Câmara Municipal alega
“motivos de força maior” para cancelar exposição de desenho de Ricardo Cardoso [1] [2]
A
exposição de Ricardo Cardoso no Centro Cultural Gil Vicente, na vila do
Sardoal, com inauguração prevista para o passado dia 4 de dezembro, não chegou
a abrir. O Presidente da Câmara viu as obras, não gostou e mandou cancelar a
exposição. Os 10 desenhos sobre as atrocidades do século, que Seia viu na Artis
XIII, foram retiradas das paredes do Centro Cultural por terem sido
consideradas impróprias para a quadra natalícia. Em comunicado, a Câmara
Municipal de Sardoal “esclareceu” que a exposição foi cancelada “por motivos de
força maior”. Na sua página no Facebook,
o artista deixou a seguinte declaração: “Já todos conhecem a minha atitude em
relação à arte e à liberdade criativa, quer os ventos sejam favoráveis ou não.
(…) Não vou obrigar ninguém a gostar de ver os meus trabalhos, mas também
não vou deixar de os fazer ou dar a conhecer porque é Natal.”
Todos
concordamos que o Natal é uma quadra de ternura, fraternidade, convívio
familiar, mas o mundo não para, muito menos os atropelos aos Direitos Humanos em
todo o mundo, cristão e não cristão, que têm o seu Dia Internacional no início
de dezembro. Precisamente por ser Natal, celebrando o nascimento do Salvador que
os seus contemporâneos torturaram e pregaram numa cruz, não devemos esquecer as
atrocidades mais recentes, cometidas pela Humanidade no século XX e início do
século XXI, quando seria suposto os avanços tecnológicos e a democratização da
cultura criarem um novo Homem, capaz de refletir com humanidade sobre o caminho
andado e traçar novas rotas para o futuro. Mas há quem ache que o Natal deve
ser uma “silly season” de final de
ano, ignorando ou escondendo o que está mal para se sentir melhor.
Em
1914 achou-se por bem interromper a 1ª Guerra Mundial para celebrar o Natal mas
as atrocidades cometidas por ambas as partes recomeçaram logo de seguida, com
renovada violência. A 1ª Guerra Mundial vai longe, segundo sábias opiniões já
terá começado a 3ª, mas a dor e a morte são idênticas. E o terror também. Não a
violência e o terror dos filmes que os canais televisivos oferecem tradicionalmente
a pequenos e graúdos durante a quadra natalícia, com caretas e sangue a fingir,
mas o terror paralisante, o medo até de pensar, dar um passo, existir. Como
fingir que não decorrem atualmente no mundo 12 guerras com mais de mil mortos
por ano, a somar a milhares de vítimas anónimas do terrorismo internacional, às
vítimas conhecidas das ditaduras ostensivas ou envergonhadas, às vítimas da
exploração, da escravatura, da pobreza, da fome e da sede em todo o mundo, rico
e pobre.
Quem
conhece Ricardo Cardoso e acompanha a sua obra sabe como estas temáticas são
importantes para ele, refletindo-se nos seus trabalhos artísticos. A exposição
no Sardoal, composta por 10 dos desenhos realizados na Artis XIII – Festival de
Artes Plásticas de Seia, sobre os horrores da humanidade do século XX e início
do século XXI, pretendia atrair olhares e consciências dando rostos e nomes ao
terror, levantando a questão mais sensível do nosso tempo: “que futuro queremos
para a Humanidade?” Uma pergunta mais do que pertinente, urgente nos dias de
hoje, com populações inteiras em movimento pelo globo, fugindo dos seus países
devastados pela pobreza e pela guerra, e com a ameaça crescente do terrorismo,
criado e alimentado por interesses obscuros, utopias cegas e crenças fanáticas.
Por
tudo isto não faz sentido censurar a arte ou os artistas como se alguém ou
alguma instituição tivesse, por iniciativa própria ou “por motivos de força
maior”, o “dever” de proteger os cidadãos de tanto mal exorcizado no papel,
afastando a “pobre gente” da visão dos medos desvairados que muitos artistas já
não suportam dentro das cabeças e que existem cá fora – está visto pelos
atentados no coração da Europa – e estão agora a ser atirados sem piedade, como
flechas mortais, ao coração de cada um de nós.
10 de dezembro, Dia Internacional dos
Direitos Humanos
[1] Publicado no jornal Porta da Estrela nº 1023, 16 de dezembro 2015
[2] A 15 de dezembro foi anunciado que a CM do Sardoal aceitou acolher a exposição de Ricardo Cardoso no Centro Cultural Gil Vicente em janeiro 2016.
Entretanto, recordo aqui a realização de alguns desses
trabalhos na Artis XIII, em maio 2015.
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