Vista parcial da exposição (sala principal)
Apesar das restrições orçamentais e
desmotivação dos públicos, que têm desacelerado as dinâmicas culturais sobretudo
no interior do país, algumas instituições privadas e organismos públicos
continuam corajosamente a oferecer eventos culturais de relevo regional e até
nacional, promovendo os valores locais e proporcionando espaços e momentos de
interação e difusão culturais, perseguindo a melhoria dos padrões culturais das
populações.
Esta constatação vem a propósito da já
anunciada realização da ARTIS XII – Festival de Artes Plásticas de Seia, prometendo
para maio e junho quase dois meses de exposições e iniciativas paralelas, da
mostra de pintura a óleo de António Manuel Pires no Posto de Turismo de Seia e da
excelente exposição de pintura e escultura de Alexandre Magno e Cristina Vouga patente
nas galerias da Casa da Cultura até final de março.
Alexandre Magno e Cristina Vouga desenvolvem
projetos artísticos diferentes com percursos artísticos em certa medida
semelhantes: ambos nasceram em Angola na década de 1960, iniciaram os estudos
artísticos superiores no Porto e concluíram licenciaturas em artes plásticas em
Lisboa, começaram a expor os seus trabalhos sensivelmente pela mesma altura e
têm estado muito presentes no centro-interior do país, expondo em Viseu,
Tondela e Seia. Cristina Vouga participa atualmente noutra exposição conjunta,
em Guimarães, com o pintor Alberto d´ Assunção – que expôs na Casa da Cultura
de Seia em 2013.
Nas obras de Cristina Vouga (n. 1969) predomina
o jogo de volumes, o modo como estes evoluem no espaço, e a invocação subtil de
outras dimensões sensitivas do real através do recurso a materiais muito
diversos. A artista articula nas suas obras características formais diversas –
como a interação entre superfícies planas e curvas, o geometrismo cubista e as
formas redondas polidas e orgânicas, na senda do surrealista Jean (Hans) Arp. Graças
ao tratamento exterior com grafite, material indissociável do desenho, o frágil
gesso adquire o aspeto compacto e pesado do metal, ludibriando a visão e até o
tacto. Por outro lado, a combinação de materiais com caraterísticas opostas na
mesma peça destaca correspondências entre formas de conjuntos e universos
diferentes. Na peça “Obstado Adejo” (2012-13) a forma alada ou inflada pelo
vento, no seu voo condicionado, tem por base uma superfície de pelo sintético
que domina a vista principal da escultura, em gesso patinado a grafite.
Para
além das esculturas, Cristina Vouga apresenta trabalhos bidimensionais de
pequeno formato dominados pela preocupação com os volumes, apesar da relevância
da cor e valores plásticos próprios do pastel seco.
Alexandre
Magno (n. 1966) apresenta 30 trabalhos de pintura e desenho, com destaque para
a pintura, que o artista destaca no seu projeto existencial como veículo de
evasão, de libertação: “Com os meus quadros vou de viagem sempre que lhes pego”
(1). Viagens que vai construindo a partir do nada, do espaço branco da tela,
“para limpar a claridade a mais” (1) compondo laboriosa e progressivamente as
formas que os fundos haverão de destacar ou absorver, uma construção
intelectual e sensória que resulta na desconstrução da imagem, através de
técnicas distintas interagindo no mesmo suporte, com destaque para o óleo e o
acrílico. Viagens aventureiras, de reconhecimento e descoberta, emotivas e
emocionantes, revelando as mil e uma facetas da forma, do modo de a percecionar
e entender - tal como se perceciona e entende a própria vida, a
individualidade, a relação com os outros e com o mundo. Nem por acaso, uma
recente exposição do artista na Galeria Vieira Portuense intitulava-se
“Percepcionista”.
A
pintura de Alexandre Magno vibra de cor, energia e emoção. A composição cerrada,
o espaço quase sempre fechado sobre as figuras, como se habitassem cavernas e
túneis e tudo possa acontecer ao observador a partir do instante em que entra
no mundo do quadro e se deixa passear por esse mundo de personagens enredadas
em teias de cor, vibrante de emoção. Trata-se de uma linguagem plástica
simultaneamente próxima dos “fauves” mas muito além do justificado
pretensiosismo de juventude de Maurice de Vlaminck (1876-1958): “Transpus para
uma orquestração de cor todos os sentimentos de que tinha consciência. Era um
bárbaro, jovem e cheio de violência.” Na verdade, a sua obra enquadra-se na
recuperação pós-moderna da pintura figurativa expressionista iniciada nos anos
1980, que ajudou ao renascimento da pintura alemã com os “novos selvagens” (Baselitz,
Penck, Kiefer, etc.) e transformou as abordagens pictóricas neofigurativas no
mundo artístico ocidental. A crise das bases ideológicas do Modernismo esteve
na origem da rutura proposta pelos pós-modernistas, a convicção de que a arte já
não consegue transformar a sociedade mas, ainda assim, consegue fazer-nos
pensar, despertar consciências neste mundo cada vez mais dominado pela cultura
de massas – essa sim, apontada para as audiências, para os lucros do consumo, e que
vai mudando avidamente a sociedade e o mundo… para melhor?
(1)-“Alexandre
Magno, pintor (pelo próprio)”, revista Anim’Arte, Viseu
Cristina Vouga, “Obstado Adejo”, 2012-13, gesso patinado a grafite, pelo sintético
Alexandre
Magno, “Luta de Aves Raras”, 2008, óleo e acrílico s/tela
Vista parcial da exposição (galerias)
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