Lucas de Almeida Marrão nasceu em Seia a 5 de Fevereiro de 1824, há 185 anos, na quinta do fidalgo senense Luís Pinto de Mendonça Arrais, futuro Visconde de Valongo, de quem seus pais eram caseiros.
Nascido na Casa das Obras, em Seia, a 04 de Julho de 1787, Luís Pinto de Mendonça Arrais tornou-se 1º Barão (1835) e depois 1º Visconde de Valongo (1842) pelo seu valoroso desempenho nas Lutas Liberais - comandando o Batalhão de Voluntários da Rainha D. Maria II que desembarcou numa praia próxima do Porto (e não no Mindelo, Vila do Conde) e nas batalhas travadas em Valongo em 1832 e 1833, onde quase perdeu a vida. Já com o título de Visconde, foi Governador Civil do Porto em 1847.
Reza a história que o próprio Visconde de Valongo descobriu a vocação do jovem Lucas, vendo-o esculpir num pedaço de madeira uma figura religiosa (Nossa Senhora, segundo Quelhas Bigotte; Santo António, na versão do Dr. Luís Pinto de Albuquerque, relatada pelo Dr. António Dias) e que o tomou sob a sua protecção. No entanto, a certidão de baptismo de Lucas Marrão mostra claramente que ele já vinha sendo protegido desde criança pois os seus padrinhos de baptismo eram fidalgos da Casa de Tourais, um oficial de nome Lucas Maximo de Frias, oficial do Regimento de Milícias da Covilhã, e sua mulher, Francisca Augusta Napoles. Sem colocar em causa a verdade historiável, não deixa de ser curiosa tanta preocupação fidalga com o filho de um simples caseiro.
Sob a protecção da família Mendonça Arrais, frequentou a aula de Desenho Histórico da Academia de Belas-Artes, entre 1847 a 1852, onde foi discípulo de António Manuel da Fonseca (1796-1890), pintor e escultor que exerceu larga influência no seu tempo. Ali, obteve prémios nos concursos de 1847/48, 1948/49 e 1949/50.
Participou na exposição da Academia Real de Belas Artes em 1852, com quatro telas originais e uma cópia de uma tela de Vieira Portuense (“Júpiter e Leda”), assim como na Exposição da Sociedade Promotora de Belas Artes de 1880 e na de 1884.
Entre as suas obras mais conhecidas, destacam-se o “Retrato da Infanta D. Isabel Maria” (col. Conde de Almarjão); “Defronte de um Altar”, de 1879 (col. D. Caetano de Portugal); “Retrato de El-Rei D. Luís” (Câmara Municipal da Seia). Retratou o Visconde de Valongo (1842), D. José Pinto de Mendonça Arrais (irmão do Visconde de Valongo, bispo de Pinhel e da Guarda) e o Dr. José da Mota Veiga, entre outros. (Ver AQUI alguns trabalhos de Lucas Marrão na Biblioteca Nacional Digital).
Em Seia, não restam (ao que se saiba) muitas obras de Lucas Marrão. Num artigo publicado no jornal “A Voz de Seia”, segundo notícia de José Alberto Ferreira Matias, o Dr. António Dias referia a existência de muitos desenhos desse autor na Casa das Obras de Vila Cova. Pintou as bandeiras da confraria do Santíssimo Sacramento e dois quadros com “Os Evangelistas” para a extinta capela do Morgado de Nossa Senhora das Preces. São-lhe atribuídos sete dos oito quadros representando a Via-sacra existentes nas paredes laterais da Igreja da Misericórdia – já que um deles é nitidamente de outro autor, tal como J. Quelhas Bigotte já havia notado pois omitiu-a. Várias pinturas de Lucas Marrão encontram-se na posse de descendentes do Visconde de Valongo - como a Viscondessa de Valdemouro, filha do 2º Visconde de Valdemouro, nascido em Seia em 1896
e falecido em Águeda em 1938.
A obra mais conhecida do artista senense, pelo nível artístico e insubstituível valor documental é a litografia “Vista da Villa de Cea, tirada do alto da Senhora do Rosário” (1845). Em 1997, foi editada pela Câmara Municipal de Seia uma reprodução dessa litografia, colorida pelo artista senense António Júlio Vaz Saraiva.
A litografia mostra com grande pormenor a Casa das Obras (da família do Visconde de Valongo, hoje Câmara Municipal de Seia), a Colegiada (destruída à passagem das tropas francesas invasoras), o castelo em ruínas e a zona envolvente, o Solar dos Botelhos, a Capela de S.Pedro e a Igreja da Misericórdia.
O Dr. António Dias levou aos jornais senenses do seu tempo, nos anos 40 do século XX, os ecos do trabalho publicado pelo Coronel Henrique de Campos Ferreira de Lima (“Dois artistas esquecidos - Lucas de Almeida Marrão e João Baptista Minas”) na “Revista de Guimarães”, em 1944, acrescentando-lhes o resultado da sua própria pesquisa, muito esclarecedora e incontornável para um estudo sério sobre Lucas Marrão. Em 1997, a propósito da edição, pela Câmara Municipal, da “Vista da Villa de Cea, tirada do alto da Senhora do Rosário”, José Alberto Ferreira Matias (filho do grande jornalista e insigne senense Luís Ferreira Matias) divulgou essa pesquisa em quatro artigos do Jornal de Santa Marinha (nº 96, 98, 100 e 101, de 1 de Março a 16 de Maio de 1997) ilustrados com as fotos e reproduções que aqui se mostram, com a devida referência e agradecimentos a José Alberto Ferreira Matias, a Serafim Correia (autor das fotografias dos quadros da Misericórdia), à Misericórdia de Seia e ao Jornal de Santa Marinha, na pessoa do seu Director, Eduardo Cabral.
As telas atribuídas a Lucas Marrão. Ao centro, o quadro de outro autor (fotos de Serafim Correia - JSM).
Outra obra muito conhecida de Lucas Marrão evoca o episódio político da Revolta do Porto, em Outubro de 1846, que degenerou em guerra civil: a prisão do Duque da Terceira e companheiros na Cadeia da Relação do Porto, por ordem de Silva Passos. Entre eles, estava o Visconde de Valongo, nomeado para comandar a 4ª Divisão Militar. Lucas Marrão também estaria com o Visconde de Valongo, considerando a pormenorizada descrição da cena na litografia de 1848, ou esse desenho terá sido inspirado e instruído pelo Visconde? Certo é que a Patuleia foi uma guerra civil cruel, que terminou em Junho de 1847, antecâmara da grave crise de 1849 (em que até os teatros fecharam), acontecimentos vividos por Lucas Marrão aos vinte e poucos anos, antes e durante a frequência da Academia de Belas Artes de Lisboa como “aluno voluntário”, ou seja, aluno externo. Aliás, a sua matrícula data de 10 de Novembro de 1847, ainda no rescaldo da guerra civil, mas no ambiente protector da capital. Vinte dias depois, o Visconde de Valongo é nomeado Governador Civil do Porto, onde os vapores revolucionários ainda pairavam. Já existia a Academia Portuense de Belas-Artes, criada por Passos Manuel em Novembro de 1836 e que ainda hoje funciona no mesmo edifício, como Escola Superior de Belas Artes da Universidade do Porto.
Lucas Marrão dedicou-se também à fotografia, uma novidade na época, que conciliou com a pintura. Abriu um estúdio em Lisboa, a “Photographia Artística”, chegando a realizar alguns trabalhos fotográficos para a Casa Real - segundo refere J. Quelhas Bigotte na sua Monografia de Seia.
Faleceu em Lisboa a 20 de Agosto de 1894. Em 1981, a Câmara Municipal de Seia atribuiu o seu nome a uma rua de Seia (junto ao Mercado Municipal, do lado do Solar de Santa Rita/Museu do Brinquedo) - ver Ruas de Seia com nome de artistas em "Escrita(s)".
Fontes:
Bigotte, J. Quelhas, “Monografia da Vila e Concelho de Seia”, 2ª edição,1986.
Bigotte, J. Quelhas, “Escritores e Artistas Senenses”, 1986.
H.C. Ferreira Lima, “Dois artistas esquecidos - Lucas de Almeida Marrão e João Baptista Minas” in “Revista de Guimarães”, vol. 54, Fasc. 1-2, 1944 - Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian
Pamplona, Fernando, “Dicionário de Pintores e Escultores”, Vol. IV
Matias, José Alberto Ferreira, “A propósito duma litografia de Seia”, in Jornal de Santa Marinha nº 96, 98, 100 e 101, Seia, 1997.
Biblioteca Nacional de Portugal/Biblioteca Digital