No Museu de Serralves decorre até 24 de junho uma
interessante exposição retrospetiva de Mira Schendel (1919-1988), artista
nascida na Suíça e radicada no Brasil. Com uma impressionante história de vida,
Myrrha Dagmar Dub, filha de um emigrante checo e afilhada de um conde italiano,
tornou-se refugiada devido às suas raízes judaicas e ativismo social em Itália,
viajando pela europa até emigrar para o Brasil, em 1949. Aí começou a pintar,
no meio de grandes dificuldades económicas e tendo apenas como referência os
mestres da pintura moderna europeia. Em São Paulo, passou a assinar os seus
trabalhos simplesmente com o primeiro nome, Mira, e adquiriu, por casamento, o
apelido Schendel. Com formação em Filosofia, amiga de Max Bense (autor de uma
curiosa teoria estética) e integrada num círculo cultural paulista de raízes
germânicas, produziu uma vasta obra pictórica explorando os limites da
abstração. No início da década de 1960, trabalha o conceito de “transparência”
na perspetiva filosófica (a perceção humana do tempo e do espiritual) e
desenhando sobre papel de arroz, delicado e semitransparente, passando depois
aos “objetos gráficos” integrando letras e outros elementos gráficos assim como
o contributo literário de poetas brasileiros.
Na década de 1970, Mira Schendel integrou na sua obra aspetos
tecnológicos inovadores, ao nível da conceção e produção, afirmando-se como uma
das mais importantes artistas brasileiras contemporâneas. Na década de 1980
regressou à pintura, trabalhando com têmpera e integrando nas suas telas a
folha de ouro e pó de tijolo.
Na sala central de Serralves podem ser apreciadas obras da
última série de Schendel, os “Sarrafos” (1987), formas geométricas negras que
escapam do seu suporte de modo diferente dependendo do ponto de vista do
observador, questionando os limites da forma, a bidimensionalidade da pintura e
do seu suporte tradicional, assim como o espaço do observador e a sua
participação na obra.
A exposição patente em Serralves foi organizada em
associação com a Tate Modern e a Pinacoteca do Estado de São Paulo, na
sequência da exposição realizada em Londres no final de 2013. Com curadoria de
Tanya Barson e Taisa Palhares, essa exposição reuniu cerca de 250 obras
provenientes de coleções públicas e privadas – a maior retrospetiva da obra de
Mira Schendel até à data, após a grande homenagem prestada na 22ª Bienal
Internacional de São Paulo (1994) e a exposição no MoMA em 2009.
“Natureza morta”, 1953, óleo s/tela. As referências
europeias marcaram as primeiras obras da artista, que se mudou para São Paulo
em 1953…
... mas também as explorações abstratas com materiais pouco
apreciados nos círculos artísticos na época: tintas baratas, gesso, areia, madeira.
S/título, 1954, têmpera e gesso s/madeira.
“Ondas Paradas de Probabilidade”, instalação, 1969. Obra
criada para a 10ª Bienal de São Paulo, composta por um gigantesco cubo formado
por fios de nylon e uma citação bíblica (Livro dos Reis, I, 19) sobre a relação
entre conhecimento e fé, “a visibilidade do invisível, daquilo que age sem eu o
vejamos – como, por exemplo, processos físicos ou espirituais” (Mira Schendel).
“Variantes”, 1977, óleo s/papel de arroz e acrílico. O
conceito de transparência é fundamental na obra de M.S. e as curadoras
destacaram a importância de outro aspeto fundamental, a consciência /
conhecimento do espaço.
“Sarrafo” (1987), tinta acrílica, têmpera e gesso s/madeira.
Nas últimas obras, M. S. explorava os limites da forma, dos suportes e o espaço
do observador.
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