“Amerikka” (1991-2013). Um chão de ovos e um teto de balas
A 26 de janeiro, termina em
Serralves a exposição de Cildo Meireles, artista brasileiro (Rio de Janeiro,
1948) cujas obras de arte concetual se caraterizam pela espetacularidade e por
uma linguagem crítica mais próxima do grande público e poderosamente bem
disposta. Muitas das suas obras são interativas, transformando muitas vezes o
espectador em participante ativo no funcionamento e entendimento da peça
artística.
Conhecido pelas suas subtis
provocações políticas durante a ditadura militar brasileira, Cildo constrói as
suas obras concetuais orientando progressivamente o espectador para um sentido
específico e acessível ao cidadão médio, remetendo para problemáticas comuns e não para
construções filosóficas abstratas, funcionando como comentários críticos a
realidades conhecidas de todos, com perspicácia e humor. Em “Olvido” ”
(1987-89), uma tenda feita com milhares de notas de banco ergue-se no centro de
um território coberto de ossos, rodeado por um muro circular de velas de cera.
“Amerikka” (1991-2013) é o espaço compreendido entre um chão feito de 20.050
ovos e um teto com 40.000 balas de diversos calibres apontadas ao chão de ovos.
O visitante é convidado a passear sobre os ovos (de madeira, em tamanho real)
abstraindo da ameaça representada pelo teto de balas.
A obra mais impressionante da
exposição é “Abajour” (2010), pela dimensão e meios envolvidos, interação de
materiais e de linguagens artísticas, incluindo a instalação e a performance,
mas sobretudo pela eficácia comunicativa. Inspirada num simples candeeiro, esta
obra recorda-nos que o nosso mundo funciona e avança graças ao esforço anónimo
de gente humilde, escravos de rotinas, que raramente compreendem a sua
verdadeira importância pois vivem aprisionados em pequenos espaços físicos e
mentais.
Organizada conjuntamente com o
Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, com curadoria de João Fernandes
(antigo diretor artístico do Museu de Serralves), a exposição completa-se com a
peça “Nós Formigas” (2007/2013) no jardim, visível do piso inferior e visitável
pelo exterior embora sob condições especiais. O visitante tem de descer a um
buraco no solo e observar a obra de baixo para cima, debaixo de um cubo de
pedra com várias toneladas suspenso por uma grua. Consegue-se ver a colónia de
térmitas no fundo do cubo mas, confesso, entra-se naquele buraco com um nozito
de receio teimoso na garganta.
“Olvido” ” (1987-89)
Outra proposta interessante: a desconstrução de escadas. Os
elementos de escadas com 3 metros são recombinados criativamente. A perda da
função prática conduz ao objeto artístico, intelectualmente mais interessante.
Estes trabalhos foram expostos pela primeira vez em 2002, em Siena, Itália,
completando a obra “Viagem ao centro do céu e da terra” – uma escada de ferro
com 40 metros de comprimento, ao ar livre.
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