanho
do suporte (15,2 x 23,5 cm) também não terá ajudado, assim como a escolha de um
pintor compreensivelmente pouco à vontade perante os formalismos da pose real.
No caso dos presidentes da nossa República, estes encomendaram os seus retratos
preferencialmente a pintores amigos, irmanando-os nessa iconografia
memorialista para a posteridade. Francisco Lapa e Joaquim Rebocho são artistas
pouco conhecidos mas a história dos “pintores amigos” começa logo com
Columbano, que pintou três amigos e correligionários, Manuel de Arriaga (1914),
Teófilo Braga (1917) e Teixeira Gomes (1925). Na verdade, o retrato pintado é
um género muito exigente e a maior parte dos pintores despacharam-no
alegremente para os fotógrafos logo após a invenção da fotografia. Na
escultura, a reprodução tridimensional é mais intuitiva do que a ilusão da
profundidade e dos volumes no retrato pintado, havendo casos de excelentes
escultores que também fracassaram em muitos bustos e estátuas, com encomendas
canceladas e obras devolvidas. No retrato fotográfico, a habilidade técnica
está simplificada pelos meios mecânicos e o fotógrafo pode "perseguir"
o momento em que o retratado melhor se revela.
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